Para jantar nossos nomes

1. De
precursores e não somente nomes de rua como Silveira Neto (Morretes, 1872-1945)
e Júlia da Costa (Paranaguá, 1844-1911) aos contemporâneos e promissores Cezar
Tridapalli (romancista premiado, infelizmente atleticano) e Rodrigo Madeira (autor
de “Ao Meu Assassino”, poema em que nos revela que foi ele quem matou Paulo
Leminski), o Paraná sempre teve literatos atuantes. São grupos que fundaram
periódicos, como Joaquim e Nicolau, editoras administradas por
autores, autor que é a própria editora e personagens influentes na esfera
político-social, como Emilio de Menezes (Curitiba, 1866-1918) e Paulo Leminski
(Curitiba, 1944-1989), além dos escritores dados a uma certa grandiloquência. O
poeta Emiliano Perneta (Pinhais, 1866-1921), por exemplo, lançou “Ilusão”, em
20 de agosto de 1911, no Passeio Público coberto de ramalhetes de flores. Evento-sucesso
– “Ilusão” é o primeiro best-seller paranaense, vendeu 400 exemplares no
lançamento –, teve até livro de ouro ornado em caixa de madeira e coroa de louros
naturais na cabeça. Consagrou-se ali o Príncipe dos Poetas! (Por via das
dúvidas, a exclamação é culpa do editor da revista.)

2. A literatura lo(u)cal (ainda há quem
veja certa graça nesse desdobramento semântico) sempre foi prolífica, apesar da
pouca projeção editorial a nível nacional. Os principais autores acabam
publicando por casas de abrangência nacional e parecem validar-se do mundo para
o útero, como Dalton Trevisan e Cristóvão Tezza, para ficarmos em dois autores
com o selo Record de distribuição estratosférica – Ó mares de Curitiba, quanto
de seu sal são lágrimas antropofágicas?. Hoje, contudo, com maior diversidade
de ferramentas de publicação e o fortalecimento de editoras de pequeno e médio
porte, a literatura paranaense tem crescido e seu caráter é certamente mais
plural; estabelecem-se novos protagonistas: nenhum. Em um contexto rarefeito e
com estímulos mil (há quem diga melhor que não fomos feitos para tantas imagens
e virtualização, bois cansados que somos), seguimos no velho paradigma: faltam
leitores, sobram escritores. Em alguns casos, eles (os escritores) até morrem,
mas não morrem, como o advogado Leôncio Correia (Paranaguá, 1865-1950), que copidescou
ao médium polígrafo Chico Xavier os versos de “Saudade”. O poema integra a
edição definitiva da antologia Parnaso do
Além-Túmulo
, de 1955.

3.
Jovem e destruidor de cânones, “Por tudo, a literatura paranaense começa
agora.”, Dalton Trevisan virou a província do avesso, apedrejando de A a Z.
“Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do
rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó”, o autor de “Uma vela para
Dario” é o MAIOR ESCRITOR PARANAENSE (em caixa alta porque os muros do Alto da
XV escondem muito). O Vampiro de Curitiba (evitemos a expressão, apenas uma vez
que seja) elevou o gênero conto a um novo patamar. Prêmio Camões de 2012 e
vencedor de diversos Prêmio Jabuti, Dalton é personagem integrante do
imaginário da capital. Em meados dos anos 1940, fundou a revista Joaquim, um dos mais importantes
periódicos da história da imprensa brasileira. É célebre seu artigo demolindo
Emiliano Perneta, a quem, convenhamos, as pedras foram em excesso. Ou não? O
Paraná nunca foi reconhecido pela modéstia. Sabe-se de um autor que saía pela
capital, no fim da vida, dizendo ser o mais importante escritor brasileiro
vivo. Se não era o mais importante, certamente foi um deles, comparado, no que
tange à inovação e ao tensionamento de linguagem, a Julio Cortázar. Não é
pouco, sem dúvida. E como diz o contemporâneo Marcos Pamplona, a rosa é o
delírio do espinho. A recíproca não nos interessa.

4.
Em fevereiro de 1987, foi dado o primeiro passo para a fundação do Nicolau. No auge, o periódico chegou a
ter 180 mil exemplares de tiragem. Foi eleito a melhor publicação cultural da
América Latina. Teve vida curta em termos cósmicos, pouco menos de uma década,
mas gigantesca em termos de ser o corpus que foi: um impresso. Jornal de
literatura é pior do que cachaça. O
Nicolau
de Wilson Bueno (Jaguapitã, 1949-2010), que aludia sempre à
necessidade de jantar os nossos nomes, esquecer nossos nomes, é o nosso Vasco
da Gama diante do gigante Adamastor, singrante de uma tradição de periódicos
literários que começa bem antes da Joaquim.
Entre 1894 e 1915, o Paraná registra mais de dez periódicos, todos eles (hunf!)
de alma simbolista. Hoje – afinal, somos em pele aqui e agora –, com circulação
mensal irrestrita, temos o Rascunho,
maior jornal brasileiro do segmento, onde a discussão literária acontece; o Cândido, jornal da Biblioteca Pública do
Paraná, onde a reportagem acontece; o RelevO,
onde nada acontece. De fato, nosso tempo é hoje. “Porque amanhã podemos morrer!
(Mas, ai, isso nunca acontece.)”, nos diz Dorothy Parker, com quem o
escrevinhador dessa matéria diz ter um caso. Temos direito a todos os sonhos do
mundo, Paraná.