O Coletivo Estadual de Promoção da Igualdade Racial na Educação da APP-Sindicato e a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap) conseguiram com sucesso a reversão de um processo que se arrasta desde março deste ano: a mudança de conteúdo negativo sobre a participação do povo negro na história do Brasil. O Livro Didático Público “Coleção Conversando sobre História – 3ª série”, de Francisco Coelho Sampaio, publicado pela Editora Positivo não atendia aos preceitos da Lei Federal 10.639 e do Parecer 04/06 do Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR). O novo conteúdo do livro foi apresentado na terça-feira (11) pela gerente editorial de livros e periódicos da Editora Positivo, Valéria Rodrigues e Silva durante reunião na sede do Ministério Público do Paraná com o Coletivo, a Acnap e o promotor de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Educação, Clayton Maranhão.
Há pouco mais de dois meses, representantes do Coletivo da Igualdade Racial e da Acnap se reuniram com o promotor da Justiça para que este acolhesse a denúncia protocolada em junho deste ano, no Ministério Publico de Londrina. Junto com o documento, o Coletivo anexou carta-denúncia do ativista do movimento negro e professor, Edmundo Silva Novais. Redigida em março, Novais pedia a retirada de circulação do Livro Didático em questão. Segundo o professor, a obra em questão integra o Programa Nacional do Livro Didático 2007 do MEC e é utilizada pela Escola Estadual Carlos Dietz, em Londrina, sem, contudo, atender a vigência da Lei 10.639 e do Parecer 04/06 do CEE.
Na reunião de terça-feira, a gerente editorial da Editora Positivo apresentou as modificações realizadas em 19 páginas da unidade 3 da Coleção. Além da retirada do conteúdo discriminatório foram feitas, após pesquisa iconográfica, substituições de ilustrações, suprimindo aquelas que denotavam mais explicitamente a intolerância racial. Segundo Valéria, o novo conteúdo valoriza a riqueza sociocultural e econômica do continente africano, incluindo, por exemplo, o império de Mali, o maior de todos os impérios medievais africanos e o comércio entre africanos e demais países. “Nós achamos legítima a defesa do movimento negro. A nossa atitude é a de não compactuar com o preconceito e com visões estereotipadas, por isso nos mobilizamos para que as alterações fossem feitas”, defendeu Valéria
De acordo com o integrante do Coletivo da APP, o professor Romeu Miranda, a alteração contemplou a reivindicação do movimento negro. Para ele, com o novo conteúdo inicia-se um processo de valorização sobre a contribuição do povo negro na sociedade brasileira, impossibilitando que o estudante negro venha ficar com a estima rebaixada. “É preciso (uma reformulação como esta) para a criança não ir para debaixo da carteira”, defendeu. E acrescentou: “O racismo esta tão enraizado na sociedade que foi preciso a denúncia de um professor para que o conteúdo fosse removido”.
Das modificações apresentadas foram solicitadas ainda duas alterações. A retirada da obra Cana, de Candido Portinari e o título que abre o capítulo. O Coletivo e a Acnap pedem a substituição do verbo “vieram” do título “Para o trabalho nos canaviais vieram os africanos”. Ambos argumentaram para a gerente editorial que os africanos, diferentemente dos imigrantes, não vieram, mas que foram capturados e trazidos da África para o trabalho escravo no Brasil.
Finalizando a reunião, O Coletivo da Promoção da Igualdade Racial recebeu do promotor Clayton Maranhão livros didáticos das editoras Moderna, Positivo, Saraiva, Scipione, Ática, FTD e Formato para avaliação. Segundo o promotor, é preciso analisar criticamente os livros oficias de histórias do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). “Estamos buscando a implementação da Lei 10.639. Por isso, não basta somente a verificar a capacitação dos professores, mas também a adequação do material didático. Nesse sentido fizemos a revisão dos conteúdos, analisando-os e dando a nossa contribuição crítica”, declarou.
As alterações serão inscritas no começo do ano. O novo conteúdo passará por uma avaliação do Ministério da Educação (MEC) e chegará às escolas em 2010. A mudança não será realizada imediatamente porque o cronograma oficial do PNLD estabelece a aquisição, em 2008, de apenas 3% dos livros.
Entenda a denúncia – Segundo a carta-denúncia de Novais, o livro, além de descumprir as legislações vigentes, negligencia a história dos povos negros na História do Brasil, causando inclusive constrangimento a crianças e estudantes negros e negras. Sobre o conteúdo ele relata na carta: “O que inicialmente chamou a nossa atenção é o exagerado número de imagens (reproduções de telas, fotografias e ilustrações) em que pessoas negras aparecem em situação degradantes, de submissão, humilhação e maus tratos. Em 25 imagens aparecem pessoas negras. Em catorze delas essas pessoas aparecem em situações degradantes, de submissão, humilhação, violência e maus tratos. Dez imagens mostram pessoas negras apanhando ou sendo oprimidas por pessoas brancas. Entre essas imagens estão pinturas clássicas e, em particular, a que nos chocou, chama a atenção por ser uma ilustração em que crianças estão acorrentadas pelo pescoço, demonstrando desespero e agonia.(…) Qualquer desavisado pode perceber que há, nesse livro, um exagero no número de vezes em que é repetido a terminologia “escravo/a”. Contamos, rapidamente, 73 vezes. Entre essas repetições, intercalam-se algumas vezes os termos “negros” e “africanos”, o que pode fazer com que as crianças acreditem que “negros”, “africanos” e “escravos” são sinônimos”.
Novais também encaminhou a carta para o Ministério da Educação (MEC), Secretaria Estadual de Educação, Conselho Estadual de Educação, Editora Positivo e Escola Estadual Carlos Dietz.
A Lei 10.639, a qual incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. A alteração da Lei de Diretrizes e Bases, em 2003, mostra a contribuição dos africanos nas áreas sociocultural, econômica, política científica e tecnológica para o país.
Fonte: APP-Sindicato