Na
década de 1990, uma palavra ganhou o gosto popular. Tratava-se de
marajá. O termo era utilizado para definir pessoas do funcionalismo
público e do meio político que tinham salários e regalias
vultuosas em meio a crise econômica em que o país atravessava após
o fim da Ditadura Militar e do governo Sarney. O plano cruzado havia
fracassado e o país se via sem condições de fazer
investimentos.
Quase três décadas depois, os marajás
estão em evidência novamente no Brasil. Eles são facilmente
identificados. Tem vocabulário rebuscado, se autoprotegem, se
organizam como em castas e atravessam a crise econômica com aumentos
de salários e sem perder regalias como auxílio-moradia, garçons,
lanchinhos da tarde e gratificações que ultrapassam o teto
constitucional.
Para
o marajás de toga, o teto constitucional de R$ 33,7 mil virou piso.
Para se ter uma ideia, um juiz federal tem salário inicial de R$
27.500,17. Já um procurador da República parte de R$ 24.943,14.
Mesmo assim, eles recebem auxílio-moradia de R$ 4.377,73, que foi
legalizado a partir de uma decisão isolada do ministro Luiz Fux
autorizando o pagamento de auxílio-moradia a magistrados em setembro
de 2014 (Ação Originária 1773) e aplicada por todo o Brasil após
ter sido referenda pelo então presidente do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), Ricardo Levandowski, na Resolução n. 199/2014: “A
ajuda de custo para moradia no âmbito do Poder Judiciário, prevista
no art. 65, II, da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979, de
caráter indenizatório, é devida a todos os membros da magistratura
nacional”.
Essa
decisão elevou os gastos com o judiciário brasileiro, além de
promover uma chuva de ganhos retroativos. Para se ter uma ideia, no
Tribunal de Justiça de São Paulo, em março de 2017, 256
desembargadores de um total de 287 receberam salários líquidos bem
acima do teto constitucional. É o que apurou o economista Gil
Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas: “256
desembargadores tiveram rendimentos líquidos acima de R$ 50 mil,
após os descontos. Um deles amealhou R$ 107,4 mil, quando o teto
(subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal) é de R$ 33,7
mil”, explica o especialista.
Já
os juízes paulistas
não ficam de fora do bolo. Pelo menos 70% deles receberam em março
acima do teto constitucional. Para Luciana Zaffalon,
supervisora-geral do IBCCrim, os salários vultuosos resultam de uma
relação nada republicana entre judiciário e governo paulista. Em
sua pesquisa, “Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa:
Blindagens e Criminalizações a partir do Imbricamento das Disputas
do Sistema de Justiça Paulista com as Disputas da Política
Convencional”, ela conta que se de um lado o governo tucano não
perde uma ação contra si no Tribunal de Justiça, de outro, os
agentes do Ministério Público e TJ conseguem aumentar seus
salários. “Os 129 casos que trataram da não aplicação do teto
remuneratório apresentaram-se de diferentes formas nas decisões dos
processos de suspensão. As diferenças, contudo, não implicaram
alteração no percurso processual”, declarou ao UOL. Para a
pesquisadora, apenas 60 dos 1.920 registros de vencimentos do
Ministério Público paulista não ultrapassam R$ 33.763.
Salários
vultuosos não são exceção. Pelo contrário, tem se constituído
como regra. Recentemente, o Brasil ficou escandalizado com os
salários de “craque de futebol” recebidos por 84 magistrados do
Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Apenas um dele, Mirko Vincenzo
Giannotte, embolsou R$ 503.928,79 no mês de julho. O pagamento dos
vencimentos, no entanto, foram freados pelo CNJ já em 2009. Para o
Conselho, havia dúvida com relação “as parcelas tidas como
devidas” e a possibilidade “prejuízo aos cofres públicos em
caso de realização dos pagamentos”.
Caixa Preta
A transparência nos vencimentos de juízes, desembargadores e membros do Ministério Público não parece ser o forte dos togados. Somente após vir a tona os vencimentos de popstar que a presidente do CNJ, Cármen Lúcia solicitou, “por meio da Portaria n. 63, de 17 de agosto, que os tribunais brasileiros enviem ao CNJ os dados sobre pagamentos efetuados aos magistrados. Ou seja, os números devem vir à tona neste mês, conforme resolução.
“A partir do mês de setembro de 2017 todos os Tribunais do País submetidos ao controle administrativo do Conselho Nacional de Justiça encaminharão, até cinco dias após o pagamento aos magistrados, cópia da folha de pagamentos realizados para divulgação ampla aos cidadãos e controle dos órgãos competentes”, decidiu a ministra.
A tentativa de freio também ocorre na política. A senadora Kátia Abreu (sem partido/TO) é relatora da comissão especial do Senado que analisa salários acima do teto do serviço público. Ela tem cobrado clareza do CNJ que autorizou, em 2015, os tribunais de Justiça reajustassem automaticamente os salários de juízes estaduais, sem necessidade de encaminhar projetos de lei às assembleias legislativas. Para a senadora, receber salário indevido também é corrupção. “Nós estamos regulamentando o que é salário verdadeiro e o que são benefícios disfarçados de salário. Auxilio moradia, transporte, alimentação, que são separados, vão ser computados juntos e será observado o teto. Todos terão que se enquadrar e vamos proibir o efeito cascata. Não será obrigatório aumentar o salário do STF e fazer o mesmo em todos os estados. Terá que ser aprovada lei na assembleia legislativa”, define a senadora.
Aposentando a corrupção
tapetão
O
juiz Luiz Sveiter é conhecido no meio futebolístico. Ele presidiu o
Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) entre 1996 e 1998, e
depois entre 2000 e 2005. Contra ele, o CNJ abriu Processo
Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar a conduta do
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Luiz
Zveiter, por indícios de irregularidades em obras do tribunal
fluminense e do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/RJ). Seu irmão,
Sérgio Zveiter, também presidiu o STJD e salvou o Botafogo do
rebaixamento em 2005, resultando na criação da Copa Havelange.
Sérgio Zveiter foi relator do processo movido pela Procuradoria
Geral da República que pedia o afastamento do presidente Michel
Temer por corrupção passiva. Ele foi favorável a abertura da
investigação e, posteriormente, se desfiliou do PMDB.
Orçamento Tribunal de Justiça do Paraná
2017 – R$ 2,09 bilhões previstos
2016 – R$ 1,9 bilhão
2015 – R$ 1,78 bilhão
2014 – R$ 1,65 bilhão
2013 – R$ 1,52 bilhão
2005 – R$ 527 milhões
Penduricalhos das togas
Salários | Teto de R$ 33,7 mil sem necessidade de redução conforme a instância. Atualmente, o presidente ganha R$ 27.841,23, sendo que houve redução de 10%.
Auxílio-moradia | Regulamentado em 2014, é pago na União e nos estados. O valor é de mais de R$ 4,3 mil.
Garçons | Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) gasta, por ano, mais de R$ 2,8 milhões para manter 104 garçons e garçonetes.
Almoço | Em um ano, o (TJ-PR) pagou R$ 43.397,00 por mês em almoços. A conta final ficou em R$ 520 mil.
Auxílio-alimentação | Subiu R$ 884 em 2017 para se adequar a portaria do CNJ.
Adicional fruta | Para abastecer a Salas de Lanches dos Magistrados do Tribunal de Justiça são gastos R$ 23,3 mil/mês e cerca de R$ 280 mil no ano com frutas frescas (Livre.jor)
Férias e adicional | Os magistrados podem tirar dois meses de férias. Outro benefício que eles podem desfrutar é de que em vez de receber 1/3 de abono, como qualquer trabalhador, os juízes recebem 50% deste valor.
Carro e motorista à disposição | Os magistrados paranaenses contam com carro e motorista particulares para se deslocarem da casa para o trabalho.
Cafézinho | Compra de utensílios de copa pode chegar a R$ 88 mil em 2017 (Livre.jor)