Constituinte: a bandeira que não pode ser contida

No mês de agosto, os movimentos populares protestam contra a tragédia ambiental causada pelo consórcio transnacional das mineradoras Samarco/Vale/BHP Billiton, em Minas Gerais.

O impacto foi sentido de maneira irreversível pelo povo e trabalhadores da região. A destruição foi deixada ao longo de todo o rio Doce, que atravessa Minas Gerais e deságua no mar do Espírito Santo, impactando milhares de pescadores, populações e ribeirinhos – acabando com a natureza local.

Este é mais um dos casos que resume a condição de dependência da economia brasileira, que torna nosso modelo industrial submisso à pauta da exportação e, hoje, demanda do capital financeiro. Nosso modelo de desenvolvimento segue sendo frágil, sensível a pressões externas, dependente e desequilibrado, como já apontava Nelson Werneck Sodré. Um modelo voltado para fora que não dá conta de necessidades básicas de desenvolvimento interno da população.

Os movimentos populares no Brasil se colocam contrários e há décadas denunciam esse modelo, enquanto anunciam outro modelo de país.

No ano de 2002, um plebiscito popular consultou dez milhões de pessoas que disseram não à tentativa de impor ao país e ao continente a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um modelo de quebra da indústria nacional, de aprofundamento do modelo de importações e destruição da pesquisa e produção de conhecimento.

Mais tarde, em 2007, justamente a Vale foi tema de novo plebiscito. A venda da principal mineradora brasileira era questionada pela justiça e pelos movimentos populares. Dez anos antes, a mineradora estatal foi leiloada a preço de banana (míseros R$ 3,3 bilhões), junto com recursos importantes do subsolo brasileiro.

Novamente, a questão do papel da Vale resumiu uma condição de país, na qual nossos recursos são exauridos, a serviço do capital dos bancos, enquanto a população local não vê o resultado disso na forma de desenvolvimento.

Projeto de país

Mais do que o exercício de participação popular, estamos falando de uma visão de projeto e de condição de país, denunciada por meio desses temas. Mas quais as bandeiras que não podem ser esquecidas? Como elas contribuem para a construção de um projeto autônomo e soberano de desenvolvimento? Que o seu papel no atual momento da conjuntura brasileira?

Esses são temas que podem até deixar por algum período a agitação política e o debate público, mas seguem como “demandas reprimidas”, prontos para surgir outra vez enquanto não forem enfrentados: o domínio do capital financeiro, o problema da dívida pública interna, que consome a chance de investimento no país (tema de outro plebiscito popular, nos anos 2000); fica a pergunta: quando será a nova tragédia causada pela Vale? O novo arrocho imposto pelo pagamento de juros e reserva de superávit primário para o pagamento da dívida? O próximo sacrifício dos trabalhadores em nome do que não pode sequer ser questionado?

Em meio à atual crise política, a bandeira da Constituinte é outra questão que segue latente e, tudo indica, seguirá provocando como a saída para o atual impasse que vivemos. Esta pauta denuncia uma condição herdada da ditadura militar, que pode ser resumida em: a) a limitadíssima participação popular nos rumos da política b) A política está extremamente desgastada entre a população e há um abismo entre o mundo do congresso e o mundo real, como ficou evidente na votação do impeachment, na Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril c) as conquistas sociais expressas na Constituição de 1988 estão sofrendo uma séria ameaça, um ataque do programa neoliberal direcionado aos direitos trabalhistas, ao Sistema Único de Saúde (SUS), à assistência social e à Previdência. A soberania nacional, tantas vezes atacada, grita mais uma vez com o desmanche da Petrobrás – da participação na reserva do pré-sal a setores importantes como a Liquigás -, e a ameaça de entrega de terras para empresas internacionais.

Constituinte e novo modelo de desenvolvimento

Avançar nessas questões significa, no atual momento da luta política no Brasil, reivindicar um projeto de nação soberano e sintetizar os anseios de amplos setores populares que não se veem mais representados pelo atual modelo político-institucional.

Ao mesmo tempo, é uma oportunidade de debater com o povo outros elementos desse projeto, construindo força social capaz de enfrentar a ofensiva conservadora. Novamente, os ensinamentos de plebiscito popular organizado, em setembro de 2014, por mais de 500 entidades nacionais, nos permite enxergar essas questões com mais nitidez. O desafio está em retomar o trabalho de base acumulado nos mais de 2000 comitês populares e quase oito milhões de votos, resultado dessa experiência.

Essa construção de força social e mobilização é urgente, está na ordem do dia. Por isso, repudiamos argumentos superficiais ou pragmáticos que excluem o debate da Constituinte porque “Não é o momento”, porque “apenas perderíamos”, porque “colocaria em risco as conquistas da Constituição”, como se a Constituição já não estivesse sofrendo sérias ameaças. Os mesmos críticos, muitas vezes, falam em “profunda reforma política”. Por que, então, desprezam a experiência do plebiscito e dos debates já realizados?

Por divergências entre as organizações de esquerda este tema não ganhou força ainda nas manifestações contra o golpe de Temer. Reforçamos o “ainda”. Mesmo não sendo tema de unidade, aparece de forma dispersa na fala de várias lideranças. Um retorno da presidenta legítima Dilma Rousseff só poderia ter firmeza se vier seguido de uma profunda mudança no sistema político.

Uma entrada massiva da classe trabalhadora na cena política vai exigir medidas que a Constituinte consegue resumir: a) manter e aprofundar direitos históricos b) mudar radicalmente a forma de participação popular na política c) fundar um novo ciclo aliado a um novo modelo de desenvolvimento, fundado no bem estar do nosso povo e não no capital financeiro e nas transnacionais.

Em nome de um projeto industrial de desenvolvimento, de tecnologia própria, em nome da manutenção das empresas estatais a serviço do povo brasileiro, dizendo não à privatização da Petrobrás, em nome da revisão do pagamento da dívida pública interna, calcada na rolagem de juros para o capital financeiro, em nome da manutenção dos direitos sociais e dos direitos do povo. Este turbilhão de lutas deve ser resumido na capacidade do povo brasileiro decidir seu futuro: Constituinte, já!

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Por Pedro Carrano e Lucas Pelissari, doutorando em Educação