A reforma trabalhista: redução de direitos e aumento de concentração de renda

Se há algo que o governo Temer não
pode ser acusado é de incoerência ou de ser imprevisível. Antes mesmo de
Eduardo Cunha autorizar o prosseguimento do pedido de impedimento da presidenta
Dilma, o PMDB já divulgava um documento contendo suas principais propostas para
enfrentar a então crise política e econômica, destinando-se, entre outras
coisas, segundo suas palavras, a
preservar a economia e tornar viável o seu desenvolvimento”. Neste programa (“Uma ponte para o futuro” foi o título
escolhido), propunha-se, além da reforma da previdência social, da diminuição
de investimentos em educação, saúde e programas sociais do Governo Federal, a
retirada de direitos dos trabalhadores.

O golpe de Estado consolidou-se e,
num curtíssimo espaço de tempo, as principais diretrizes daquele programa vêm
sendo implantadas. Em rápidas linhas, a PEC 257 foi aprovada congelando pelos
próximos 20 anos os investimentos estatais nas áreas de saúde e educação.
Também é de conhecimento público a proposta de reforma previdenciária que
impedirá grande parte da população do país a um dia se aposentar,
especialmente, as frações mais pobres da nossa sociedade que contam com menor
expectativa de vida.

A despeito de ser menos abrangente
que a reforma previdenciária, a minirreforma trabalhista talvez seja a mais
importante para as pretensões deste governo e dos setores da sociedade que
viabilizaram o golpe de Estado. Isso porque ela é estrutural dentro sistema de
relações de produção da sociedade capitalista, por permitir maior acumulação de
capital pelos detentores dos meios de produção (o grande empresariado) em
detrimento dos ganhos da força de trabalho, a classe trabalhadora.

Não devem ser compreendidas de outro
modo as medidas encaminhadas ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo.
Deixando de lado questões importantes, mas pontuais, como as alterações no
regime de banco de horas, no intervalo para alimentação ou no tempo “in itinere”, pretende-se abordar o tema
relacionado ao que se vem chamando de “negociado sobre o legislado”.

O desejo de conceder capacidade
jurídica aos sindicatos para, por convenções ou acordos coletivos de trabalho,
reduzir ou extinguir direitos previstos em lei, constitui-se em verdadeira
obsessão do empresariado brasileiro. Isso existe desde meados dos anos 1990, quando
tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de lei propondo modificar a
redação do artigo 618 da CLT para nele constar a prevalência da norma coletiva
sobre os direitos estabelecidos em lei, permitindo assim que os sindicatos
abdicassem de conquistas previstas na legislação. Tal projeto somente foi
definitivamente arquivado depois da primeira eleição de Lula, em 2002. Sopravam
novos ventos.

A matéria retornou inúmeras vezes ao
debate parlamentar, sendo tema central e recorrente à pauta das principais
entidades representativas do patronato no país, sendo patrocinada por seus
representantes políticos no Congresso.

Desregulamentação 

Os detentores dos meios de produção
sempre perseguiram o ideário neoliberal de desregulamentação de direitos, buscando
concretizar relações de trabalho centradas na livre negociação entre as partes,
estando, quando muito, as (os) trabalhadoras (es) representadas (os) por seus
sindicatos. Assim, a intervenção estatal é indesejada, pois, ao obrigar o
cumprimento de determinados direitos à classe trabalhadora, o Estado impõe
freios à exploração da mão de obra, constrangendo e restringindo a capacidade
de acumulação capitalista.

Nossa elite econômica, sob o
eufemismo da modernização da legislação trabalhista, pretende uma mudança de
paradigma no direito do trabalho brasileiro. Esse ramo do direito
desenvolveu-se como reação aos movimentos de resistência da classe
trabalhadora. Resulta de processos históricos de correlação de forças entre
capital e trabalho que precipitaram o intervencionismo do Estado objetivando
pacificar as relações de produção.

A legislação trabalhista, portanto,
coloca-se como um patamar mínimo a partir do qual os sindicatos poderiam
negociar outros direitos ou a majoração dos existentes. Disto decorre o caráter
supletivo ou complementar das convenções e acordos coletivos, porque devem
respeitar os pisos fixados pela lei.

A modificação proposta pelo governo Temer
subverterá a lógica sob a qual foi engendrado o direito do trabalho no Brasil.
Se essa mudança for concretizada haverá de falar em um novo direito, de cunho
liberal, pautado no princípio da livre negociação e na liberdade de trabalho, o
que para as elites brasileiras significam historicamente ausência de freios à
exploração dos trabalhadores.

Em um contexto de retração econômica,
aliada a decadente estrutura sindical brasileira, sempre a espera de uma
reforma que confira genuinamente liberdade e autonomia aos sindicatos, e com um
direito de greve frequentemente tolhido pelo Judiciário quando exercido,
permitir a redução e extinção de direitos previstos em lei pela via da
negociação coletiva será uma verdadeira tragédia.

No campo das relações concretas de
trabalho essa proposta representará, à exceção a uma ou outra categoria de
trabalhadores mais organizada e com maior capacidade de mobilização, a
suspensão de praticamente todos os direitos previstos na CLT. Na perspectiva
teórica significará o fim do direito do trabalho brasileiro tal qual o
conhecemos e o estudamos. Também acarretará a redução de direitos à classe
trabalhadora, ocasionando transferência de renda aos capitalistas e acentuando
ainda mais a desigualdade social e econômica no país.