“Nós existimos”: ação na Boca Maldita reforça direitos da população trans

Em alusão ao Dia da Visibilidade Trans, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) e entidades da sociedade civil de acolhimento à população trans estão, das 10h às 16h desta quarta-feira, promovendo o “Meu Nome, Meu Direito” ação destinada a pessoas trans e não-binárias. O evento, que acontece na Boca Maldita, além de oferecer orientação a respeito da retificação de prenome e gênero, também irá disponibilizar os serviços do Ambulatório Municipal e da Assessoria de Políticas da Diversidade Sexual, como o atendimento para quem tem interesse em iniciar ou obter informações sobre o tratamento hormonal para transição de gênero. Desde 2022 o programa já beneficiou 838 pessoas em 10 cidades do Paraná. 

Karollyne Nascimento, ouvidora-geral da DPE-PR, conta que a ideia desse evento, dessa ação na rua, é justamente para tirar essa população da invisibilidade. Não à toa o mote do evento é “nós existirmos”.

“A data de hoje é importante, mas é o que a gente sempre fala, as pessoas trans são invisibilizadas pela sociedade, são invisibilizadas no mercado de trabalho. Então para além desse dia, a gente precisava ser visto com outro olhar todos os dias, que a gente não precisasse de um dia pra dizer que nós existimos, que nós precisamos ser respeitados, que nós podemos amar quem nós quisermos”, afirma Lóide Ostrufka, direção do SISMUC. 

Para Lóide, que é professora de educação infantil, a educação é o caminho para diminuir o preconceito. “Lá na escola, desde pequenininho, a gente precisa ensinar e orientar a criança com informações. Infelizmente no nosso país, a gente vive um avanço dessa extrema direita que fala que nós vamos doutrinar, mas a gente só precisa orientar, precisamos falar disso nas escolas, nas faculdades, para que haja o entendimento que as pessoas trans têm o direito de trabalhar, de ter um trabalho digno.”


O Paraná é o 2º estado com maior número de matrículas de estudantes com o nome social na educação básica
, somando 9.770 nos últimos 7 anos. O dado é apresentado pela Rede Trans Brasil, em dossiê publicado hoje. Ana Zotto, coordenadora do Mães pela Diversidade — associação que reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+, é na escola onde tudo começa. “Não existe, infelizmente, ambiente que você possa dizer que não há homofobia, transfobia, lesbofobia. Então, tem que começar desde os pequenininhos, sabe? Uma conscientização para que as coisas, mesmo que no longo prazo, os casos de violência sejam reduzidos.”

Brasil: o país que mais mata pessoas no trans no mundo
A ANTRA — Associação Nacional de Travestis e Transexuais publicou nesta semana o Dossiê de assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2024, no qual consta que 122 pessoas trans foram assassinadas no Brasil no ano passado. O número vergonhoso indica que pelo 17º ano consecultivo, somos o país com mais assassinatos dessa população, que já acarreta outras vulnerabilidades sociais, como a falta de emprego formal, exclusão e perseguição.“O avanço de uma agenda antitrans no Brasil, impulsionada por forças políticas conservadoras, reflete a consolidação da extrema direita no país e ao redor do mundo”, manifesta o documento.

A eleição de Donald Trump, pelo partido de direita dos Estados Unidos, aponta que os próximos anos serão de retrocessos para trans e travestis que vivem no país norte americano. Em apenas uma semana após a sua posse, Trump assinou e revogou decretos de proteção à população trans. Entre eles, o que proíbe pessoas trans nas forças armadas, o que determina que mulheres trans deverão cumprir pena em presídios masculinos e também pôs fim aos programas de Diversidade, Igualdade e Inclusão. 

Além disso, o presidente removeu do site oficial do governo termos como gay, lésbica, bissexual, LGBTQ, HIV, orientação sexual e transgênero. Passaportes e outros documentos devem incluir apenas um dos dois gêneros, feminino e masculino. O temor da população trans é que mais uma vez a onda conservadora também chegue à América Latina e, consequentemente, ao Brasil.

Karollyne avalia que a união é a melhor defesa. “Eu tenho dito que vão ser tempos difíceis de diálogo, principalmente, porque a gente sabe que a gente está lidando com uma ala muito conservadora, um extremismo absurdo, desnecessário, por puro desconhecimento. Mas o desafio está posto e eu acho que a gente vai ter que entender como lidar e a gente vai ter que, principalmente, se unir para lidar com essa situação que se põe aí na frente”.

A organização da comunidade trans é uma resposta aos ataques sofridos ano a ano. É a partir da luta e resistência destas pessoas, que grandes conquistas podem ser celebradas, como as cotas para trans, travestis e transgêneros em univervidades, em algumas cidades a garantia do uso de banheiros, vestiários e demais espaços de acordo com a identidade de gênero, e as cotas para concursos públicos, também apenas em determinados municípios. Em Curitiba, os vereadores analisaram em 2024 um projeto de lei que pautava uma cota de para o ingressos de pessoas trans e travestis no serviço público municipal. No entanto, ele foi arquivado pela CCJ. 

A luta para que mais pessoas trans sejam eleitas em cargos políticos é um instrumento poderoso para que mais direitos sejam conquistados. Infelizmente, o Tribunal Superior Eleitoral não possui dados em relação sobre quais candidaturas eleitas em 2024 são de pessoas trans. O levantamento realizado pela ANTRA e pelo VoteLGBT mostra que das 600 candidaturas trans, pelo menos 24 foram eleitas para o cargo de vereança. 

A demanda de homens e mulheres trans é urgente, é para agora, é por sobrevivência. “É muito importante que o Sindicato esteja do nosso lado durante esses últimos anos, porque a gente sabe que a força coletiva que vai fazer a luta e a luta precisa continuar. E a gente precisa de parceiros como o SISMUC”, completa Karollyne.