“Não ganhamos sempre, mas o que não pode é deixar de lutar” – Entrevista com Mônica Giovannetti

A servidora aposentada Monica
Giovannetti participou de três gestões do Sismuc, de 1991 até 2003. Acompanhou
o início da trajetória do Sindicato, que surgiu no período de democratização
após o fim da Ditadura Militar.

Em entrevista, Mônica
resgata algumas lutas históricas do Sismuc, comenta a conjuntura política do
Brasil sob o governo do presidente interino Michel Temer e avalia os desafios
colocados ao movimento sindical nesse momento.

Sismuc: Em qual período você fez parte
da direção do Sismuc? Qual era a dinâmica interna adotada naquela época?

Mônica Giovannetti: Permaneci na Direção do Sismuc
por 12 anos. Não fiz parte da primeira gestão, mas participei das quatro
seguintes, desde 1991 até 2003. Atuei um pouco em todas as pastas. Na segunda
gestão adotamos por princípio que deveria haver um rodízio nos cargos. O
Ludimar (Rafanhim), que havia sido eleito presidente, foi substituído no cargo
por mim.

Sismuc: Como foram esses primeiros
passos do Sismuc?

MG: Quando foi fundado, em 88, o
Sismuc viveu um processo de intensa mobilização. Puxou uma greve bastante
significativa e se construía num momento de efervescência política: estávamos
começando o nosso sindicato enquanto decorria a primeira gestão democrática na
Presidência da República, com o governo do José Sarney.

Participei da greve de 89, mas
como servidora, na base do sindicato. Não pude participar do processo por
dentro, mas esse foi o início da história. Saíamos da Ditadura Militar e todo o
movimento sindical se reconstruía. Foi esse o período de ascenso das lutas dos
trabalhadores, de reconstrução do movimento sindical..

Em 91, com a nova eleição,
participei da primeira gestão pela chapa “Sindicato é pra lutar”. Eram ainda
poucos filiados e havia permanentes campanhas de filiação e visitas a locais de
trabalho. Cada manifestação nas greves era um momento de fazer o contato com a
base, de ampliar as mobilizações.

Sismuc: Quais mudanças você observa com relação à atual estrutura
sindical?

MG: Anteriormente nós dispúnhamos de
uma estrutura mais enxuta, com menos cargos na Direção do Sindicato:
praticamente a metade. A atual ampliação foi importante para acompanhar o
crescimento da própria prefeitura, cuja estrutura se desenvolveu ao longo dos
anos. A principal mudança que noto é com relação ao número de diretores
liberados para trabalhar no Sindicato: na época, contávamos com no máximo cinco
diretores liberados. A maioria das pessoas trabalhava ao mesmo tempo em que
construía a luta, o que era muito complicado, dificultava a atuação. A cada
greve perdíamos liberações e os diretores precisavam voltar para a base. Nisso,
insistíamos e lutávamos de novo para conseguir novas liberações, até conquistá-las
novamente.

Hoje o Sismuc triplicou seu
número de filiados, e isso é reflexo de um trabalho que foi feito com
responsabilidade. O Sindicato cresceu e se fortaleceu muito. Avalio que
avançamos em conquistas setorizadas – na guarda municipal, na saúde, na
educação infantil. Mas ainda há alguns setores que não conseguimos mobilizar.
Há disparidades muito grandes na dinâmica da prefeitura e é difícil
organizá-las, contemplando a todos.

Sismuc: Sem tantos diretores
liberados, como era realizado o trabalho sindical?

MG: Ser dirigente sindical é ser
militante, vivíamos em função do sindicato diuturnamente. A tarefa primeira era
estar no local de trabalho. Hoje a internet e as mídias sociais facilitam essa
aproximação, mas nada pode substituir o contato direto, o corpo a corpo.
Diariamente estávamos com a base, com reuniões da direção sempre à noite,
atividades de formação e planejamento no final de semana. Durante a semana, ao
longo do dia, a tarefa era construir a atuação nos locais de trabalho, em
contato com a categoria, ouvindo as demandas e as reivindicações.

Sismuc: Quando você fez parte da
Direção do Sismuc, vivíamos no Brasil uma conjuntura de governos de direita,
liberais. Como isso se refletia no sindicato?

MG: As gestões de que participei
corresponderam a três gestões de diferentes prefeitos: Jaime Lerner, Rafael
Greca e os oito anos do Cassio Taniguchi. A história ao longo desses 12 anos
não seguiu uma linha reta: houve altos e baixos por conta da conjuntura
nacional e da municipal. Tivemos, no início, momentos de ascenso do movimento
sindical e popular, de construção de grandes greves e mobilizações. Em 1990
tivemos adesão de 75% da categoria em uma greve geral. Nesse período houve
eleição presidencial, com a vitória do Collor e a esquerda apoiando o Lula. Em
seguida, com as medidas implementadas pelo então presidente – saque da poupança
popular e abertura da economia para o mercado mundial, por exemplo – veio o
Fora Collor, movimento de que o Sismuc participou ativamente. Depois houve o
governo Itamar, que avançou em privatizações, e contra o qual nos colocamos em
resistência, e em seguida o de Fernando Henrique Cardoso – que coincidiu, a
nível municipal, com o período de governo do Cássio Taniguchi. Foi um período
problemático para o movimento sindical, pois o governo FCH fez grandes reformas
na constituição, destruindo direitos dos trabalhadores em todos os níveis – e
no serviço público em particular.

Houve a reforma administrativa,
que buscava mudar a estrutura estatal, avançando na construção do Estado
Mínimo. Ocorreu a privatização de muitas áreas, com medidas que afetavam
especificamente o serviço público. Tudo aquilo que foi construído com a
constituição de 88 começava a se desmontar. Na prefeitura de Curitiba não foi
diferente: tivemos a reforma da previdência, que atingiu particularmente a
aposentadoria do servidor público, e inúmeras privatizações.

Sismuc: Como mobilizar a categoria
nesse cenário de cortes de direitos?

MG: Em uma conjuntura como aquela não
era um processo tão difícil. O cenário hostil levava as pessoas a se
mobilizarem mais facilmente. Fizemos na primeira gestão de que participei uma
greve só da saúde, e não foi vitoriosa. Não tivemos nenhuma conquista, e quando
isso acontece fica mais difícil mobilizar novamente: as pessoas se decepcionam,
não conseguem compreender que a luta é feita de conquistas e de derrotas
também. É um movimento orgânico e vivo. Não ganhamos sempre, mas o que não pode
é deixar de lutar. Isso acaba levando a um descompasso: há setores mais
presentes no sindicato, porque historicamente se organizaram e conquistaram, e
setores que ficaram afastados dessa organização e dessa luta, e hoje estão mais
desmobilizados.

A base era bastante sensível e
guerreira, e esse perfil mudou muio ao longo dos anos. Não que hoje não haja
compromisso, mas as pessoas escolhiam o serviço público muito por ideologia,
porque queriam dar sua contribuição para a sociedade. Isso se perdeu ao longo
da história: concurso público virou sinônimo de estabilidade, simplesmente. E é
também o perfil da própria sociedade. A juventude não tem mais o vínculo de se
aposentar em seu trabalho e migra muito. Isso se reflete no Sindicato: a base
acaba não assumindo o compromisso militante, não tem esse envolvimento. Acho
que isso dificulta a mobilização.

Sismuc: Quais foram as lutas e vitórias
mais marcantes?

MG: Vivemos uma tentativa de
privatização das creches, dos Cmeis, mas conseguimos impedi-la por meio da
organização dos servidores, da comunidade, dos pais e alunos. Houve momento de
avanços importantes, de conquista de direitos no município, e tivemos períodos
de resistência, em que todo o movimento sindical se colocou numa defensiva. Era
a postura necessária. Foi um período difícil no qual não conseguíamos lutar por
novas conquistas: a luta era por não perder aquilo que já era garantido, que já
havia sido conquistado. Na época tínhamos inflação elevadíssima: quando o Greca
foi prefeito, Curitiba completou o aniversário de 300 anos. A prefeitura
utilizou logomarca especial e comemorou a data massivamente. Enquanto isso a
nossa perda salarial foi quase de 300%. Aproveitamos o slogan e lançamos a
bandeira de 300% de reposição, mas não conseguimos. Quem é jovem, que não viveu
essa realidade, vê uma inflação de dois dígitos por ano e entra em desespero.
Na época, o salário era corroído diariamente.

Sismuc: Quais as diferenças da época com a atuação no cenário
político de hoje?

MG: Falamos agora de um outro período
da história, que foram os 12 anos no governo do PT: Não houve retirada de
direitos. Houve conquistas e muitas pautas avançaram, mas isso também levou, de
um lado, a um conforto da classe trabalhadora – porque as condições de vida
melhoraram – e ao mesmo tempo se observa, também, uma acomodação do movimento
sindical como um todo. É como se pensássemos que o governo agora é nosso e já
não temos por que lutar, o que é equivocado, pois poderíamos ter avançado em
muito mais aspectos. O movimento sindical se adaptou a ser governo, e avalio
isso como um equívoco.

Sismuc: O 11 Congresso do Sismuc se aproxima. Como você avalia a
importância deste espaço?

MG: Nosso sindicato sempre teve um
perfil bastante democrático. Representantes por local do trabalho participam
sempre como dirigentes da direção do Sindicato. O Congresso é uma forma de
controle da base sobre a direção: é um momento que todos têm direito de se colocar
livremente, de opinar de forma democrática, contra ou a favor da direção.

Sismuc: O atual cenário político
nacional é conturbado. Qual sua opinião sobre o governo de Michel Temer: foi
impeachment ou golpe?

MG: Acredito que é inquestionável que
o governo é ilegítimo, que houve um golpe de estado contra o governo Dilma.
Temer se instala com objetivos claríssimos de transformar o estado brasileiro
em Estado mínimo, de caminhar para privatizações, de retirar direitos. Não há
como ser favorável a esse governo, e eu entendo que é tarefa do movimento
sindical lutar pelo fim desse governo para reverter a situação.

Sismuc: Como organizar a categoria com
esse propósito de construir uma reação ao governo de Temer?

MG: A CUT é a principal central
sindical do país e ela precisa de fato construir uma greve geral. Os
trabalhadores têm que cruzar os braços e paralisar suas atividades. Em dois
meses de governo já tivemos um retrocesso enorme, e se ele seguir até o final
sem ser impedido vai deixar a terra arrasada, destruindo conquistas obtidas ao
longo de quase três décadas e retirando ainda mais direitos.

Hoje, com o golpe, temos muito
por que lutar. E não observo essa reação necessária. Existe a bandeira do Fora
Temer e há um grito de descontentamento, mas que não vai até o fim. Na década
de 90 fizemos greve geral e hoje não vejo isso acontecer. Para revertê-lo, o
país precisa reagir com veemência. Acontece um ato aqui, outro ato ali,
constroem-se manifestações isoladas, mas não existe uma unidade, um desejo de
erguer um movimento que de fato reverta o golpe. Temos que convencer a
categoria, que não está compreendendo a seriedade da situação, dialogando e
mostrando que, nesse momento, precisamos construir juntos a resistência.