Legenda da foto: Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que altera a legislação do Imposto de Renda em julho deste ano. Crédito: Lula Marques/Agência Brasil
Projeto que prevê a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil representa um avanço para os trabalhadores brasileiros e reacende debate sobre justiça tributária
A proposta do governo federal de ampliar a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil e conceder descontos para rendas de até R$ 7 mil em 2026 representa um avanço concreto para toda a classe trabalhadora. Isso porque a medida quer reduzir a carga tributária sobre quem ganha menos e corrigir distorções do sistema atual.
Cumprindo uma de suas promessas de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encaminhou o projeto de lei (PL) 1087/25 ao Congresso em março. O texto foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em julho e deve ser votado pelo plenário da Casa em agosto.
Segundo o governo, 10 milhões de brasileiros devem ser beneficiados com a nova isenção. Somados aos 10 milhões já beneficiados pelas mudanças de 2023 e 2024, são 20 milhões de pessoas que deixaram de pagar IR desde o início da atual gestão.
Na visão do coordenador do curso de Ciências Contábeis da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Hugo Dias Amaro, com menos imposto descontado, a renda líquida dos trabalhadores aumenta, o que significa mais dinheiro em circulação e crescimento econômico. “Você libera parte da renda para consumo, pode poupar um pouco mais, quitar dívidas, ou seja, isso acaba impactando de forma direta o orçamento do servidor.”
Na prática, caso o projeto seja aprovado, um professor com salário mensal de R$ 4.867,77 terá R$ 3.970,18 a mais no final do ano.
Contrapartida
“Toda redução de imposto é sempre bem-vinda. A questão é que quando isso acontece tem que ter uma contrapartida, aumento de um novo imposto ou redução dos gastos”, lembra Amaro.
Ao isentar milhões de brasileiros que ganham até R$ 5 mil, o governo estaria abrindo mão de uma fatia importante da arrecadação. No entanto, para compensar essa renúncia fiscal, a gestão Lula pretende propor duas ações: tributar lucros e dividendos de pessoas físicas com grandes rendimentos; e aumentar a tributação sobre fundos exclusivos e offshore, que são estruturas usadas por pessoas de altíssima renda para pagar menos imposto.
“Essas medidas podem, sim, equilibrar parte da perda arrecadatória, tornar o sistema mais progressivo e permitir que quem tem mais contribua mais”, avalia a professora de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Coordenadora Técnica do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), Françoise Iatski de Lima.
Conforme o projeto 1087/25, haveria uma tributação mínima para indivíduos com alta renda, que ganham a partir de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil por ano), com alíquota efetiva mínima escalonada, chegando a 10% para pessoas com rendimento superior a R$ 1,2 milhão anuais. Essa regra afetaria apenas 141,4 mil pessoas, ou seja, 0,13% de todos os contribuintes do país e 0,06% da população total.
Estados e municípios podem ter benefícios indiretos
Segundo o governo, estados e municípios não perderão com a nova isenção, pois se beneficiarão com o repasse da compensação das altas rendas e com o aumento da massa salarial recebida pelos trabalhadores e do consumo, ampliando a arrecadação de impostos como ICMS, ISS e IBS.
A professora da UFPR está de acordo com essa avaliação, destacando que os benefícios de estados e municípios são indiretos. “O aumento da renda disponível pode aquecer a economia local, favorecendo o comércio e serviços da cidade.”
Lima ressalta ainda que o aumento de renda de professores, auxiliares e agentes municipais pode diminuir a pressão por reajustes salariais imediatos, já que o alívio viria por meio da redução da carga tributária. “Com mais dinheiro líquido, os servidores podem ter menor urgência por aumentos, o que dá mais margem fiscal aos municípios, assim como um possível aumento na arrecadação de tributos locais, pois com mais consumo, cresce a arrecadação local.”
“Se o servidor tem mais renda, o dinheiro sobra e ele consome mais. Isso reduz a dependência de benefícios sociais e aquece a economia em função do aumento do consumo local”, concorda Amaro, que enfatiza a necessidade de gestão financeira, uma vez que haja esse aumento de renda.
Taxação dos mais ricos e o caminho rumo à justiça tributária
Atualmente, o sistema tributário brasileiro é regressivo e bastante injusto. Ele penaliza mais quem tem menos porque é baseado em tributos sobre o consumo, que são cobrados igualmente de todos, independentemente da renda. Esse modelo pesa mais no bolso de trabalhadores, aposentados, servidores e da população mais pobre. Já os impostos progressivos, como o de renda, aumentam conforme a capacidade de pagamento: quem ganha mais, paga mais.
Na prática, aqui no Brasil, contribuintes de alta renda pagam proporcionalmente menos impostos, especialmente devido à isenção sobre lucros e dividendos. Um estudo do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e da Oxfam Brasil revelou que os 10% mais pobres comprometem 32% de sua renda com tributos, enquanto o 0,1% mais rico paga apenas 10%. Conforme a edição de 2025 da revista americana Forbes, existem 56 bilionários no Brasil. Somente os primeiros 10 acumulam um patrimônio de US$ 121 bilhões, cerca de R$ 694 bilhões.
Diante dessa distorção, duas propostas ganham força no debate: aumentar a tributação sobre a renda (como pretende o governo Lula para 2026) e criar um imposto sobre grandes patrimônios. Atualmente, a alíquota máxima do IR no Brasil é de 27,5%, bem abaixo de países como França, Japão, China e Reino Unido, onde o percentual chega a 45%, segundo dados da Trading Economics.
No entanto, apenas elevar o imposto sobre salários não basta. Diversos super-ricos não recebem salários, mas sim lucros e dividendos de empresas, que são muitas vezes isentos ou pouco tributados. Por isso, discute-se também a criação de um imposto sobre o patrimônio, já existente em países como Suíça, Noruega, Colômbia e Espanha.
A taxação de grandes fortunas está prevista na Constituição brasileira, mas nunca foi regulamentada. Apesar de haver diversos projetos de lei sobre o tema, eles enfrentam resistência para avançar no Congresso.
Para Lima, a tributação de grandes fortunas e rendas de capital é uma forma de alinhar o Brasil com práticas de países mais desenvolvidos e combater privilégios fiscais que concentram a renda no topo da pirâmide. Ela acredita que tanto a nova faixa de isenção do IR quanto a tributação dos super-ricos são avanços importantes em termos de justiça tributária, embora ainda insuficientes para corrigir a profunda desigualdade do sistema.
“Tributar os super-ricos permite aumentar a arrecadação sem sobrecarregar a classe média ou os trabalhadores do setor público. Mas ainda estamos longe de um sistema ideal, porque o peso da carga tributária segue concentrado no consumo, que penaliza mais os pobres; os lucros e dividendos ainda têm margem para serem mais bem tributados; e, não há no Brasil um imposto sobre grandes fortunas efetivo, como prevê a Constituição.”
Para os servidores públicos, a justiça fiscal importa por diversos motivos: para o financiamento sustentável dos serviços públicos (o Estado arrecada de forma equilibrada, garantindo recursos para salários, concursos, capacitação e infraestrutura dos serviços onde os servidores atuam); reconhecimento do papel do servidor (um sistema mais justo valoriza quem trabalha para a sociedade, em vez de proteger quem vive de renda e lucros acumulados); redução de pressões orçamentárias (com mais recursos vindos de quem pode pagar mais, não recai sobre os servidores o peso de cortes, congelamentos e arrochos salariais, comuns em momentos de crise fiscal); e diminuição da desigualdade social (um sistema fiscal justo reforça políticas públicas, ao invés de dificultá-las).
“Justiça fiscal não é só uma questão econômica, mas também uma forma de valorizar o serviço público e quem trabalha nele”, defende Lima.
Na opinião da professora, a taxação dos super-ricos pode ser, também, uma forma de financiar políticas públicas que beneficiem a população e os próprios servidores. “Essa receita extra pode ser direcionada, por exemplo, para financiar o SUS, garantindo mais verbas para postos de saúde, hospitais e programas de prevenção; investir na educação pública, com melhorias na infraestrutura, salário de professores e merenda escolar; subsidiar o transporte público; e reduzir desigualdades regionais, com repasses maiores para municípios que dependem de transferências da União.”
Leia mais: “Saiba quem tem direito à isenção e o que pode mudar em 2026 com o PL do Governo Federal“
O grande desafio, no entanto, é fazer a taxação dos super-ricos ou de grandes fortunas sair do papel. Enquanto apoiadores destacam o potencial da medida para enfrentar a pobreza e até a crise climática, críticos argumentam que ela pode desestimular o empreendedorismo e gerar fuga de capitais – quando grandes fortunas são transferidas para países com menor carga tributária.
Para Hugo Dias Amaro, tributar grandes fortunas não é suficiente para compensar a perda de arrecadação gerada pela nova isenção do IR. “A conta não fecha. Dados recentes do IBGE apontam que apenas 10% dos brasileiros têm renda superior a R$ 5 mil. Isso significa que o universo de contribuintes de alta renda é muito pequeno para absorver essa queda na arrecadação. Especialmente considerando que a proposta de taxação de grandes fortunas iria incidir apenas sobre o patrimônio considerado ‘elevado’. Isso afeta uma parcela ainda menor dentro desse grupo.”
Amaro também evidencia o risco de fuga de capitais. “Pode incentivar pessoas físicas e jurídicas com um patrimônio grande a buscar alternativas no exterior para proteger os seus ativos, com abertura de contas internacionais, transferências de investimentos para países com menor carga tributária, mais favorável.” Por isso, ele alerta: “Embora a ideia de taxar grandes fortunas seja apresentada com a medida de justiça social, os efeitos práticos podem ser limitados e até prejudiciais para a economia.”
Como está a tabela do imposto de renda atualmente
Em abril, o presidente Lula atualizou a tabela de isenção do IR por meio da Medida Provisória 1294/25. Isso significa que os brasileiros que ganham até dois salários mínimos, ou R$ 3.036 por mês, estão isentos do imposto. A mudança vale para as declarações que serão feitas a partir de 2026, relativas aos valores recebidos neste ano.
A medida já está em vigor, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em junho, mas ainda precisa ser votada no Senado para se tornar lei. Atualmente, os valores da tabela são:
- Até R$ 2.428,80: alíquota de 0%, com parcela a deduzir do IR zero;
- De R$ 2.428,81 a R$ 2.826,65: alíquota de 7,5% e parcela a deduzir de R$ 182,16;
- De R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05: alíquota de 15%, parcela a deduzir de R$ 394,16;
- De R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68: alíquota de 22,5% e parcela a deduzir de R$ 675,49;
- Acima de 4.664,68: alíquota de 27,5%, com parcela a deduzir de R$ 908,73.
Conforme os especialistas, a correção da tabela do imposto de renda ainda não é suficiente para corrigir as perdas inflacionárias dos últimos anos enfrentadas pelos servidores públicos.
“Esta correção de 2025 só repõe a inflação acumulada da revisão salarial mínima. A tabela progressiva do imposto de renda segue defasada desde 2015. O correto seria atualizar conforme a perda inflacionária, os valores devidos em cada base salarial, e aí sim você teria um valor efetivo e justo em função desse imposto”, afirma Amaro.
Para Lima, ainda que a medida não compense totalmente as perdas enfrentadas pelos servidores, com o congelamento da tabela do IR por anos, a nova faixa representa um ganho direto para os trabalhadores. “Para quem ganha até dois salários mínimos, é um alívio direto no bolso e representa um ganho real no curto prazo”, afirma. Segundo ela, mesmo quem recebe um pouco acima do limite poderá sentir algum alívio, já que a tabela é progressiva. “É mais renda para as pessoas que têm salários mais baixos.”
Isenção do imposto de renda no Plebiscito Popular
O plebiscito popular é uma iniciativa das centrais sindicais, movimentos sociais, entidades e partidos para ouvir a população brasileira sobre temas urgentes e pressionar o governo rumo a mudanças fundamentais. Basicamente, é uma grande consulta nacional usada para fomentar o debate e escutar o povo.
Este ano, a consulta pauta questões que impactam diretamente a vida dos servidores e da classe trabalhadora: a isenção do imposto de renda, o fim da escala 6X1 e a taxação de grandes fortunas.

Esse é o momento em que você, servidora e servidor, pode participar e fazer sua voz ser ouvida. A votação é voluntária e vai até o dia 7 de setembro. Ela pode ser feita de forma online, por meio deste link, ou diretamente na sede do SISMUC, que está disponibilizando uma urna para votação.
Não deixe de votar! É por meio da participação popular e da voz do povo que podemos mudar o Brasil e torná-lo um país mais igualitário. É hora de pressionar por uma reforma tributária justa e pela qualidade de vida e de trabalho da população.
O resultado da votação será entregue ao presidente Lula, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O SISMUC reforça que não possui nenhum vínculo político-partidário. Nosso compromisso é com a defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, e a valorização do serviço público. Por este motivo, vamos seguir publicando sobre temas que impactam direta ou indiretamente a vida dos servidores públicos.