Pauta feminina em segundo plano: o que revela a produção legislativa da Câmara de Curitiba em 2025

Foto: Carlos Costa/CMC


Apesar da crescente violência contra mulheres, apenas 3,8% das proposições legislativas tratam da pauta de gênero — e a maioria foi apresentada por vereadoras

 

Curitiba encerrou o ano de 2024 com 3.096 denúncias de violência contra a mulher e 19.820 violações de direitos, conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Os números escancaram a magnitude do problema: uma cidade em que, em média, quase nove mulheres sofrem algum tipo de violência por dia.

Diante desse cenário, esperava-se que os espaços institucionais — sobretudo a Câmara Municipal — adotassem uma postura propositiva e firme no enfrentamento à violência de gênero. No entanto, a análise da produção legislativa da 19ª Legislatura da Casa revela um comportamento preocupante: baixa prioridade à pauta das mulheres, prevalência de discursos ideológicos e ações legislativas tímidas.

Produção legislativa em 2025

Neste ano de 2025, os vereadores e as vereadoras da Câmara Municipal de Curitiba apresentaram um total de 343 proposições legislativas. Entre os tipos de iniciativas, os Projetos de Lei Ordinária se destacaram amplamente, somando 287 propostas, o que representa aproximadamente 83,7% do total. Esse volume expressivo revela a preferência da atual legislatura por proposições que visam alterar ou criar novas regras no âmbito municipal.

Além disso, foram registrados 16 Projetos de Lei Complementar (4,7%), voltados principalmente para alterações mais complexas na legislação municipal vigente, como códigos e leis estruturais. Também foram protocolados 39 Projetos de Decreto Legislativo (11,4%), geralmente destinados à concessão de títulos, prêmios e homenagens. Por fim, uma única proposição foi classificada em categoria diversa, como sustação de ato do Poder Executivo, demonstrando que esse tipo de iniciativa permanece residual na prática legislativa da Casa.

Dessas, apenas 13 proposições trataram diretamente de políticas públicas voltadas às mulheres, correspondendo a 3,8% do total. O número, por si só, já é insuficiente. Mas torna-se ainda mais alarmante quando se observa quem está apresentando essas propostas.

Dos 38 parlamentares da Câmara Municipal, apenas 8 apresentaram proposições relacionadas à pauta feminina. Sete são mulheres, evidenciando a importância da representação feminina no parlamento. A única iniciativa apresentada por um vereador homem foi individual, sem coautoria de mulheres.

Esse dado revela uma realidade estrutural: enquanto os homens — que compõem a maioria da Câmara (27 dos 38 vereadores) — se mantêm majoritariamente distantes da pauta, as vereadoras assumem, em grande parte, o protagonismo na defesa de políticas públicas voltadas às mulheres. No entanto, é preciso observar que, embora esse protagonismo feminino seja evidente, nem todas as propostas seguem uma linha de promoção de direitos e avanços sociais. Algumas parlamentares também apresentam iniciativas com viés conservador, que suscitam preocupações quanto à efetividade dessas políticas na garantia de direitos, proteção integral e equidade de gênero. Uma desigualdade de participação, mas também de perspectivas, que compromete o avanço coeso da proteção social das mulheres na cidade.

O peso das moções: quando o debate é simbólico e ideológico

Além dos projetos de lei, os parlamentares da Câmara Municipal de Curitiba apresentaram, em 2025, um total de 55 moções, distribuídas entre diferentes finalidades: 24 de apoio ou desagravo, 18 de protesto ou repúdio, 6 de congratulações e aplausos, e 7 relacionadas à retirada de proposições. Esse volume revela uma atuação marcadamente simbólica, muitas vezes voltada mais à manifestação política e à sinalização pública de posicionamentos — a conhecida “lacração” — do que à formulação de medidas concretas para o enfrentamento dos problemas sociais.

Um exemplo emblemático dessa tendência foi a aprovação de uma moção de repúdio à Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que assegura o atendimento e o direito à interrupção legal da gravidez a meninas vítimas de estupro. A manifestação contrária à norma, que visa proteger vítimas de violência sexual, revela como parte da Câmara tem se dedicado mais a alimentar disputas ideológicas do que a proteger vidas e garantir direitos básicos. Esse tipo de atuação reforça o distanciamento de uma parcela dos parlamentares das demandas urgentes da população, sobretudo de mulheres, crianças e adolescentes.

Programa Servidora Segura: uma conquista que precisa virar política pública

Apesar do cenário legislativo ainda marcado pela omissão, uma conquista relevante foi a criação do Programa Servidora Segura, pelo executivo municipal, instituído pelo Decreto Municipal nº 880/2025. A iniciativa representa um avanço concreto na proteção das mulheres em situação de violência doméstica que atuam no serviço público municipal.

O programa prevê medidas protetivas e de suporte institucional para servidoras com medida protetiva expedida pela Justiça, buscando garantir que a permanência no trabalho não se transforme em mais um fator de risco. Entre as ações previstas estão:

  • Remanejamento de setor ou unidade de trabalho, sempre que a permanência da servidora na unidade atual representar risco à sua integridade física ou emocional;

  • Possibilidade de regime de trabalho remoto temporário, nos casos em que a presença física represente ameaça;

  • Prioridade na concessão de licenças previstas em lei, inclusive para acompanhamento psicológico ou jurídico;

  • Articulação com outros órgãos municipais, como a Procuradoria da Mulher, serviços de assistência social e saúde;

  • Sigilo e proteção das informações da vítima, para evitar exposição ou retaliações.

O decreto atende a uma demanda antiga do movimento de mulheres e de servidoras públicas que, muitas vezes, se viram desamparadas ou obrigadas a manter rotinas laborais mesmo sob ameaça direta de seus agressores.

Para a direção do SISMUC, mais do que votar moções ou legislar pontualmente, os parlamentares precisam assumir a responsabilidade política de estruturar políticas públicas permanentes voltadas à proteção e promoção dos direitos das mulheres. “O Programa Servidora Segura é um exemplo importante, mas não pode ser uma exceção. Para enfrentar com seriedade a crescente violência de gênero em Curitiba, é fundamental que a Câmara Municipal atue de forma propositiva, fiscalizadora e compromissada com o fortalecimento de políticas efetivas — com base legal, orçamento garantido e articulação entre os diversos órgãos públicos”. E conclui: “a ausência desse compromisso não só fragiliza as ações existentes, como perpetua o ciclo de violência que atinge milhares de mulheres na cidade. E isso, não é mais admissível”.