Legenda da foto: Foto oficial do BRICS com seus membros. Da esquerda para direita: Minister Sergei Lavrov (Rússia), Khaled bin Mohamed Al Nahyan (Emirados), Prabowo Subianto (Indonésia), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Primeiro ministro, Narendra Modi (Índia), Premier Li Qiang (China), Abiy Ahmed (Etiópia), Mostafa Madbouly (Egito) e Abbas Araghchi (Irã). Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil
Com mudanças no cenário internacional e cada vez mais influência, o bloco de países emergentes propõe alternativas que impactam a economia e o cotidiano dos brasileiros
Diante da redefinição de forças no cenário internacional, crises institucionais e a busca por alternativas ao modelo econômico dominante, o BRICS, grupo formado por vários países como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e novos membros como Irã, Egito, Etiópia e Argentina, ganha cada vez mais relevância.
Atualmente, o Brasil desempenha um papel estratégico no bloco, e essa atuação tem potencial para influenciar tanto a economia quanto o cotidiano de milhões de brasileiros.
O que é o BRICS
“O BRICS é um grupo de diálogo político e econômico”, afirma Bárbara Neves, doutora em Relações Internacionais, professora e coordenadora de Internacionalização da Universidade Positivo (UP).
Ao contrário de blocos formalizados como o Mercosul ou a União Europeia, o BRICS se configura como uma coalizão de países emergentes que buscam alternativas à ordem internacional vigente, especialmente às instituições financeiras criadas no pós-Segunda Guerra Mundial, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que limitam o crescimento desses países.
Segundo Neves, o termo “BRIC” foi inicialmente cunhado no início dos anos 2000 por um especialista que identificou o potencial de crescimento dessas economias. Em 2011, com a entrada da África do Sul, o grupo passou a se chamar BRICS. Desde então, essas nações decidiram se unir e buscar maneiras de cooperar política e financeiramente.
Hoje, o bloco conta com 11 países membros fixos e dez parceiros, como Vietnã, Bolívia e Cuba. Eles representam 23% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
A base para a formação do BRICS, explica a professora, está na insatisfação desses países com as limitações impostas pelas instituições internacionais tradicionais e na exclusão deles de alguns fóruns internacionais, a exemplo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Nesse sentido, o bloco surge como resposta à hegemonia institucional, na qual países do Norte Global (como Estados Unidos e nações européias) ditam as regras. “Enquanto esses países sempre estiveram alinhados e tiveram apoio um do outro em grandes pautas políticas e econômicas sobre desenvolvimento e questões de investimento, os países emergentes, do Sul Global, não tinham esse espaço de apoio político. Essa [a criação do BRICS] foi uma forma deles se apoiarem dentro das instituições internacionais existentes”, observa.
Desafios para o BRICS se consolidar como alternativa
O objetivo do BRICS é apresentar uma alternativa ao sistema internacional e suas limitações. Para isso, o bloco fez vários esforços. Um deles foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com sede em Xangai, na China, e presidido atualmente pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. O banco atua como opção para os financiamentos do FMI e Banco Mundial, notoriamente criticados por imporem condicionantes fiscais rígidas, como cortes em gastos sociais.
“Os financiamentos via BRICS não exigem, por exemplo, a redução de investimentos em educação ou programas sociais, como exige o FMI”, pontua Neves. Ela destaca que a China, por exemplo, tem promovido outros mecanismos, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), e feito empréstimos com garantias alternativas. “Essas também são formas alternativas de levar financiamento e investimento aos países que acabam não sendo atendidos pelas instituições internacionais.”
O problema, conforme a professora, é o alcance. “Quando a gente fala de FMI e Banco Mundial, estamos falando de uma estrutura construída há muito tempo, que tem um aporte internacional, além do respaldo e da participação de milhares de países. No caso desses novos bancos, apesar de serem relevantes, ainda têm limitações porque o aporte deles é pequeno.”
Outro desafio é a busca por uma alternativa ao dólar nas transações internacionais. A hegemonia da moeda norte-americana, explica Neves, é reforçada por um sistema de confiança. Ou seja, atualmente, os países mantêm suas reservas em dólar ou euro porque há uma confiança histórica na estabilidade da moeda desses países.
“Digamos que um país troque sua reserva para yuan. Ele tem que confiar que a China vai continuar crescendo e que outros países vão aceitar essa moeda como forma de pagamento. Enquanto as outras nações com as quais eu comercializo não aceitarem outras moedas a gente fica preso a esse sistema”, destaca.
Internamente, o bloco também enfrenta dificuldades. “Os países do BRICS são muito diferentes, com demandas muito diferentes apesar de terem um ponto em comum. Encontrar um consenso entre eles é muito mais difícil do que para países membros da OCDE ou do Norte Global.”
Multilateralismo e soberania
Neves esclarece que o multilateralismo é uma forma de relação entre os países. Existem outras, como o unilateralismo, ou o bilateralismo (Estados Unidos e México; Brasil e Argentina). Mas o multilateralismo se caracteriza pela relação político-econômica entre três ou mais estados a fim de buscar soluções conjuntas para o mesmo problema.
O que está em crise, segundo ela, é o sistema multilateral tradicional. A professora afirma que as instituições internacionais ajudam os estados a reduzirem os conflitos entre eles. Isso porque promove-se o diálogo entre os países que entram nessa instituição e criam-se expectativas em relação ao compromisso desses estados.
“Quando um estado entra numa instituição ele assume um compromisso internacional. Há uma expectativa de que o outro vai fazer a parte dele, então eu também vou fazer a minha também”, diz.
Mas, em março de 2003, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, contrariando o Conselho de Segurança da ONU, houve uma ruptura dessa reciprocidade. “A partir disso a gente teve uma sucessão de desrespeitos às instituições internacionais em vários âmbitos. Esse é o primeiro fator da crise multilateral. Se um dos estados centrais que faz parte desse mecanismo não está cumprindo com as regras, por que eu vou cumprir?”, diz Neves, que reforça que essa situação corrompe as instituições e desgasta a crença no multilateralismo como uma forma de solução de problemas.
Essa crise leva ao fortalecimento de fóruns regionais, como a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), o Mercosul e a União Africana, e ao surgimento de grupos alternativos como os BRICS, que tentam resgatar a ideia de um diálogo entre iguais. “O Brasil, especialmente sob o governo Lula, é um grande defensor do multilateralismo, desse espaço de diálogo conjunto entre todos os estados, e da reforma das instituições internacionais.”
Isso não significa, segundo a professora, que a atuação do Brasil no BRICS compromete sua soberania. “Quando a gente se une a outros países, nesse caso específico que é um fórum de diálogo político e econômico, a gente está lá enquanto soberano”, afirma.
Contudo, a especialista lembra que o Brasil sempre teve uma economia voltada para fora, o que o torna vulnerável a sanções e crises internacionais. Para a professora, o Brasil deve diversificar parcerias, investir no mercado interno e manter a defesa do multilateralismo como forma de enfrentar um cenário internacional cada vez mais fragmentado.
É por isso que o Brasil precisa buscar outras saídas, defende Neves. “Os fóruns multilaterais ajudam a gente a repensar nossa forma produtiva e nossos parceiros. O BRICS é uma alternativa desde que exista uma demanda pelos produtos brasileiros. É uma forma de negociar, facilitar o diálogo e se apoiar diante de ameaças, como as que o Trump tem feito à soberania dos países, inclusive diretamente ao Brasil.”
O que o BRICS tem a ver com os brasileiros?
Os interesses brasileiros dentro dos BRICS são claros: acesso a financiamento sem condicionantes, mais acesso a mercados e maior influência global. No entanto, eles podem mudar conforme variam os governantes do país.
Os benefícios da atuação brasileira no BRICS, embora nem sempre visíveis, são reais. “Hoje em dia a gente tem várias obras de infraestrutura e energia, hidrelétricas, rodovias, todas financiadas pela China. São projetos que estão gerando emprego e recursos para o país.”
Atualmente, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, respondendo por 28% do valor total exportado e por 41,4% do superávit comercial do Brasil. Até 2032, segundo a ApexBrasil, empresas chinesas preveem investir mais de R$ 27 bilhões no território brasileiro, em setores como mobilidade, energia renovável, tecnologia, mineração e semicondutores. Só em 2023, os investimentos chineses no Brasil somaram US$ 1,73 bilhão (cerca de R$ 9,5 bilhões), conforme relatório do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
No entanto, o Brasil mantém intensas relações de comércio não apenas com a China, mas com os outros países do BRICS. Em 2022, de acordo com dados do governo federal, o volume de transações chegou a US$ 177,7 bilhões, sendo US$ 99,4 bilhões em exportações brasileiras para China, Índia, Rússia e África do Sul, e US$ 78 bilhões em importações de produtos vindos desses países.
Além disso, Neves chama a atenção para o impacto da atuação dos BRICS no cotidiano dos brasileiros. “A população vai se beneficiar com maior acesso a produtos, com geração de empregos por indústrias chinesas que possam vir ao Brasil ou pelo próprio investimento de infraestrutura para construção de rodovias.”
A docente da UP também destaca que as compras online se tornaram mais acessíveis, devido ao comércio direto com a China.
Outro exemplo de impacto positivo, lembra Neves, é o caso do Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa – Intercultural Brasil-China, no Rio de Janeiro, onde alunos do ensino médio aprendem mandarim após anos de parceria educacional com o governo chinês. “A China está ensinando mandarim de graça para esses alunos na escola estadual para incentivar o conhecimento da língua porque é o principal sócio econômico do Brasil.”
O SISMUC reforça que não possui nenhum vínculo político-partidário. Nosso compromisso é com a defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, e a valorização do serviço público. Por este motivo, vamos seguir publicando sobre temas que impactam direta ou indiretamente a vida dos servidores públicos.