Maria Letícia acumula cargos de vereadora e no IML que somam R$ 29,8 mil

A austeridade do Governo do Estado do Paraná e da Prefeitura de Curitiba não chegou para a vereadora Maria Letícia Fagundes (PV). Favorável ao ajuste fiscal de Greca que congela planos de carreiras e salários dos servidores municipais, ela acumula os salários de R$ 15 mil como vereadora e outros R$ 14,1 mil como servidora estadual perita do Instituto Médico Legal. No mês de abril, por exemplo, seus vencimentos brutos chegaram a R$ 29,8 mil. Ou R$ 21,7 mil, considerando os descontos previdenciários e de imposto de renda. Além da jornada como vereadora sem dedicação exclusiva e como médica legista no IML – de 20 horas semanais -, Maria Letícia ainda tem uma clínica própria no bairro Mercês onde atende como ginecologista.

A vereadora não tem se dedicado exclusivamente ao cargo legislativo justamente em um momento que Curitiba atravessa grave crise financeira com projetos de recuperação fiscal tramitando desde o fim de março na Câmara Municipal. Apesar de ser servidora estadual, a tendência é de ela votar contra os servidores municipais. Por outro lado, muito antes de se pensar na dedicação que a Maria Letícia Fagundes concede no exercício de vereadora de Curitiba, há que se observar que o acúmulo de tantas funções pode esbarrar na legislação brasileira. O artigo 38 da Constituição Federal determina que “ao servidor público em exercício de mandato eletivo aplicam-se as seguintes disposições: tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função”, limita a lei.

Já a vereadora Maria Letícia se encaixa no terceiro parágrafo, que trata do exercício de legislativos municipais: “investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração”, restringe a constituição.

No meses de junho, maio e abril, a vereadora registrou presença em quase todas as sessões, com exceção a marcada para o dia 4 de abril, quando apresentou justificativa para a sessão da manhã. À tarde, o secretário de finanças de Curitiba, Vitor Puppi, afirmou aos vereadores que a gestão de Rafael Greca nunca trabalhou com um Plano B para o pacotaço.

Com relação às comissões, a vereadora participa de três. Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte, em que é presidente. A última comissão que participa é de Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, presidida por Noemia Rocha. Maria Letícia é vice dessa comissão que está parada. As comissões são convocadas a cada quinze dias, sendo apenas a de Comissão de Legislação, Justiça e Redação funciona semanalmente. No entanto, com relação a Comissão de Saúde, ela se reuniu apenas três vezes ao longo de 2017. Uma vez em abril para discutir a realização de diligência para fiscalizar a atuação da Ouvidoria do SUS em Curitiba, outra em março para identificar onde estão os médicos concursados e a última em maio para análise da concessão de utilidade pública para quatro instituições. Nesse meio tempo, a cidade enfrenta crise com casos de agressão à enfermagem na UPA Boa Vista e Unidades de Saúde, falta de remédios e itens básicos como luvas e papel higiênico, filas no atendimento e, por fim, a saída do secretário Luiz Carlos Baracho.

Outras jornadas

A vereadora, por outro lado, encontra tempo para desenvolver o cargo de servidora estadual no Instituto Médico Legal. O último concurso aberto em janeiro de 2017 e com convocação em junho de 2017 previa salários iniciais de R$ 9,2 mil por 20 horas. Dentre as atribuições está “cumprir as determinações superiores compatíveis com as suas obrigações e responsabilidades, as disposições legais e regulamentares e os horários normais e extraordinários da jornada de trabalho”.

Além de cumprir esse expediente, a vereadora ainda exerce função de ginecologista, inclusive com clínica própria. A reportagem checou os horários da vereadora. Na clínica própria, no bairro Mercês, a reportagem checou que consultas podem ser marcadas pelas manhãs de quinta e sextas-feiras, durante o funcionamento da Câmara Municipal de Curitiba

Vereadores denunciam venda de apoio político

Na semana em que o pacotaço teve sua votação adiada pela segunda vez após a ocupação do plenário, o vereador professor Euller (PSD) disse em sua rede social de que o prefeito Rafael Greca (PMN) havia tentado comprar seu apoio com cargos políticos e obras nos bairros.

Fui chamado por pessoas da Prefeitura 3 vezes esse ano: na primeira, queriam saber qual seria meu posicionamento. Deixei claro que não faria oposição gratuita, mas que também não votaria a favor daquilo que eu não considerasse correto ou bom; na segunda, ofereceram-me cargos comissionados na Prefeitura, para que eu fizesse parte da base. Na terceira, ofereceram-me obras pelos bairros da cidade, para que eu ajudasse a aprovar o Pacotaço”, revelou.

Denúncia semelhante havia sido registrada pelo site Terra Sem Males na reportagem “Vereadores de Curitiba negociam o futuro dos servidores”. Ela ocorreu em 6 de junho, durante a aprovação do regime de urgência. O vereador Goura, que não assinou o regime de urgência, colocou o dedo na ferida. “Nós não podemos votar com troca de favores e cargos políticos. A vida do servidor não pode ser trocado por um ou dois cargos no bairro”, revelou.

O mesmo tipo de informação tem sido divulgado em grupos de Whatsapp que a reportagem teve acesso. “Um vereador me disse que a Câmara e os vereadores estão votando o pacotaço porque o prefeito tem dois ou três cargos comissionados na Prefeitura para cada vereador. São pessoas que vocês estão tropeçando por aí”, revela o áudio.

Alguns profissionais que antes estavam na Câmara Municipal como cargo comissionados agora fazem parte do governo de Rafael Greca. Um desses casos é Osvaldo Dietrich, que trabalhou a legislatura passada inteira como assessor do líder do governo, vereador Pier Petruziello (PTB), e agora está lotado no Instituto Municipal de Turismo.

Outro lado | Maria Letícia



A reportagem encaminhou perguntas ao gabinete da vereadora e ainda ligou o recebimento do e-mail. No entanto, nem a assessoria, nem Maria Letícia Fagundes responderam as perguntas sobre em quais locais ela trabalha além da Câmara, se ela “abriu mão de algum para se dedicar exclusivamente a função de vereadora”.



Também ficou sem resposta o questionamento de que essa possível atuação externa poderia “interferir na sua atuação como vereadora de Curitiba” em momento tão delicado para Curitiba.

Posição da Câmara Municipal



A reportagem procurou a Câmara Municipal para saber se a Casa abriria alguma comissão interna para investigar essas denúncias, uma vez que a Comissão de Ética ainda não está instalada.



Também perguntou se além da vereadora Maria Leticia outros vereadores desempenham outras funções e cargos além do exercício de vereador, bem como se eles são obrigados a informar a casa.



Ainda foi perguntado se a CMC checa a legalidade desses acúmulos conforme o artigo 38 da Constituição Federal e orienta o legislativo e se os vereadores são obrigados a registrar presença em que momentos e há expediente mínimo.



A Câmara Municipal se limitou a dizer que a lei de acesso a informação concede vinte dias para responder os questionamentos. “Com base na Lei de Acesso à Informação (lei nº 12.527/2011), que regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas, a Câmara Municipal de Curitiba tem um prazo legal de 20 dias para responder todo e qualquer questionamento”, informou a assessoria de comunicação.