Do cemitério ao CEO

Os cemitérios municipais da cidade têm um traço em comum: a atmosfera
de local bem cuidado, capaz de aliviar uma impressão mórbida. Esse cenário,
porém, entra em contraste com a realidade de trabalho dos servidores
polivalentes da prefeitura. Enquanto a estrutura e a organização dos cemitérios
expressam zelo e higiene, o cotidiano de tarefas expõem os servidores a
bactérias, fungos e substâncias com potencial contaminante. Também a densa
tarefa de cuidar dos corpos submete os trabalhadores a uma rotina insalubre,
cuja sucessão é capaz de adoecê-los e prejudicar sua saúde mental.

   

No Cemitério Água Verde, os servidores almoçam em uma cozinha modesta,
ao fundo do terreno. Enquanto lavam a louça que restou do almoço, contam que os
equipamentos de proteção fornecidos pela prefeitura estão em dia, mas que o
cotidiano de trabalho os expõe frequentemente a mau cheiro, a substâncias tóxicas e bactérias provenientes
do procedimento de exumação dos corpos. “Temos que fazer tudo isso porque é a
nossa tarefa. Mas o valor adicional que recebemos é baixo, o salário não é
justo”, reclama um dos polivalentes, que não quis se identificar à reportagem.

A coordenadora do Sismuc, Irene Rodrigues, assinala que, em meio à
rotina de trabalho que envolve atividades como as de um cemitério, é
imprescindível que prevaleça a saúde das pessoas. “O modelo adotado em nosso
país dá prioridade à compensação financeira, como se o dinheiro fosse capaz de
pagar pela vida e pela saúde do indivíduo”, critica.

Lei prioriza compensação
financeira

Desde os anos 1990, a legislação garantiu o pagamento de valores adicionais
como forma de compensar trabalhadores que exercem “atividades penosas,
insalubres ou perigosas”. Isso está previsto no artigo 7 da Constituição. O
advogado do Sismuc, Ludimar Rafanhim, explica que a regulamentação do serviço
público é diferente do privado, em que os valores são definidos pela CLT. Já
para os servidores, “o valor adicional varia conforme a legislação do órgão ou
ente público em que trabalha”, explica.

Em Curitiba, com exceção dos servidores que estão expostos a risco de
vida (como no caso do raio-x), cujo adicional chega a 40%, municipais recebem
um valor 30% em relação ao salário básico para exercer atividades periculosas,
insalubres ou sob risco de vida (Veja o quadro “riscos e direitos”).

Rafanhim ressalta, porém, que o artigo 7 também garante ao trabalhador o
direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança. “O ideal é que não exista a exposição do indivíduo
a agentes insalubres ou com risco de vida. Na prática, temos uma compensação
financeira que prejudica o cuidado e a atenção com o ser humano. O empregador
prefere pagar o valor em vez de avaliar a melhor e mais efetiva forma de
proteção, de modo que os funcionários não sejam expostos a agentes nocivos à
sua vida”, avalia o advogado.

Se não é possível afastá-lo integralmente desses riscos, para além da
remuneração adicional correspondente, outra compensação oferecida é o direito à
aposentadoria especial. “Esses trabalhadores têm direito a se aposentar antes
do que os demais servidores. No caso de quem está exposto a agentes insalubres,
a regra é que possam se aposentar aos 25 anos de exposição habitual ao risco,
sem idade mínima prevista”, esclarece Rafanhim.

Para quem opera equipamentos de raios-x, por exemplo, por sua exposição
habitual a uma rotina altamente insalubre, é previsto o direito a jornada reduzida
e a um período maior de férias. Existe, por isso, a defesa de que a prefeitura
de Curitiba garanta aos municipais as férias de 20 dias por semestre, direito
que já é assegurado aos funcionários do serviço público federal.

“Quando estamos em férias é o único momento em que não operamos os
raios-x, e, portanto, só então estamos de fato protegidos”, aponta um dentista que
atua num dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) da prefeitura, e
que preferiu não se identificar. Nos CEOs, além dos raios-x, a rotina envolve o
contato com metais pesados e o risco biológico por conta da própria prática
odontológica. “Ampliar as nossas férias é uma forma de efetivamente

priorizar a redução dos riscos à nossa saúde, para além da compensação
financeira”, define.

LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

Em Curitiba, a legislação municipal que dispõe sobre atividades perigosas ou insalubres e sobre a gratificação recebida por servidores está prevista no decreto 429/1985. Ele prevê adicional fixo de 30% sobre o salário básico a trabalhadores expostos a riscos de qualquer natureza, exceto no caso de quem opera equipamentos de alto risco – nesse caso, o adicional é definido em 40%.

Riscos e direitos

Os adicionais garantidos ao trabalhador são classificados em três categorias distintas, segundo a Constituição: periculosidade, risco de vida e insalubridade. São regulamentados pelas NR-15 e NR-16 da CLT.

Pela lei, tais direitos não são cumulativos. Quem está sujeito a mais de uma categoria de riscos recebe o adicional de maior valor. “Em caso de violação de qualquer direito trabalhista, o trabalhador deve verificar junto à sua chefia o que está ocorrendo”, explica o advogado do Sismuc, Ludimar Rafanhim.

“Caso não sejam tomadas as providências, o caminho é procurar o sindicato para que a entidade adote as medidas cabíveis”, esclarece, pontuando que é possível, também, recorrer ao Ministério Público e Ministério Público do Trabalho.

Conheça as diferenças

Periculosidade: é previsto a trabalhadores que atuam em contato com operações perigosas, tais como eletricidade, explosivos e inflamáveis. São tarefas que, por sua natureza ou pelos métodos de trabalho, podem causar acidentes graves, capazes de levar a lesões corporais – mutilantes ou irreparáveis – ou à morte do trabalhador.

Risco de vida: Trata-se de uma gratificação de segurança concedida a trabalhadores que atuam como guardas municipais, instâncias policiais, de fiscalização (vigilância sanitária, urbanística, etc), dentre outras atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. O adicional por risco de vida é uma compensação para quem está sujeito a violência física ou roubos em seu cotidiano de trabalho.

Insalubridade: O adicional de insalubridade é garantido ao trabalhador exposto, em caráter habitual ou permanente, a substâncias ou agentes nocivos que podem adoecê-lo. Há atividades com grau mínimo, médio e máximo de insalubridade, definidas segundo critérios como o tempo de exposição, a atividade desenvolvida, limites de tolerância, dentre outros.