Um ano, uma vida

Um ano, uma vida. Neste prazo,
crianças apresentam mudanças drásticas em seu desenvolvimento motor,
alimentação, estímulos e até cuidados. Mas, pressionada pelo Ministério Público
a abrir vagas nos cmeis, a Secretaria de Educação de Curitiba decidiu ampliar a
quantidade de berçários únicos. Com isso, mistura o Berçário I (com crianças de
três meses a dez meses) com o Berçário II (com crianças de dez meses a 1,8
meses). Isso pode ser perigoso.

Em um levantamento atualizado
conseguido com a Secretaria de Educação constatou-se que 26% dos centros
municipais de educação infantil fazem usam do berçário único. São 52 cmeis que
misturam crianças de três meses até 20 meses. O Cmei Aliança, por exemplo,
possui sete ‘BU’.

A prática adotada pela gestão Gustavo
Fruet é uma “resposta” à pressão do Ministério Público do Paraná para que se
abram mais vagas em cmei’s. A exigência é de 10 mil novas vagas. Por isso, para
atender a matrícula obrigatória de crianças de quatro anos a cinco anos, a
Prefeitura incha o berçário. “Na nossa avaliação, a gestão fechou salas de
berçários para abrir vagas no maternal III (de 3 a 4 anos) e pré. Essa forma
traz mais riscos do que segurança para as crianças e os professores. As vagas
devem ser abertas por meio de novos equipamentos e de concurso público para
atender a demanda”, avalia a coordenadora do Sismuc, Mildemberg.

Os professores de Curitiba estão
denunciando que alguns berçários estão sendo fechados e sendo ofertadas as
vagas em outras unidades, acumulando a fila de espera. “A Prefeitura está
encerrando as vagas de berçários neste ano e para 2016, uma vez que não é obrigatória
a oferta de 100% de vagas e utiliza esse espaço para abrir vagas de quatro a
cinco anos”, explica o professor Jonathan Faria Ramos. É o caso do Cmei
Salgueiro, no Bairro Novo.

Para a pediatra Andrea de
Bittencourt Correia (confira entrevista abaixo), o desenvolvimento das crianças
fica comprometido: “Existe uma diferença muito grande na maturidade de uma
criança de seis meses para uma de um ano. Acaba atrapalhando o desenvolvimento
de todas as crianças”, alerta. Os malefícios já são sentidos pelos professores,
como conta uma profissional: “Isso não é legal. A gente só administrando
conflito e não educando os pequenos”, lamenta.

“Só traz
prejuízos”

A iniciativa da Prefeitura de Curitiba de unir crianças de no
mínimo três meses com outras de até 20 meses não é recomendável. Nesta
entrevista com a doutora Andrea de Bittencourt Correia
Lima, formada em medicina pela UFPR e em pediatria na USP, ela diz que a
qualidade do atendimento fica prejudicada.

CV: Nas creches e cmeis, as crianças
são separadas por idade e até por meses. Que tempo é esse e por que ele é
importante?

Doutora Andrea: O ideal é de seis em seis meses, pelo menos. Porque existe uma
diferença muito grande na maturidade de uma criança de seis meses para uma de
um ano. Acaba atrapalhando o desenvolvimento de todas as crianças. Você não as
estimula de forma igual. O professor acaba só cuidando para que a criança não
se machuque. Considero muito importante separar as crianças que se locomovem
com as que não.

CV: Quais são as necessidades básicas de um bebê de
seis meses, um ano e 18 meses: motora, alimentação, estímulos, cuidados?

Doutora Andrea:As necessidades são bem diferentes. Em um bebê de seis meses você tem
que ensinar a sentar, a postura. Já uma criança de um ano ou mais você
desenvolve mais a parte motora fina com brincadeiras, coordenação. Então para o
desenvolvimento vai ser prejudicial.

Especificamente, um bebê de seis meses não senta
sozinho, não tem coordenação a ponto de manipular brinquedos, não consegue “se
defender” de crianças maiores que possam se aproximar de forma mais incisiva,
em termos de alimentação, ela não come ou inicia esse processo, então sua dieta
é reduzida em relação à criança de até um ano e meio, que já tem o cardápio
mais variado. A consistência do alimento também é diferente e não acredito que
a Prefeitura vá suprir essa demanda alimentar. Depois a necessidade de sono é
bem diferente. Os maiores têm sonecas durante o dia mais curtas e às vezes uma
só é suficiente. Isso pode atrapalhar a soneca do bebê menor, que tem sonecas
maiores. Além do que ainda pode causar irritabilidade. Para mim, é inviável
essa mistura.

CV: Crianças em idades diferentes convivem em suas
casas “harmonicamente”. Por que não é recomendado unir um bebê de
seis meses com uma criança de um ano e meio?

Doutora Andrea: Mas aí é uma mãe para duas crianças. Na creche é uma professora para
meia dúzia ou mais. Então, não tem como você cuidar adequadamente. Logo, há
excesso de crianças para a quantidade de cuidadores.

CV: Essa relação traz mais benefícios ou prejuízos?

Doutora Andrea: Somente prejuízos. Não vejo benefício para nenhuma criança. Muito menos
para as professoras, porque elas não vão conseguir desenvolver essa criança.
Falta um ambiente saudável de trabalho.

PRÓXIMA REPORTAGEM

Na última reportagem da série “Era uma vez … Educação”, o Sismuc mostra que a gestão não consegue garantir a hora atividade dos trabalhadores. O tema se arrasta há pelo menos dois anos. Além disso, o sindicato faz um balanço das promessas não cumpridas.

Existe uma diferença muito grande na maturidade de uma criança de seis meses para uma de um ano. Acaba atrapalhando o desenvolvimento de todas as crianças