ÁGORA 17 | Marajás de Toga

Papai do Céu, nunca
te pedi nada. Valendo-se disso, o Senhor poderia me dar um cargo no
judiciário brasileiro? É pouca coisa, meu Deus. Olha que se der
essa prenda, nem quero mais ganhar na mega sena. Pode deixar que eu
me viro sozinho daqui para frente. Basta olhar para mim e sentenciar:
“a partir de hoje és um togado. Receberás salários acima do teto
constitucional, auxílio moradia, terninho, frutinha, motorista e
outros penduricalhos que pedires. E se caíres em falta, sendo pego
com a mão na botija, serás condenado. Mas não serás recluso ao
xilindró. Tua pena será aposentadoria compulsória para que possas
refletir em ócio sobre seus ilícitos”.

É pessoal, essa é
a capa da revista Ágora de setembro, em sua edição 17. A
reportagem principal, escrita pelo jornalista Manoel Ramires, mostra
como o judiciário brasileiro vive uma realidade a parte da população
brasileira. Até mesmo aos políticos. O repórter também assina
dois outros textos. Na coluna “Ponto de Vista”, traz um perfil do
procurador Deltan Dallagnol. Tornado herói pela mídia, ele também
tem que rezar suas ave-marias para pagar uns pecadinhos. O outro
texto assinado por Ramires é uma entrevista com o ex-ministro da
Justiça Eugênio Aragão. Em parceria com Gibran Mendes e o repórter
fotográfico Leandro Taques, a conversa aborda a Lava Jato, o golpe
parlamentar, o ministro do STF, Gilmar Mendes, a nova procuradora
Raquel Dodge, o presidente Michel Temer, entre outros. Sem papas na
língua, Aragão mostra que o Brasil está sendo crucificado pela
turma que lavou as mãos: “O golpe está custando mais caro”.

A justiça
brasileira, aliás, também é tema da coluna “Curtas”. Assinada
por Tânia Mandarino, ela conta 10 ilegalidades da Lava Jato,
desmitificando toda a operação. Já nosso colunista Pedro Elói,
mostra que o Brasil tem uma tradição quase religiosa: derrubar
governos populares. A penitência, é claro, fica com o povo.

Agora, por outro
lado, Papai do Céu, se não dá pra transformar todo mundo em membro
do judiciário, podia pelo menos fazer uns milagres por aí. Veja só,
onipresente, em Curitiba tem diversos centros municipais de educação
infantil fechados. Com isso, os pequenos não tem como ir para a
escola. São 11 cmeis inaugurados e fechados como aponta a reportagem
investigativa de Pedro Carrano. São R$ 14 milhões usados que
aguardam um santo desfecho, ó, pai.

Pedro também assina
reportagem com Paula Zarth Padilha sobre a jornada de agroecologia e
10 anos do assassinato de Keno. Divino, o que essa gente só quer é
um pedaço de terra, chuva e poder produzir agricultura orgânica.
Nem é pedir demais, né.

A solidariedade, que
se ore por isso, também é abordada em duas colunas de Ágora. Em
“Nossa Cidade”, a jornalista Vanda Moraes mostra experiências de
renda, dignidade e esperança na Vila Sabará. É para glorificar ver
a comunidade se organizando em busca do pão de cada dia. Algo que
acontece também na Colômbia. Por lá, as coordenadoras do Sismuc
Casturina Berquó e Maria Cristina Lobo trouxeram muitas lições e
fizeram seu depoimento na coluna “Coordenadas Sindicais”: “É
notável o distanciamento do Brasil no reconhecimento dos movimentos
sociais nas transformações e no desenvolvimento sustentável”,
anotam no parágrafo 1, linhas de 7 a 10.

Contudo, nem tudo é
bendito em Ágora. A começar pela crescente onda de ódio que cresce
pelo mundo. Nosso correspondente internacional, Phil Batiuk, analisa
os movimentos neonazistas nos EUA e a sua cruzada para eliminar quem
é diferente deles. É o que aborda a coluna “Comportamento”. Já
no Brasil, o movimento de esmagar o próximo é defendido pelo
“Escola sem Partido”. Esse grupo pretende acabar com debates em
escolas pelo país afora. Segundo Adriana Claudia Kalckmann, que
assina a coluna “Municipais”, se “pretende promover censura à
liberdade de pensamento e autonomia pedagógica no ambiente escolar”.
Pra fechar essa tríade, a coluna “3 cliques” revela o sofrimento
dos moradores em situação de rua, que estão sendo varridos das
ruas de Curitiba por uma gestão que se diz do bem.

Aliás, meu Senhor,
pensando melhor aqui, não quero ser membro do judiciário
brasileiro. De que me vale toga enquanto o direito das mulheres segue
sendo cegado e elas seguem sendo assassinadas, como apresenta a
coordenadora do Sismuc Maria Aparecida Martins Santos? De que me vale
o poder de decidir se a decisão que tomo só pune um lado, como
trata Pedro Carrano em sua coluna Radar da Luta? De que me vale um
emprego vitalício enquanto 14 milhões de brasileiros estão na fila
do desemprego, talvez alguns arrependidos por demitirem Dilma
Rousseff, como retrata a coluna Cartoon?

Prefiro a
consciência tranquila de entregar aos leitores mais uma revista
feita com dedicação pelo Sismuc, na coordenação de comunicação
de Soraya Zgoda e geral de Irene Rodrigues, com a diagramação da
equipe da CTRLS. Que Ágora cresça e se prolifere. São os meus
votos!