Censurem Aquarius
Saciei minha curiosidade com o filme Aquarius. Confesso que
ele não me despertaria interesse – apesar da Sônia Braga no papel principal –
se não fosse o protesto #foratemer ocorrido em Cannes. Em seguida, algumas
críticas positivas e relacionadas à arte aumentaram a curiosidade.
“Domínio absurdo do cinema” foi uma delas. As críticas negativas sem
nenhum fundamento artístico também foram importantes. Quando revistas e colunistas
sugerem boicote a algo, no mínimo, isso desperta a chave do “opa, se é
proibido e obsceno, eu quero ver”.
Das telas à vida
A mudança de classificação do filme no Brasil e a manobra
política do governo não eleito também são atitudes que inflamaram o desejo por
Aquarius. Aliás, são essas tentativas sutis e “republicanas” de
violentar direitos que O filme tão bem revela. É como a PM que prende uma
ambulante para provocar ira na multidão e justificar sua violência. Ou como
candidato limpo e cheiroso que diz ser contra invasão, mas “anexa” –
jamais roubam, né – terreno público. Ou ainda como candidato fofinho que, em
ato falho, deixa escapar que rechaça pobre a ponto de vomitar. São as nuanças
da vida que o filme sugere.
Do feminismo
Aquarius em um filme feminista, em sua essência, sem buscar
explicitar as pautas e jargões. Feminismo não militante. Mas tá lá, todinho
desenhado na personagem principal, no empoderamento e enfrentamento da mulher
contra o machismo, contra câncer de mama, na liberdade sexual e em outros
tópicos do filme. Feminista e inclusivo sexual.
Do racismo e preconceito de classe
Com algumas pinceladas, Aquarius vai mostrando como nossa
sociedade ainda se estrutura na divisão clara de classes e de como a aparência
é “fundamental” para determinar quem somos e o que podemos fazer no
dia a dia das cidades. Trata do racismo seja na cor, seja no sobrenome e tons
de pele. Trata também de como as pessoas convivem bem tratando umas as outras
como cidadãos de primeira, segunda e terceira classe.
É lírico
Sem ter uma trilha original, Aquarius é agradável tanto aos
ouvidos quanto aos olhos. Ele retira a poeira de clássicos e canções nacionais
esquecidas pela indústria cultural, mostrando toda a riqueza que o país
possuiu, mas que tem hibernado nesse desejo contemporâneo da cópia e
necessidade de ser agradável.
Aquarius > Tropa de Elite
Aquarius devolve ao Brasil linguagem e contexto do cinema
nacional que se perderam na última década. Não é um filme que se vender com
personagens e atores queridinhos das novelas, tampouco opta pelo clichê ou
cenas cheias de ação ou frases de efeito que possam cair automaticamente no
gosto popular. Aquarius não é filme de memes. Aquarius é cartoon. E como tal,
mostra o outro lado que Tropa de Elite “sonega”. Mostra como pensam e agem os
donos do poder. Por mais brasis de Claras e menos capitães nascimento.