O desarquivamento maciço de documentos americanos sobre o golpe de estado no Chile em 1999 ajudou a esclarecer a responsabilidade de Washington na derrubada de Salvador Allende e na instalação no poder do general Augusto Pinochet. O desarquivamento, depois de um debate de três décadas sobre o papel de Washington no golpe, desenterrou detalhes sobre as operações secretas da CIA no Chile entre 1962 e 1975, primeiro para impedir que Allende fosse eleito, depois para desestabilizar seu governo e finalmente, após o sangrento golpe do dia 11 de setembro de 1973, para apoiar a ditadura de Pinochet, que durou 17 anos.
Os documentos da CIA, do Pentágono, do departamento de Estado e do FBI – com desarquivamento solicitado pelo ex-presidente Bill Clinton em 1999 enquanto Pinochet estava preso em Londres a pedido da justiça espanhola – destacam que logo após a eleição de Allende em 1970, o ex-presidente Richard Nixon autorizou o então diretor da CIA, Richard Helms, a minar o governo chileno por temer que este se tornasse uma nova Cuba.
"O aniversário do golpe levanta o debate sobre o papel e a responsabilidade dos Estados Unidos nos trágicos acontecimentos no Chile", afirmou Peter Kornbluh, diretor do projeto de documentação do Chile na ONG Arquivos de Segurança Nacional, que fez pressão em favor do desarquivamento. Também "oferece a oportunidade de usar estes documentos para avançar na compreensão internacional dos fatos e responsabilizar não só os chilenos envolvidos no golpe, mas também os funcionários americanos que planejaram estes fatos", acrescentou Kornbluh. O livro que escreveu sobre o assunto "O Arquivo Pinochet, um dossiê desarquivado sobre atrocidade e responsabilidade" foi publicado no dia 1º de setembro.
A CIA finalmente aceitou a contragosto liberar os documentos, e no dia 19 de setembro de 2000 entregou ao Congresso um informe no qual revelou que o chefe da temida polícia secreta (Dina) de Pinochet, Manuel Contreras, foi seu empregado em 1975.
Os documentos também destacaram que os contatos da CIA com Contreras continuaram logo após ele ter enviado seus agentes a Washington para assassinar Orlando Letellier, ministro chileno das Relações Exteriores no governo socialista de Allende, e seu assessor americano, Ronni Moffit, em 1976.
"A CIA apoiou ativamente a junta militar após a derrubada de Allende", indicou o comunicado apresentado ao Congresso. "Muitos oficiais de Pinochet estavam envolvidos em abusos sistemáticos dos direitos humanos (…) Alguns deles eram informantes ou agentes da CIA ou das forças armadas americanas", acrescentou.
Submetido a nove processos, Contreras foi condenado em abril no Chile a 15 anos de prisão pelo seqüestro de um opositor à ditadura, que integra a lista de mais de mil desaparecidos. Foi sua segunda condenação, depois de ter ficado preso sete anos por ter mandado matar Letellier e Moffit.
O informe também revelou que a CIA pagou US$ 35 mil a um grupo de militares chilenos pelo assassinato em 1970 do general René Schneider, comandante-em-chefe do Exército fiel a Allende, durante um fracassado golpe de estado planejado por Washington. Isso parece contradizer as declarações que Henry Kissinger, conselheiro de Segurança Nacional e depois secretário de Estado de Nixon, fez em 1975 a um Comitê do Senado americano que investigou "As ações secretas da CIA no Chile entre 1963 e 1973".
Allende no Chile e Fidel Castro em Cuba transformaram a "América Latina em parede vermelha", escreveu anos depois Nixon nas suas memórias, justificando o empenho de Washington para intervir na região durante a Guerra Fria.
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A História do Golpe no Chile
Em um determinado momento da prolongada visita de 24 dias que o líder cubano Fidel Castro fez ao Chile de Salvador Allende, em novembro de 1971, veio à tona a questão militar. O presidente chileno ponderou que naquele país as Forças Armadas eram tradicionalmente neutras, não se intrometiam em política, ou seja, eram estritamente profissionais. Fidel retrucou que essa postura iria ser sustentada até o dia em que os interesses da classe a qual a hierarquia militar pertence fossem tocados. “Nesse dia, tomarão posição, e será contra você”.
Salvador Allende perdeu por três vezes as eleições presidenciais, em 1952, 1958 e 1964, antes de se eleger presidente do Chile, em 1970, como candidato de uma coligação de esquerda, a Unidade Popular. Entrou para a história como o primeiro marxista a chegar ao poder pelas urnas.
Allende assumiu a presidência no dia 3 de novembro de 1970 e durante seu governo nacionalizou as minas de cobre, a principal riqueza do país. Além disso, transferiu o controle das minas de carvão e dos serviços de telefonia para o Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras improdutivas e entregando-as aos camponeses.
Entretanto, os pilares socialistas no Chile não se firmaram como queria Allende. Os Estados Unidos, envolvidos na Guerra do Vietnã, não admitiam a instauração de um segundo regime socialista em sua área de influência. As nacionalizações e estatizações adotadas pela Unidade Popular também não eram bem vistas pelas grandes corporações norte-americanas.
Além disso, fatos graves começaram a acontecer, a exemplo do assassinato do Comandante em Chefe René Schneider, substituído pelo não menos constitucionalista general Carlos Prats.
Outra dificuldade foi o fato de o governo norte-americano submeter o Chile a um bloqueio econômico informal, que impedia o país de obter empréstimos internacionais ou bons preços para o cobre, principal produto de exportação. Allende acreditava que o objetivo da medida era sufocar a economia chilena até que um levante das Forças Armadas colocasse fim a "via chilena para ao socialismo".
Para agravar a situação, em setembro de 1972 iniciou-se uma greve de caminhoneiros financiada pela CIA e comandada por Leon Vilarín, um dos líderes do grupo paramilitar neofacista Patria y Libertad. A paralisação impediu o plantio da safra agrícola no país até 1973. Com o apoio dos industriais chilenos, a estratégia era provocar o desabastecimento de artigos de primeira necessidade no Chile.
A partir daí, o clima de tensão foi ficando cada vez mais intenso, com o Movimento da Esquerda Revolucionária de um lado e o direitista Patria y Libertad de outro.
No dia 29 de junho de 1973 houve então a primeira tentativa de golpe, por meio de uma aliança entre o Patria y Libertad e os militares chilenos que pretendia tomar o Palácio de La Moneda, numa operação conhecida como El Tanquetazo.
Entretanto, a ação fracassou ao ser descoberta pela inteligência do Exército, então comandado por Prats. Com isso, o general chegou a pedir a instauração do estado de sítio no país. A solicitação foi acatada por Allende, mas negada pelo Congresso.
Assim, a tomada do poder ficava cada vez mais iminente. O general Prats, que se recusava a participar do golpe militar, renunciou depois de uma manifestação de esposas de oficiais golpistas diante de sua residência. Foi então que Salvador Allende nomeou um antigo militar que acreditava ser de total confiança: Augusto Pinochet.
Na madrugada de 11 de setembro de 1973, aviões militares sobrevoaram e bombardearam o palácio presidencial. Lá estava Allende, quase só. Não se dispondo a sofrer humilhações, valeu-se da submetralhadora que lhe fora presenteada por Fidel Castro para pôr fim à própria existência. Estava instaurada a sanguinária ditadura pinochetista.
A morte de Salvador Allende e o início da ditadura militar, que durou até 1990.