Curitiba não tem zelo com a saúde, mas tem filas de espera de mais de 4 horas nas UPAs

“Somos mais de 2 milhões de usuários atendidos com muito zelo”, é o que diz a propaganda da Prefeitura de Curitiba. Porém, a população e diversas entidades, como o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (SISMUC) questionam: que zelo é esse que permite que pacientes esperem mais de 4 horas na fila para atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs)? 

O fato é que o número de médicos não comporta a demanda de atendimento. De acordo com o Portal da Transparência, há 1.719 vagas legais para médicos, no entanto, a rede municipal de saúde conta com apenas 652 médicos preenchendo o cargo efetivamente.

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O tempo de espera é ainda maior nas especialidades médicas

Se existe dificuldade para as consultas generalistas, o cenário é ainda pior nas consultas mais específicas, como no caso da fonoaudiologia. Atualmente, Curitiba conta com apenas 8 fonoaudiólogas, bem abaixo das 33 vagas exigidas por lei. Este número é ínfimo se considerarmos que a cidade registra cerca de 1,5 milhões de usuários da rede pública de saúde, cobrindo quase 76% da população local. 

Atualmente, o SUS de Curitiba conta com 287 diferentes especialidades para exames e consultas. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, desse total, a oftalmologia geral é a que tem maior tempo de espera –  nove meses. “Eu penso que deveriam ter pelo menos duas profissionais por distrito”, afirma uma servidora fonoaudióloga que prefere não ser identificada. Além disso, a Prefeitura precisa garantir locais para o atendimento ambulatorial. “O ideal seriam ambulatórios próprios para atendimento e não com terceirizadas”, propõe.

Mas, não são apenas médicos que estão faltando nas unidades, o défict também ocorre na área da enfermagem. São 1.035 vagas legais para enfermeiro e 2.886  para técnico de enfermagem em saúde pública, sendo que o quadro preenchido de servidores, respectivamente para cada função, é atualmente de 839 e 2.212.

A odontologia também passa sufoco. Existem somente dois Centros de Especialidade Odontológicas (CEO), um na regional Matriz e outro no Portão, o que impõe um deslocamento longo para quem reside longe dessas regiões. Além das filas de espera para tratamentos, como o de canal, que pode levar de 6 meses a 1 ano. Quem aguenta ficar tanto tempo sentindo dor de dente? Fora o risco de gerar uma infecção pela demora no tratamento. “A prótese total, por exemplo, a gente recebe pouquíssimas vagas no ano, então tem gente que fica 1 ou 2 anos aguardando atendimento”, revela uma servidora que atua como técnica em saúde bucal. Ela aponta que a maioria das especialidades são atendidas nos CEOs, mas alguns tipos de cirurgias são agendadas no Hospital do Trabalhador ou exames em universidades parceiras. Mesmo que haja a possibilidade de realocar o atendimento dos pacientes nestes outros espaços, nota-se que não há uma política de fato voltada para a odontologia. 

Os usuários sentem na pele o descaso, como é o caso da Isabella Oliveira, que aguarda já faz 4 anos para um tratamento. ‘’Eu fui atrás ano passado, mas eles disseram que eu não compareci, só que eu não recebi carta, ligação, mensagem, nada. Eles não se comunicaram comigo e eu não tinha como adivinhar. Eu fui ao dentista de novo e agora tô mais uma vez na fila de espera”. 

É curioso o fato da cidade ainda não ter finalizado o projeto para a construção de um hospital municipal. O projeto constava no Plano Municipal de Saúde (2014-2017), mas não chegou a sair do papel sob justificativa de não ter a verba necessária. Somente neste ano, o orçamento para a saúde é de R$ 2,9 bilhões. .

Cuidado de verdade não deve ser terceirizado

Para se ter ideia, foram aprovados 519 médicos no concurso público de 2022, mas a gestão Rafael Greca/Eduardo Pimentel convocou apenas 64 profissionais até agora. A tal “cidade inteligente” precisa repor o quadro de servidores da saúde, desafogando as filas de atendimento.

Ao invés de contratar novos servidores públicos, a gestão municipal terceiriza o trabalho, deixando nas mãos da Fundação Estatal de Atenção à Saúde (Feas). Trata-se de uma organização com membros indicados pelo próprio prefeito.

Além disso, em abril do ano passado, o Ministério Público de Contas do Paraná foi acionado para investigar alterações contratuais da Feas com o município. Como divulgado por veículos de imprensa à época, o valor máximo de repasse da Prefeitura seria de R$ 21,1 milhões, mas antes mesmo de o prazo acabar houve aditivos que aumentaram o valor global do contrato, que era de R$ 84,6 milhões para R$ 436,5 milhões. Em nota oficial, o MPC-PR informou que o fato narrado está sendo examinado em processo já em curso no Tribunal de Contas. 

A celeridade no processo de terceirização é indiscutível, visto que a Fundação foi criada em 2010, pela lei municipal 13.663, para gerenciar, inicialmente, o Hospital Municipal do Idoso, no Pinheirinho. Mas, em 2019, um novo projeto de lei foi aprovado pelos vereadores de Curitiba, autorizando a mudança de um detalhe que, na prática, abre a porteira para impulsionar ainda mais as contratações via terceirizada. 

Entenda: A Fundação Estatal de Atenção à Saúde (Feas), antes da aprovação da lei, se chamava Fundação Estatal de Atenção Especializada à Saúde (Feaes). Essa mudança, que pode parecer sem significância, na realidade permite, com a retirada do especializada, a contratação -via empresa privada- de profissionais para Unidades Básicas (UBs).  

A ampliação na terceirização do atendimento é justificada por dar mais agilidade na gestão da saúde da cidade. Também consta da justificativa do projeto aprovado em 2019 que “Por diversas razões, o profissional médico não tem aceitado a nomeação para atuar em Unidades de Saúde. O mercado do trabalho médico tem oferta maior para essa categoria e com vínculos empregatícios mais flexíveis e atrativos”. Ora, então a melhor solução encontrada pela Prefeitura é de entregar o serviço nas mãos da iniciativa privada ao invés de investir em um plano de carreira digno aos profissionais da saúde, tornando o serviço público mais atrativo? 

Essa solução é imediatista e não resolve o problema estrutural da saúde pública. A verba que poderia ser usada para contratar servidores públicos e investir no atendimento qualificado, é destinada para a Feas.

Outro ponto já abordado anteriormente pelo Sindicato, é que a Feas quarteiriza a contratação de profissionais. A manobra é de repassar para outra empresa privada a escolha desses trabalhadores, sem que haja um processo de licitação, o que diminui ainda mais o controle do poder público sobre a Fundação.

A resposta não está na terceirização, mas sim na priorização da contratação dos aprovados em concursos públicos, no aprimoramento dos servidores, na expansão e modernização das unidades básicas e hospitais, e na reestruturação da rede de assistência. Essas medidas são essenciais para vencer os desafios atuais na área da saúde.