Na última terça-feira (18), a Câmara Municipal de Curitiba realizou a audiência pública para discutir o tema “Direito da Criança à Cidade – Educação, Cuidado e Acesso à Creche”. O evento foi organizado pelo vereador Marcos Vieira e pelo deputado estadual Goura Nataraj e contou com a presença da coordenadora geral do SISMUC, Juliana Mildemberg; de representantes da Promotoria de Justiça de Proteção à Educação de Curitiba; do departamento de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação; além de Luciana Kosch, especialista em educação especial e inclusiva e Elisabeth de Oliveira Onishi, diretora do CEI Maria Cazetta.
A audiência abordou a crítica situação dos CMEIs, focando na defesa de uma educação infantil de 0 a 3 anos de qualidade e no respeito aos professores que atuam nessa área. A principal crítica direcionada à gestão atual da Prefeitura de Curitiba foi a enorme fila de espera por vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Atualmente, mais de 10 mil crianças aguardam uma vaga, um número alarmante que denuncia a insuficiência da infraestrutura existente.
Beatriz Leite, Promotora de Justiça de Proteção à Educação de Curitiba, aponta que em 2014, foi ajuizado uma ação pelo Ministério Público com a finalidade de que a Prefeitura atendesse a falta de vagas em turmas de berçário por uma estruturação a longo prazo, disponibilizando vagas em creche para aquela demanda já existente e para demanda que fosse surgir em razão da perspectiva de potencial crescimento da população. Porém, a ação foi julgada improcedente, sob justificativa de que não havia demanda por vagas em creches no município.
A falta de transparência nos dados públicos agrava a situação, uma vez que a Prefeitura não divulga oficialmente quantas crianças estão na fila por atendimento. A promotora também trouxe o assunto em sua fala. Assim como o SISMUC já solicitou os dados de quantas crianças estão na fila de espera, Beatriz declara que o Ministério Público já oficializou o pedido reiteradamente, mas os dados não foram repassados e publicados para que toda a sociedade possa ter acesso.
“Nós temos uma legislação, e agora uma legislação muito recente, que é a 14.851/2024, que estabelece a obrigatoriedade dos municípios darem transparência às listas de espera, inclusive com mecanismos de levantamento e da divulgação da demanda por vagas no atendimento à educação infantil.”, afirma Beatriz Leite.
Curitiba não tem zelo com os curitibinhas e com as famílias que dependem da educação infantil
Outro ponto abordado na audiência foi do critério utilizado para zerar a fila de espera, que de acordo com Kelen Collarino, do departamento de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação, a Prefeitura utiliza um sistema de pontos que avalia as vulnerabilidades de cada família que se candidata à vaga.
Andreia Caldas, professora da UFPR, que assistia à audiência e pediu para falar ao microfone, se diz preocupada quanto a este sistema de pontuação. “No meu entendimento, se é uma obrigação constitucional, tanto faz se a pessoa atingiu o ponto ou não, tanto faz se ela preencheu direito ou não o cadastro, ela tem o direito constitucional [à vaga].”
A verdadeira Curitiba é bem diferente da mencionada por Kelen. Magali, uma mãe solo que reside no Sítio Cercado, presente na audiência, desabafa que colocou sua filha Aurora na fila de espera quando ela estava com dois meses. Atualmente, ela está com um ano e ainda não conseguiu uma vaga. “Eu fui no núcleo da educação do meu bairro, no caso do sítio cercado, no núcleo do Bairro Novo. Foi me falado que, como ela era menor de três anos, ela não tinha necessidade de uma vaga. Como eu não posso trabalhar, eu a crio sozinha, com a ajuda do meu pai, de 70 anos. Naquela época, eu não tinha dinheiro para comprar um remédio para a minha filha, que estava doente. E eu continuo sem conseguir, tendo que deixar um senhor de 70 anos trabalhando, porque não tem creche.”
Vagas distantes de onde está a demanda
Um comentário deixado no vídeo da transmissão da audiência no YouTube da Câmara destacou a grande defasagem de vagas nos CMEIs da Regional do Bairro Novo, com crianças sendo encaminhadas para a Regional do Cajuru. Essa situação foi criticada pelo coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Paraná, Fernando Redede: “A creche tem que ser muito bem localizada, próximo da casa ou do trabalho; caso contrário, ela se torna inservível. É crucial mapear onde estão essas crianças e conhecer essas famílias para um planejamento eficiente das creches.”
Desrespeito com a Hora-atividade
A coordenadora geral do SISMUC, Juliana Mildemberg, abordou a falta de cumprimento com a hora-atividade, momento pedagógico fundamental que a Prefeitura de Curitiba não garante aos professores, mesmo com a legislação municipal prevendo até 30% de hora-atividade. “Alguns CMEIs conseguem cumprir porque têm equipes completas, mas muitos ainda sofrem com falta de profissionais, mesmo após o recente concurso público,” afirmou Juliana.
Ela também ressaltou a importância de liberar os professores para participarem de debates formativos. A Prefeitura tem permitido a liberação de professores para eventos pontuais, como a Expoeducação, mas negligencia a importância de audiências públicas como esta, que são essenciais para o debate e a construção de políticas públicas. “Esse momento é extremamente formativo, pois discutimos diretamente as políticas que impactam nosso dia a dia,” disse Juliana. Ela apelou à Secretaria Municipal de Educação para que permita a participação dos professores nas próximas audiências, garantindo que suas vozes sejam ouvidas nas decisões que afetam a educação municipal.
Direito à educação também para as crianças com deficiência
O direito à educação inclusiva para crianças com deficiência em Curitiba é um desafio, como enfatiza Luciana Kopsh, especialista na área. Ela ressalta que o município enfrenta uma significativa demanda de inclusões em creches, CMEIs e escolas, abrangendo crianças já diagnosticadas, em processo de diagnóstico e até aquelas com sinais de alerta que necessitam de suporte profissional imediato. A expectativa era que a pandemia provocasse uma resposta coordenada da Prefeitura para lidar com as dificuldades acumuladas.
“O vereador Marcos Vieira pediu para a Secretaria Municipal de Saúde apresentar alguns números e nós temos mais de 7 mil crianças, só crianças aguardando em fila de neurologista, muitas delas para confirmação de diagnósticos. Então, falar de atendimento educacional especializado é importante, mas ele precisa ser, de fato, efetivado”, aponta Luciana.
No entanto, conforme Mildemberg ressalta, há uma lacuna no apoio a essas crianças. Segundo estimativa feita pelo SISMUC, entre 60% e 70% delas não têm acompanhamento por um tutor durante sua rotina no ambiente escolar ou nos CMEIs. Essa falta de suporte compromete diretamente a qualidade da inclusão educacional e nas condições adequadas para o desenvolvimento integral das crianças com deficiência.
A audiência pública evidenciou a urgência de mudanças na gestão da educação infantil em Curitiba. O SISMUC, comprometido com a defesa de uma educação de qualidade, reitera a necessidade de uma resposta eficaz e transparente por parte da Prefeitura.