O racismo é uma herança nociva dos mais de 300 anos de escravidão no Brasil, impactando em todas as áreas da vida da população negra. Criaram-se vários termos para tentar demonstrar como o racismo afeta as pessoas negras: o racismo estrutural, racismo ambiental, racismo recreativo, racismo institucional…são tantas camadas para fundamentar esse sistema que marca categoricamente pessoas não brancas. Ele pode ser praticado por meio da linguagem, da agressão física, da exclusão, da tecnologia, pode se manifestar de maneira evidente, na qual a vítima não terá dúvidas do ataque sofrido. Porém, na maioria das vezes, acontece de forma velada, até difícil de identificar.
É comum que quando nós, pessoas não brancas, sofremos alguma violência, não admitamos que o episódio em questão partiu de um ponto racial. “Será que estou vendo pelo em ovo? Estou tão mergulhada nas questões raciais que vejo racismo em tudo?”, questionamos nosso entendimento e nossa própria sanidade. Porém, querendo adimitir ou não, as questões raciais continuam nos atravessando
Lélia Gonzalez, filósofa brasileira, afirmava que, no Brasil, a violência vivida é apagada, apoiando-se na ideia de que, como não há uma segregação explícita da população negra, não há racismo em nosso país. É o chamado “racismo à brasileira”, pois há uma tentativa de silenciar os preconceitos vivenciados.
Tudo acontece de maneira tão sutil, que se não estivermos atentos e atentas, não iremos perceber de forma nítida que as cicatrizes dolorosas que carregamos durante toda a vida, é fruto do racismo. Se não performamos dentro do “ideal de pessoa negra” que a sociedade espera de nós, pode apostar que receberemos olhares enviesados. Ainda passamos pela situação de precisarmos nos provar o tempo inteiro, na escola, no trabalho, devemos ser duas vezes melhor.
Parafraseando os Racionais Mc’s: “como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses… por tudo que aconteceu? Duas vezes melhor como?”. E, se errarmos, seremos julgados de forma mais dura. Por que pesamos mais a mão em cima dos erros de pessoas negras e somos mais complacentes com as falhas daquelas não negras?
É difícil esmiuçar os efeitos e consequências do racismo na mente e corpo de pessoas negras (haja horas de terapia para isso). Mas, é fato que ele nos adoece, a saúde mental da população negra é prejudicada, o índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil é 45% maior do que entre brancos.
Costumo dizer que o racismo é um beco sem saída e, muitas vezes, nos vemos sem ter para onde fugir. Se entrarmos em uma bolha da ignorância e tentarmos nos afastar daquilo que nos machuca, uma hora a realidade volta contra nós. Em contrapartida, se racializarmos tudo e todas à nossa volta, viveremos eternamente raivosos, sentimento que é prejudicial a nós mesmos. E aí, entre “fogo nos racistas” e “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”, qual escolher? Existe meio termo?
Artigo de opinião por Ana Carolina Pacífico, jornalista e pós-graduada em Direitos Humanos e Cidadania Global