Vale-creche escancara falência da política privatista de Eduardo Pimentel

No discurso oficial do prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel, o Vale-Creche é apresentado como a resposta definitiva para a histórica falta de vagas na educação infantil na cidade. No balanço real do ano, porém, os números contam outra história. Longe de resolver o problema, o programa escancara a falácia de uma política que privatiza o direito à educação, transfere responsabilidades às famílias e mantém milhares de crianças fora da escola.

Levantamento realizado pelo SISMUC, com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela que a iniciativa adotada pela gestão do prefeito Eduardo Pimentel não enfrenta a raiz do problema e ainda ajuda a esconder uma realidade que a Prefeitura tentou omitir por anos: a dimensão real da fila por vagas na educação infantil no município.

Desde abril de 2025, o Vale-Creche atende 4.626 famílias. O número é amplamente divulgado pelo Executivo como símbolo de avanço, mas perde força quando analisado em profundidade. O programa não garante alimentação, uniforme nem cobre integralmente os custos da matrícula, empurrando para as famílias despesas que deveriam ser assumidas pelo poder público.

Quando os dados do vale são confrontados com o Sistema de Cadastro Online da própria Prefeitura, a contradição se torna ainda mais evidente. Em agosto de 2025, 8.539 crianças continuavam aguardando vaga na educação infantil. Somadas às famílias atendidas pelo programa, mais de 13 mil crianças seguem sem acesso à educação infantil pública garantida, evidenciando a falácia da política adotada e o fracasso em enfrentar um problema estrutural.

 

Fila persiste, periferias concentram a exclusão
A desigualdade territorial segue como marca central da política educacional do Município. O Tatuquara concentra a maior defasagem de Curitiba, com 1.656 crianças aguardando vaga. Na sequência aparecem a Cidade Industrial de Curitiba, com 1.597, e o Bairro Novo, com 1.043 crianças na fila. São regiões periféricas, historicamente negligenciadas pelo poder público, onde o crescimento populacional não foi acompanhado pela ampliação da rede pública de educação infantil.

Mesmo diante desse cenário, a gestão municipal não apresentou um plano consistente de expansão da rede própria. Sob responsabilidade da Secretaria Municipal da Educação, comandada por Jean Pierre, o Vale-Creche passou a ocupar o lugar de política central, apesar de não enfrentar a raiz do problema: a ausência de investimento direto em CMEIs, infraestrutura e servidores.

 

Custo transferido às famílias e exclusões estruturais
O formato do Vale-Creche explicita seus limites. O programa oferece um subsídio parcial para matrícula na rede privada, com valor médio de R$ 974,81 e teto de R$ 1.000. A escolha da instituição é da família, assim como a obrigação de arcar com a diferença quando a mensalidade supera o valor do benefício.

O que não aparece nos balanços da Prefeitura é que as 4.626 famílias atendidas continuam pagando do próprio bolso alimentação, uniforme, material, taxas extras e, em muitos casos, parte da mensalidade. Segundo informações oficiais da própria Secretaria Municipal da Educação, o Município não assume qualquer responsabilidade sobre alimentação escolar ou fornecimento de uniforme no âmbito do vale-creche. Na prática, isso significa que crianças atendidas pelo programa não têm garantida a alimentação escolar assegurada na rede pública, aprofundando desigualdades.

O programa também exclui crianças com deficiência ou Transtorno do Espectro Autista, que permanecem restritas à rede pública. A contradição é evidente: enquanto o Município afirma não ter vagas suficientes nos CMEIs, o vale-creche não contempla justamente as crianças que demandam atendimento especializado.

Para quem enfrenta diariamente a fila, o voucher não substitui a vaga pública. Pedro Carrano, integrante da coordenação da Frente de Organização dos Trabalhadores (Fort), reforça que a principal reivindicação das comunidades segue sendo o CMEI.

 “Desde 2024, colocamos a vaga no CMEI como uma demanda das 280 famílias da Vila União e também das 80 famílias da Pontarola. Fizemos um ato no dia 30 de maio, quando houve o comprometimento da Regional e do Núcleo de Educação em prestar contas à comunidade sobre a situação das vagas. Até agora, isso não aconteceu”, afirma. Segundo ele, a mobilização continua. “Temos contado com o apoio da Universidade para aprofundar esses dados. É uma pauta de luta e novas mobilizações certamente vão acontecer”, completa.

A dimensão social do problema também aparece na pesquisa da mestranda em Geografia Carla Alessandra Marques, que analisa a plataformização da cidade de Curitiba a partir do Cadastro Online. Na Vila União, território estudado em seu mestrado, a falta de creche é generalizada. “O tempo de espera é muito grande, com crianças aguardando desde o começo do ano passado. Também faltam vagas para crianças de 4 anos, que deveriam estar obrigatoriamente no sistema educativo”, aponta.

Entre dez famílias entrevistadas, apenas duas conseguiram vaga em creche, e isso somente após intervenção do CRAS. “Muitas mães, responsáveis ou avós buscam alternativas informais, recorrem a redes de apoio ou simplesmente deixam de trabalhar por não terem com quem deixar as crianças”, relata. Sobre o Vale-Creche, a avaliação é direta: “As beneficiárias apontam que o benefício não cobre os custos totais da criança na escola. Há despesas extras que excedem o salário dos responsáveis. Quem conseguiu o vale acabou não utilizando, porque os gastos continuavam elevados, mesmo procurando opções em outros bairros”.

 

Salas fechadas, compra de vagas e ausência de política estrutural
Enquanto sustenta o discurso de ampliação do acesso por meio do Vale-Creche, a Prefeitura mantém CMEIs com salas fechadas e turmas reduzidas por falta de professores. Levantamento realizado pelo SISMUC em unidades de diferentes regiões da cidade mostra que as vagas públicas deixam de existir não por falta de espaço físico, mas pela ausência de professores para garantir o funcionamento das unidades.

O cenário expõe uma contradição central da política educacional do Município. Ao mesmo tempo em que afirma não ter vagas suficientes na rede pública e amplia o repasse de recursos para a iniciativa privada, a Prefeitura mantém capacidade ociosa nos CMEIs por falta de investimento em pessoal, com abertura de concursos públicos, reforçando artificialmente a necessidade de programas como o vale-creche.

Essa lógica se aprofunda com a publicação, em novembro, de um edital para o credenciamento de instituições privadas interessadas em ofertar 15.824 vagas de Educação Infantil. O próprio edital, no entanto, afirma que o credenciamento não implica obrigação de contratação. A contradição é evidente: por que abrir um edital com número tão elevado de vagas se não há garantia de ocupação? E por que apostar na compra de vagas privadas em vez de priorizar a construção de CMEIs e a contratação de professores?

O debate sobre expansão da rede pública expõe ainda mais fragilidades. Fora do Plano de Governo apresentado à Justiça Eleitoral, Eduardo Pimentel passou a prometer a construção de 36 CMEIs. Embora a proposta dialogue com a necessidade real da cidade, o próprio gestor não tem atuado para consolidar sua promessa, ao não prever no Plano Plurianual (2026-2029) e nem mesmo no orçamento público do próximo ano as construções, não apontar a disponibilidade de terrenos, e, sobretudo, não anunciar a abertura de novos concursos para professores de educação infantil e outros profissionais. Sem concursos públicos, valorização dos servidores e recomposição das equipes, qualquer promessa se esvazia.

Para o SISMUC, os dados oficiais, as pesquisas acadêmicas e os relatos das comunidades convergem para a mesma conclusão. “O Vale-Creche não elimina a fila, não garante acesso universal, não assegura alimentação, não atende crianças com necessidades especiais e não substitui o dever do Estado de ofertar educação infantil pública, gratuita e de qualidade. O balanço do ano deixa evidente que o programa não é solução, mas parte do problema. É preciso ter um governo realmente comprometido com o serviço público, com a educação, com as famílias, as crianças, e não com empresas, com privatização, esse modelo é a falência”.