Por Ludimar Rafanhim, advogado do SISMUC
Nos últimos meses, a proposta de Reforma Administrativa voltou à pauta do Congresso Nacional. Apresentada como uma medida para “modernizar” o Estado e torná-lo mais eficiente, a nova PEC 38 repete velhas ideias: reduzir direitos, enfraquecer o serviço público e abrir ainda mais espaço para a iniciativa privada.
O relatório, elaborado pelo deputado Pedro Paulo, retoma boa parte das premissas da antiga PEC 32 — aquela que, em 2020, provocou grande mobilização dos servidores e foi duramente criticada por especialistas. Sob o discurso da eficiência, a proposta esconde um projeto de Estado mínimo, no qual o setor público deixa de ser protagonista das políticas sociais, e o cidadão passa a depender de serviços terceirizados e precários.
Um dos pontos mais preocupantes é a relativização da estabilidade dos servidores. As avaliações de desempenho poderão ser usadas como instrumento de demissão, abrindo espaço para perseguições políticas e insegurança nas carreiras. Além disso, a proposta prioriza contratações temporárias em detrimento dos concursos públicos. Ou seja, menos servidores de carreira, mais vínculos precários e maior risco de ingerência política na administração pública.
A PEC também extingue ou restringe direitos históricos dos servidores: licenças-prêmio, adicionais por tempo de serviço e férias superiores a 30 dias estão ameaçados. Cria-se uma tabela salarial unificada, que tende a nivelar os vencimentos por baixo e enfraquecer o poder de negociação dos sindicatos. Tudo isso em nome de uma suposta “meritocracia” que, na prática, pode mascarar assédio moral e ampliar desigualdades.
Outro aspecto grave é a ampliação da intervenção da União sobre estados e municípios, chegando ao ponto de permitir que o governo federal defina até o número de secretarias locais. Paradoxalmente, enquanto centraliza o controle, a proposta dá autonomia para que cada ente federativo retire direitos dos servidores e flexibilize vínculos, criando insegurança jurídica e desigualdade entre regiões.
Os impactos não param por aí. A reforma ameaça os regimes próprios de previdência e a paridade nas aposentadorias, afetando não apenas os servidores ativos, mas também aposentados e pensionistas. A ampliação das parcerias com organizações sociais, OSCIPs e fundações privadas indica o caminho do desmonte do serviço público, substituindo servidores concursados por contratos temporários e empresas terceirizadas.
No fundo, o que está em jogo é uma escolha de modelo de país. Queremos um Estado de bem-estar social, que garanta saúde, educação, assistência e segurança de qualidade para todos? Ou um Estado reduzido, submisso ao mercado e incapaz de assegurar direitos básicos à população?
A chamada “Reforma Administrativa 2025” não é apenas uma pauta técnica — é uma disputa de projeto nacional. Se for aprovada sem amplo debate com a sociedade, representará um grave retrocesso — não apenas para os servidores, mas para todos os brasileiros que dependem de um Estado forte, justo e comprometido com o bem comum.
Principais ataques aos direitos dos servidores públicos
- Fim da licença-prêmio;
- Extinção do adicional por tempo de serviço;
- Proibição de indenização de férias e licenças;
- Estabelecimento de limites para benefícios, como o auxílio-saúde;
- Proibição da incorporação de verbas aos vencimentos e proventos;
- Proibição da extensão de benefícios de uma carreira para outra a título de equiparação;
- Avaliação de desempenho utilizada para conceder bonificações, reforçar a meritocracia, gerar competição entre servidores e permitir demissões;
- Novas regras para concursos públicos, inclusive em estados e municípios;
- Relativização da estabilidade, com prioridade para contratações temporárias de até cinco anos;
- Limitação do trabalho remoto a 20% da jornada;
- Fixação de número máximo de níveis nas carreiras;
- Proibição de pagamentos retroativos;
- Fixação de teto salarial por carreira.
Impactos sobre a sociedade
- O Estado passa a ser subsidiário na prestação de políticas públicas;
- Fortalecimento das entidades paraestatais;
- Redução da presença e atuação de servidores públicos;
- Intervenção da União sobre estados e municípios, afetando o pacto federativo;
- Desconstitucionalização de dispositivos da Constituição Federal, facilitando futuras mudanças no sistema de seguridade e na prestação de serviços públicos;
- Consolidação do Estado mínimo, nos moldes propostos por Margaret Thatcher e Ronald Reagan no Consenso de Washington;
- Continuidade do desmonte iniciado com a Emenda Constitucional nº 19/1998;
- Instabilidade e rotatividade na prestação de serviços públicos;
- Discurso de combate a “privilégios” usado para justificar cortes que, na verdade, atacam o serviço público e os direitos sociais.
- Há também aqueles que defendem o Estado reduzido, mas são justamente os que mais se beneficiam dele.
São pessoas que estudaram em escolas particulares, ingressaram em universidades públicas e, após a graduação e pós-graduação — custeadas pelo Estado —, retornam à iniciativa privada sem oferecer qualquer retorno direto à sociedade.
Outros possuem planos de saúde privados, mas recorrem ao SUS para procedimentos de alto custo, vacinação e outras proteções coletivas. Exigem qualidade e segurança sanitária nos restaurantes, sem lembrar que a fiscalização é feita por servidores da Vigilância Sanitária.
Há ainda cidadãos e empresários que se beneficiam de isenções tributárias e da não tributação sobre lucros e dividendos. Parlamentares e agentes políticos que defendem a reforma, mas usufruem de volumosos recursos públicos, apartamentos funcionais, assessores e verbas indenizatórias.
Muitos desses defensores do “enxugamento do Estado” tratam-se em caríssimos hospitais privados, pagos com recursos públicos sob o nome de auxílio-saúde ou benefícios equivalentes.
Ao sofrerem um acidente ou terem um problema de saúde acionam o SAMU ou SIATE e sequer lembram que são serviços públicos de saúde custeados pelo orçamento público.
Frente à alguma situação de violência lembra de chamar os profissionais de segurança, mas não lembram que integram a Guarda Municipal, Polícia Militar e Polícia Civil servidores públicos, parte da estrutura estatal.
O rol de contradições e oportunismos é muito maior e podem ser explorados por outros que tenham interesse no tema.
O que precisa ser discutido é o modelo de Estado que desejamos: um Estado frágil e submisso ou um Estado robusto, capaz de gerir com eficiência os recursos públicos produzidos pela sociedade brasileira.
O que se desenha, infelizmente, é um Estado muito diferente daquele previsto pela Constituição Federal de 1988.


