Vereadores aprovaram hoje (03) a tramitação do projeto em regime de urgência
Foto: Pedro Ribas/SECOM
A Prefeitura de Curitiba enviou à Câmara Municipal, no dia 27 de novembro, um projeto de lei (proposição Nº 005.00768.2025), que altera profundamente a Lei 15455, de 2019, que hoje regulamenta as contratações temporárias no município. Embora a gestão trate as mudanças como ajustes administrativos, a análise detalhada revela algo muito mais grave: o projeto abre caminho para uma transformação estrutural do serviço público, reduzindo a presença de servidores concursados, ampliando vínculos frágeis e tornando a contratação temporária uma forma permanente de suprir funções essenciais em todo serviço público.
O SISMUC alerta que, se hoje as condições de trabalho e a falta de reposição de servidores já prejudicam a rede, com o novo projeto a situação pode piorar drasticamente. O que atualmente é ruim pode se tornar insustentável. A mesma lógica de desmonte prevista na PEC 38, que tramita na Câmara Federal, em Brasília, passa a se materializar no município de Curitiba, de forma ainda mais acelerada.
A seguir, explicamos o que muda ponto a ponto, sempre mostrando como funciona hoje e o que o projeto altera.
1. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PASSA A SUBSTITUIR SERVIDORES CONCURSADOS DE FORMA PERMANENTE
Como é hoje:
A contratação temporária existe para cobrir situações excepcionais, como emergências, calamidades ou demandas sazonais. Quando um servidor se aposenta, é exonerado, falece ou deixa o cargo, a resposta padrão deve ser a reposição por concurso público ou a chamada de candidatos aprovados nos certames.
O que o projeto muda:
O novo texto do artigo 2º permite contratar temporários para qualquer vacância decorrente de aposentadoria, exoneração, afastamento, demissão ou morte.
O texto também afirma que o contrato temporário vale até novo concurso, se necessário. Essa expressão abre espaço para a Prefeitura deixar de fazer concursos e recorra continuamente a temporários.
Por que isso é grave?
Essa mudança corrói a espinha dorsal do serviço público, que é o ingresso por concurso. A estabilidade deixa de ser mecanismo de proteção do interesse público e passa a ser substituída por vínculos de alta rotatividade. Isso gera um ambiente instável nas equipes, compromete a continuidade dos serviços e transforma o temporário em força de trabalho recorrente, e não excepcional. A população perde porque o profissional que chega hoje pode não estar amanhã, resultando na quebra de vínculo.
Exemplo prático:
Uma professora se aposenta em um CMEI, em vez de chamar o próximo da fila do concurso, a Prefeitura contrata temporários sucessivamente. Essa vaga deixa de ser de carreira na prática, mesmo que no papel continue existindo.
2. PREFEITURA CONCENTRA CONTROLE DAS CONTRATAÇÕES E ENFRAQUECE TRANSPARÊNCIA
Como é hoje:
Cada secretaria, fundação e autarquia identifica suas necessidades de pessoal, justifica a contratação e participa diretamente do processo seletivo. Isso garante decisões mais técnicas, mais transparentes e mais rápidas, porque quem conhece a rotina do serviço está envolvido no processo.
O que o projeto muda:
O novo texto do artigo 3º centraliza tudo na Secretaria Municipal de Gestão de Pessoal (SMGP). Todo o fluxo passa a depender de uma única instância, que passa a ter controle sobre quem entra, quando entra e como entra.
Por que isso é grave?
Quando a tomada de decisão deixa de ser técnica e se concentra num único órgão, há risco de priorização política. A transparência diminui. O tempo de resposta aumenta. As unidades ficam sobrecarregadas esperando reposição. E abre-se espaço para contratações pouco justificadas ou alinhadas a interesses de governo, não às necessidades reais da população.
Exemplo prático:
Uma UPA precisa de substitutos imediatos porque duas técnicas de enfermagem entraram em licença. Hoje, a própria unidade e a secretaria da área conduzem a necessidade. Com a mudança, a UPA apenas comunica a falta, e a reposição depende da fila e da análise da Secretaria de Gestão de Pessoal, mesmo que isso leve semanas.
3. PROCESSO SELETIVO AINDA MAIS FRÁGIL
Como é hoje:
A legislação prevê transparência, critérios objetivos e possibilidade de provas, mas, na prática, já existe fragilidade. Mesmo assim, há possibilidade de exigir etapas avaliativas mais transparentes.
O que o projeto muda:
O novo artigo 4º afirma que haverá processo seletivo, mas não exige prova escrita ou prática. A seleção pode ser feita apenas com análise de currículo. Isso significa que quem avalia pode tomar decisões com grande margem de subjetividade.
Por que isso é grave?
Quanto menos etapas, menos objetividade. Isso enfraquece a igualdade de condições entre candidatos, facilita favorecimentos e prejudica a construção de equipes técnicas. A população perde porque profissionais selecionados sem critérios rigorosos têm menos segurança técnica para exercer funções complexas.
Exemplo prático:
Em um PSS para médicos, a Prefeitura pode escolher candidatos apenas com base no currículo. Dois profissionais com experiências diferentes podem ser avaliados de forma desigual porque não há provas ou protocolos categóricos.
4. SALÁRIOS DEIXAM DE SEGUIR A CARREIRA PÚBLICA E PODEM CAIR PARA O NÍVEL DO MERCADO
Como é hoje:
O temporário recebe o mesmo salário inicial do cargo equivalente. Isso garante isonomia mínima entre temporários e efetivos.
O que o projeto muda:
O novo artigo 6º permite pagar até o vencimento inicial do cargo equivalente. Porém, quando não existe cargo equivalente, a Prefeitura pode pagar conforme o valor mínimo do mercado. Este é o ponto central da precarização.
Por que isso é grave?
O valor de mercado geralmente é inferior aos salários do serviço público. Pagar menos significa contratar profissionais mais baratos, sem compromisso com a carreira e com alta rotatividade. Isso também cria um ambiente de injustiça interna, pois quem é concursado recebe mais pelo mesmo trabalho. Além disso, essa medida desestimula concursos, já que o município terá sempre a alternativa mais barata.
Exemplo prático:
Uma função técnica na saúde que não possui cargo específico pode ser remunerada com base em salários pagos por clínicas privadas, que são muito menores do que o piso municipal.
5. PREFEITURA CRIA ESPAÇO PARA CONTRATAÇÕES POR HORA E TRANSFORMA TRABALHADORES EM “FREELANCERS”
Como é hoje:
Temporários têm jornadas regulares, semelhantes às de servidores efetivos. Isso garante presença constante e continuidade no atendimento.
O que o projeto muda:
O artigo 6º, combinado com o artigo 7º, passa a permitir remuneração por hora trabalhada. Essa lógica é equivalente à de freelancers: profissionais são contratados para cumprir apenas algumas horas em determinados dias, dependendo da demanda.
Por que isso é grave?
Trabalho por hora cria descontinuidade total no serviço. O profissional não tem vínculo com a equipe, não acompanha casos, não constrói rotina e não participa de planejamento. É um modelo típico de rotatividade extrema. A escola perde educadores fixos. A UPA perde equipes permanentes. O CRAS deixa de ter profissionais que conhecem o território.
Exemplo prático:
Um auxiliar de enfermagem pode ser chamado apenas em dias de alta demanda. Nos outros dias, a unidade fica desfalcada ou improvisa com outros profissionais.
6. MESMO COM CONCURSO E APROVADOS, A PREFEITURA PODERÁ CONTRATAR TEMPORÁRIOS
Como é hoje:
Se existe concurso válido e candidatos aprovados, a chamada deve ser priorizada. Essa é uma garantia constitucional.
O que o projeto muda:
O novo texto diz que a contratação temporária não poderá ocorrer se houver concurso válido, exceto nos casos do artigo 2º. Porém, o próprio projeto ampliou tanto o artigo 2º que praticamente qualquer situação pode ser vista como substituição temporária.
Por que isso é grave?
A regra que deveria proteger aprovados deixa de proteger. Na prática, mesmo com candidatos aguardando nomeação, a Prefeitura poderá contratar temporários mais baratos. Isso enfraquece o concurso público e desrespeita quem estudou e foi aprovado.
Exemplo prático:
Mesmo com concurso vigente para educadores infantis, o governo pode contratar temporários alegando que a falta é temporária, mesmo que a vaga exista permanentemente.
- INTERVALO ENTRE CONTRATAÇÕES CAI DE 24 MESES PARA APENAS 40 DIAS
Como é hoje:
Um temporário só pode ser recontratado na mesma função após 24 meses. Isso impede vínculos permanentes disfarçados.
O que o projeto muda:
O artigo 16 reduz essa distância de dois anos para apenas 40 dias.
Porque isso é grave:
O temporário passa a ser, na prática, um servidor permanente sem os direitos de servidor. O concurso público perde sentido, porque o governo pode montar equipes inteiras de temporários que renovam o contrato a cada dois meses. A equipe perde estabilidade, a população perde continuidade e o município deixa de construir carreiras sólidas.
Exemplo prático:
Uma professora temporária é dispensada em dezembro e recontratada em fevereiro. Isso se repete por anos, sem nunca se tornar efetiva e sem direitos trabalhistas ou previdenciários adequados.
8. PROJETO ANTECIPA A LÓGICA DA PEC 38 E DESMONTA O SERVIÇO PÚBLICO DESDE A BASE
O que está sendo proposto para Curitiba repete, em escala local, o que a PEC 38 tenta fazer nacionalmente: reduzir a estrutura fixa do Estado, substituir carreiras por vínculos frágeis, diminuir gastos a qualquer custo e transformar o serviço público em um ambiente de rotatividade e instabilidade permanente.
O plano de Eduardo Pimentel é: o que Brasília planeja como futuro, Curitiba já tenta impor como presente.
Consequências
Serviços públicos dependem de continuidade. Com equipes instáveis, a população pena com:
- atendimento irregular
- perda de qualidade técnica
- fragilização de vínculos com a comunidade
- demora no atendimento
- menor planejamento
- alta rotatividade de profissionais
- apadrinhamento
- corrupção
Para os servidores, as carreiras públicas são desmontadas. Isso provoca:
- desvalorização salarial
- falta de reposição por concurso
- sobrecarga dos servidores efetivos
- insegurança psicológica e profissional
- queda na qualidade do ambiente de trabalho
- risco crescente de assédio institucional
Pressão nos vereadores
Para barrar esse retrocesso, é necessária a força coletiva de quem vive o serviço público todos os dias. Servidores, comunidade, famílias, usuários e toda a sociedade precisam entender o que está em jogo e se posicionar, cobrando os vereadores e pressionando para rejeitarem a proposta do Eduardo Pimentel.
O SISMUC seguirá mobilizado, nas ruas, nas redes e onde for preciso, para defender a Curitiba que acredita nas pessoas, no trabalho público e na dignidade de quem serve à população. A luta começa agora, e cada voz importa.


