Vila Nossa Senhora da Luz: há 50 anos, erguida também pelos servidores

Memória é coisa recente“, Paulo Leminski. 

Dona Eugênia Leiria Kohler é uma senhora aposentada que, ao
longo de 30 anos, foi servidora pública no colégio AlbertSchweitzer e noutras escolas da periferia de Curitiba.

Ela também viveu e colocou os pés no barro da vila Nossa
Senhora da Luz dos Pinhais, onde a escola se localiza. Assim como vários servidores
públicos, desde o final dos anos 1960, Eugênia vivenciou a construção doprimeiro conjunto habitacional
popular do Paraná – um dos pioneiros do Brasil.

De portões e sorriso no rosto na vila Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais ela recebe a reportagem do Sismuc para uma caminhada, partindo da
praça de número 8, passando pela paróquia local – onde São Francisco está de
braços abertos –, passando em frente a vários equipamentos públicos. Alguns deles
abandonados, para variar um pouco.

Como tanta gente, eram duas as promessas para as famílias:
tentativa de vida longe do aluguel, quando a fila da Cohab ainda não alcançava
80 mil pessoas. E oferecer a força de trabalho nalguma fábrica da Cidade
Industrial de Curitiba. Foram ficando. Como diz Eugênia: “Na roleta da vida, eu
não esperava viver aqui na vila para sempre”.

É o relato também de Nair Nascimento, 79, mãe de cinco
filhos. Na recordação desta funcionária pública, ela mudou-se para a vila em
1967, oriunda do bairro São Brás, onde pagava aluguel. Depois, o marido foi
operário na Philip Morris. Na vila, Nair trabalhou na Escola Monteiro Lobato,
em 1977. “Fui das primeiras a trabalhar aqui, e (os equipamentos) foram
melhorando um pouco”, conta.

A região ainda hoje é simples. No dia de sol, o tom é quase
daquelas cidades boa do interior. Muitas casas mantêm-se no formato inicial, reforçando
a cara de província, como Eugênia descreve: “Uma casa de 36 metros quadrados,
com um sótão, na época era cercada de travessas de madeira e tábuas”, narra.

No começo não tinha associação de moradores, luz, asfalto e
serviço de água. Não tinha nada, recorda outra funcionária de escola, que vive
na mesma quadra. Auxiliar de serviço escolar, Marinice do Carmo, 70 anos, três
filhos, rememora as idas ao chamado olho d´água, perto do rio Barigui, com a
tina de roupas à mão, para lavá-las e buscar água. Era a rotina das moradoras.

Uma expressão comum para aquele início é sempre pronunciada: era
“puro barro”. “Vi a vila no barro puro, não tinha asfalto, não tinha nada.
Muito longe. Tinha ônibus, demorado que nossa, meu marido chegava de lama. O
primeiro ônibus ia até a (avenida) João Bettega, na época só ia até lá”,
comenta Nair.

Surge uma vila

No dia 13 de novembro de 1966 foi inaugurada, pelo então
presidente na época da ditadura militar, Humberto Alencar Castello Branco, a
Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Criada pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab)
com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH), o propósito divulgado
era suprir o déficit habitacional que se iniciava em Curitiba. Embora o próprio
conjunto, que recebeu 2,1 mil casas de início, é um sintoma de uma capital que
exclui o povo do centro da cidade. Levantamento da Câmara Municipal de Curitiba
estima que hoje a vila Nossa Senhora da Luz abriga 20 mil pessoas.

Moradores enfrentaram
preconceito no começo

Desde o início do conjunto habitacional, os moradores
sofreram com o velho preconceito. Interessante levantamento da Imprensa da
Câmara Municipal de Curitiba revela que os jornais da época apontavam que o
apinhado de gente traria problemas sociais. Não sem um toque de preconceito:

“Construíram-se as
casas e lá foram jogadas, despreparadas para a vivência comunitária, famílias
de favelados, famílias de pequenos servidores do município e de trabalhadores
de baixo nível de ingressos”, disse um dos jornais à época.

Vida e violência

O que resta hoje de má fama da vila se deve à violência e,
sobretudo, ao tráfico, que ganhou em 2016 novamente as páginas da internet, com
o assassinato do chefe do tráfico na Cidade Industrial de Curitiba, numa disputa
que fechou ruas, lojas e silenciou a madrugada.

Eugênia e Marinice, apesar de tudo, enfatizam o conhecimento
dos vizinhos, as caminhadas na vila, as décadas vividas aqui neste chão e nas
casas onde o portão sequer é trancado. “Nunca tive problema, a gente pode viver
tranquilo aqui na vila”, defende Marinice.

DENÚNCIA. Centro Cultural e cancha de escola estão abandonados

Entre os equipamentos municipais, hoje a vila dispõe de um Centro de Referência de Assistência Social (Cras), um terminal de ônibus, três escolas municipais, iluminação pública, incluindo doze praças. Parte dessa História foi construída pelos moradores, ao lado dos servidores públicos municipais.

Porém, chama a atenção, na parte de trás da escola Albert Schweitzer, um centro cultural abandonado. Bem como a quadra de basquete que pertencia à escola está completamente à deriva no local, depósito de lixo e de pombas. Relatos apontam que a situação da quadra está assim há anos.

Esse tema não apareceu na propaganda televisiva nas eleições municipais. Na conta, mais dois equipamentos abandonados na cidade.

BNH passou para a Caixa Econômica Federal

O Banco Nacional de Habitação (BNH), que financiou a construção das casas da vila Nossa Senhora da Luz, tinha por função realizar operações de crédito — sobretudo imobiliário —, bem como a gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O banco foi extinto em 1986, e incorporado à Caixa Econômica Federal, sucedendo em todos os seus direitos e obrigações, sobretudo, na gestão do FGTS.

A quantidade de unidades financiadas pelo BNH nos seus 22 anos de existência – quase 4,5 milhões, calcula-se, em função de dados comparativos dos dois últimos censos, que somente 27,66% das moradias construídas se beneficiaram de alguma linha de financiamento oficial. Entre as unidades financiadas pelo BNH, apenas 33,50% foram destinadas aos setores populares.

(FONTE: Wikipedia)