REVISTA ÁGORA – Pode parecer que o trabalho escravo é apenas assunto para os
livros de história. O negro acorrentado, morando na senzala, moendo a cana,
trabalhando o café sem receber nada por isso ou sem ter liberdade. Ou indo mais
longe, assunto para a Grécia antiga, quando a maioria dos cidadãos possuía pelo
menos um escravo. Contudo, apesar de o Brasil ter sido a última nação a abolir
a escravidão, no século XIX, atualmente a prática continua sendo utilizada.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que pelo menos 200
mil trabalhadores continuam sendo escravizados no Brasil e cerca de 1,8 milhões
no continente.
A concepção contemporânea de escravidão afirma que ele é o “trabalho
forçado que envolve restrições à liberdade do trabalhador, onde ele é obrigado
a prestar um serviço, sem receber um pagamento ou receber um valor insuficiente
para suas necessidades e as relações de trabalho costumam ser ilegais. Diante
destas condições, as pessoas não conseguem se desvincular do trabalho. A
maioria é forçada a trabalhar para quitar dívidas”.
Significa que saem as fazendas de engenho e entram diversos
ramos da indústria, serviços e agricultura. O Paraná “não foge a regra”. De
acordo com dados do Ministério Público do Paraná, em 2014, ocorreram 60
denúncias de trabalho escracho e três ações judiciais. Este ano também
registrou 19 termos de ajustamento de conduta. Já em 2015, até setembro foram
feitas 50 denúncias, 11 TACs e movida 5 ações.
Denúncias e punições
Um desses termos de ajustamento de conduta, inclusive, foi
desrespeitado no município de Palmas (PR). O fato gerou uma multa de R$ 52 mil
ao empresário Auro da
Aparecida Ramos de Mello, proprietário da Fazenda Santa Bárbara. Ele descumpriu
“itens acordados, principalmente no que diz respeito à realização de exames
médicos e pagamento de FGTS e contribuições sindicais. Ainda durante a
inspeção, não foram observadas melhorias nas instalações sanitárias,
refeitórios e transporte dos trabalhadores,” informa o MPT-PR. A propriedade
era arrendada para corte de pinus.
Outro
caso recente de trabalho escravo no Paraná envolve a gestão municipal de
resíduos sólidos em Chopinzinho. Em inspeção realizada em junho deste ano foi
constatada situação de trabalho em condições degradantes, com situações de
risco aos trabalhadores como manuseio de lixo orgânico sem proteção, consumo de
alimentos descartados no lixo e falta de sistemas de proteção em máquinas. “O
Município optou por transferir de forma fraudulenta a atividade para uma
empresa particular, cuja constituição fora determinada pelo próprio Ente
Político, não verificando sequer se os empregados possuíam condições adequadas
para execução segura da atividade, bem como a observância de direitos
trabalhistas mínimos”, afirma a procuradora do trabalho responsável pelo caso,
Priscila Schvarcz, ao MPT-PR. Após a atuação do município, os trabalhadores
podem ser indenizados em até R$ 48 mil.
Ruralistas blindam a
escravidão
O uso da escravidão não é uma exceção à regra. Colabora para
isso a blindagem que congressistas fazem a PEC do Trabalho escravo, que está
parada no Congresso Nacional. Os
ruralistas temem a falta de uma
definição clara de trabalho escravo, para que, então, a Justiça possa
determinar o confisco de terras ou de outros imóveis dos culpados por esse
crime. Uma das principais opositoras à PEC é a ministra da Agricultura Kátia
Abreu, quando exercia o mandato de senadora, ela disse que “é claro que todos
somos contra o trabalho escravo, mas algumas coisas precisam ser esclarecidas
na PEC. Como votar algo no escuro? Ainda existe uma dúvida da sociedade porque
esse assunto é bastante complexo, tanto do ponto de vista conceitual quanto do
prático”.
Por outro lado, os defensores da PEC argumentam que a
proposta “vai aumentar a punição para quem patrocina a escravidão, por meio da
perda de grande parte do seu poder econômico, ou seja, o imóvel, rural ou
urbano onde o crime aconteceu, a expropriação”.
Brasil é reconhecido
no combate
Embora os parlamentares patinem no tema da escravidão, o
Executivo tem realizado campanhas de combate à prática. O Brasil até foi citado como referência internacional pela
relatora das Nações Unidas. De acordo com Leonardo Sakamoto, que integra a
Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, esse é um resultado
das políticas implementadas por FHC, Lula e Dilma. “É um raro caso em que o
país demonstra ter, até aqui, apesar dos trancos e barrancos, uma política de
Estado e não de governo. Além disso, no caso da política brasileira de combate
à escravidão em cadeias de valor, muito se deve a organizações da sociedade
civil e ao setor empresarial”, avalia Sakamoto.
O Ministério
Público do Trabalho, por exemplo, lançou aplicativo de celular para flagrar
irregularidades trabalhistas e doou drones ao Rio de Janeiro para ajudar na
fiscalização. O aplicativo tem sido utilizado pela Polícia Rodoviária Federal
com objetivo de agilizar e fortalecer,
com provas visuais, a constatação de irregulares trabalhistas graves como
exploração sexual comercial de menores de dezoito anos, trabalho escravo e
transporte irregular de trabalhadores em estradas”, segundo a coordenadora
de presidente da comissão de direitos humanos da Polícia Rodoviária Federal, Marcia
Freitas. Os drones são utilizados com o mesmo objetivo também pela PRF.
O uso da escravidão não é uma exceção à regra. Colabora para isso a blindagem que congressistas fazem a PEC do Trabalho escravo, que está parada no Congresso Nacional.
Dia 20, não compre
Se de um lado as heranças da escravidão continuam presentes no mundo do trabalho, de outro, dos descendentes, segue sendo negados a eles culturalmente e socialmente a inclusão. É o caso do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. Para a comunidade afrodescendente, é este dia que deve ser celebrado, pois lembra Zumbi dos Palmares, e não 13 de maio, data da Abolição da Escravatura. Contudo, a Ação Comercial do Paraná (ACP), o Sinduscon e o TJ Paraná vedam a data como feriado em Curitiba. Feriado este celebrado em outras 224 cidades, inclusive nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Cuiabá.
O argumento utilizado para negar o feriado é o impacto financeiro no comércio local. A reação da comunidade afrosdecente foi lançar a campanha “Dia 20 de novembro, não compre em Curitiba. De acordo com os organizadores, “a Associação Comercial do Paraná, o SINDUSCON/PR e o TJPR, vivem numa curitiba ariana, uma curitiba por onde jamais os negros passaram para fazer parte da história e os que estão por aqui vivem na mais absoluta invisibilidade”, criticam.
Municípios brasileiros aderem ao feriado da Consciência Negra