REPORTAGEM: Merenda indigesta

O vereador Goura (PDT) causou um rebu na Câmara Municipal de
Curitiba. E, pelo que relata, foi proposital.

A polêmica do Projeto de Lei conhecido como “Segunda sem
carne”, apresentado também pelas vereadoras Fabiane Rosa
(PSDC) e Katia Dittrich (SD), ainda em agosto, abriu a crítica sobre a já ausente fonte de proteína
em escolas. Ou mesmo situações quando a escola é o único espaço onde alunos da
periferia podem acessar o alimento de origem animal.

Rapidamente, o tema transformou-se na denúncia sobre a real
condição da merenda fornecida por somente duas empresas para o município – e os
problemas na alimentação das crianças. Desde então três frentes de debate foram
abertas: a respeito dos cardápios, sobre a questão ambiental e a qualidade da
alimentação das crianças, informa Goura.

Ele sustenta que apresentou o Projeto de Lei como uma forma
de gerar debate. Desde então, ele tem analisado a condição da merenda nas
escolas, em contato com nutricionistas e professoras. “Cidades no mundo inteiro
aprovaram o segunda-feira sem carne. E aqui em Curitiba, em anos anteriores, a
prefeitura apoiou o Projeto. A gente fez para levantar uma discussão, se eu
tivesse feito como Requerimento ou como Sugestão para o Executivo, eu tenho
certeza que não teria tido essa visibilidade”, explica.

A questão das merendas é, vira e mexe, objeto de denúncias,
em diferentes cidades do país. Qualquer consulta ao google traz notícias recentes sobre o vínculo entre empresas terceirizadas
e poder público. No Paraná, a Câmara de Cascavel sinaliza terceirizar o
atendimento, enquanto em cidades como Campinas houve o esforço para
“remunicipalizar” o que não deu certo.

“Dizemos que o Projeto ‘segunda-feira sem carne’ escancarou o
‘merenda sem debate’ no sentido de que trouxe a discussão da merenda e
alimentação nas escolas”, provoca Goura.

 Cardápios: online e o real

Uma crítica central na voz de vereadores, servidores públicos
e de outras entidades da sociedade civil, refere-se a uma possível inconstância
do cardápio. “Você tem no almoço uma coisa mais robusta, mas às 9 da manhã a
criança tem gelatina com chá num dia e no outro risoto com molho de carne.
Noutro dia, um bolo com achocolatado com aroma, e arroz com feijão preto, às
nove da manhã”, critica Goura.

A observação é confirmada pelos servidores públicos: “Não há
um controle dessa alimentação, dos alimentos que eles mandam, se a comida vem
salgada ou é servida na temperatura certa. Já no almoço muitas vezes faltam
legumes, e teve cmeis onde trabalhei que faltou leite e arroz. Foi servido
feijão e polenta para as crianças”, relata a professora de educação infantil,
Marina Alzão Felisberto.

Presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), Patricia
Samoval, acredita que o problema está no modelo, não no cardápio em si mesmo, uma
vez que segue as orientações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE – Lei 11947), de 2009, que estabelece o Plano Nacional de Alimentação
Escolar (Pnae). Ao todo, são 500 cardápios diários de 284 mil refeições por dia
na capital do Paraná.

Informações oficiais apontam cinco refeições por dia para os
bebês de até dois anos de idade e quatro para as crianças de até cinco anos
matriculadas nos cmeis, três para os alunos da escola integral e um lanche para
os que frequentam escolas regulares. “Em Curitiba são diversos cardápios, se
considerar crianças com restrições alimentares, diferentes cmeis, período
integral e parcial”, elenca Patricia.

Terceirização e atual
monopólio do mercado

Porém, a
nutricionista concorda que é preciso rediscutir a terceirização da merenda,
ocorrida em 1993. Desde aquela data, não por acaso na primeira gestão do
próprio Rafael Greca de Macedo, deixaram de existir as cozinheiras nas escolas,
e agoratão somente duas
empresas têm o monopólio de atendimento na oitava capital mais populosa do
Brasil. O contrato é de R$ 67 milhões de reais para este serviço, a licitação
foi feita com quatro lotes para as escolas municipais e cinco para cmeis.

“É um processo difícil voltar a produzir o alimento dentro da
escola. O Conselho (CAE, cuja nova gestão é recente) conversou um pouco (sobre
o tema). É preciso repensar o modelo da terceirização. Queremos fazer um tipo
de estudo com a Câmara de vereadores”, explica. Na Comissão da Câmara de
Educação, Cultura e Turismo foi apontada a sequência do debate e uma possível
audiência pública.

O problema não é de hoje. O grupo Risotolândia – Restaurantes
Corporativos tem o contrato com a prefeitura há cerca de 20 anos. O ideal, no
entanto, é o eixo de discussão que aponte a remunicipalização do atendimento.
Além disso, uma regionalização da produção. Isso porque a outra empresa
fornecedora, Denjud, está localizada em São
José dos Pinhais e a Risotolândia em Araucária, sendo que há dez regionais em
Curitiba.

Conselho Estadual de Alimentação (CAE)

É um órgão colegiado de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento da execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar, e regulamentado pela Resolução CD/FNDE nº 26/13. O espaço reúne representantes da prefeitura, pais, mães e dos professores, além de um representante sindical.

PNAE

Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) tem sua operacionalização estabelecida pelas determinações da Lei Federal 11.947 de 2009. É obrigatório o fornecimento de no mínimo 30% de alimentos da agricultura familiar nas escolas.

Propostas

– Remunicipalizar e acabar com a terceirização da merenda;



– Regionalização e criação de uma cozinha modelo;



– Ampliar o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pnae) e o protagonismo da agricultura familiar.