Vitor Puppi: o arquiteto do Pacotaço, da extinção de carreiras e o Rei absoluto do tabuleiro financeiro de Curitiba

No xadrez, o Rei deve ser protegido, pois sua sobrevivência garante a continuidade da partida. No jogo real da política curitibana, quem deveria conduzir o tabuleiro — o prefeito Eduardo Pimentel — muitas vezes cede o papel de protagonista a outro personagem, que concentra o comando do tabuleiro municipal: o secretário de Finanças, Vitor Puppi.

É ele quem define o ritmo das jogadas, controlando o orçamento, as políticas públicas e as regras que afetam diretamente a vida dos mais de 27.770 servidores e servidoras. Nessa lógica, esses profissionais se tornam os “peões”: peças indispensáveis, mas tratadas como facilmente sacrificáveis. Já o prefeito e seus demais secretários passam a ser peças secundárias, enquanto o Rei das Finanças determina o destino de toda a partida.

 

Mas, quem é Vitor Puppi?

Advogado e procurador licenciado do Estado do Paraná, com mestrado pela Universidade da Califórnia (Berkeley), Vitor Acir Puppi Stanislawczuk, conhecido como Vitor Puppi, possui trajetória na área fiscal. Já foi diretor-geral da Secretaria da Fazenda do Paraná e presidiu a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças (ABRASF).

Em Curitiba, assumiu em 2017 a Secretaria de Planejamento, Finanças e Orçamento na gestão Rafael Greca (com Eduardo Pimentel como vice-prefeito), onde ficou até 2022. Foi o principal formulador, defensor e implementador do Plano de Recuperação Fiscal, o Pacotaço. Todas as medidas passaram pelo seu comando, reforçando que, no tabuleiro financeiro da cidade, nenhuma jogada acontecia sem ele.

Após um período afastado, retornou em janeiro deste ano para gerir o orçamento curitibano, já no governo Eduardo Pimentel e Paulo Martins. Foi a partir de sua atuação que surgiu a PARS S.A, empresa destinada a gerir toda a privatização em Curitiba. Com isso, além da função de secretário de Finanças passou a ser o secretário extraordinário de Parcerias Público-Privadas e Concessões. Puppi não é apenas o Rei: ele foi e continua sendo a peça que define o destino de todo o tabuleiro.

 

Xeque inicial: o Pacotaço

O Plano de Recuperação Fiscal enviado à Câmara em 2017 foi o xeque-mate sobre os direitos dos servidores. Ao todo, foram 12 medidas que afetaram o funcionalismo público e toda a população curitibana, entre elas:

  • Congelamentos de planos de cargos e carreiras, incluindo transições da parte especial para a parte permanente do quadro, mudanças de área de atuação e classe, avanços verticais e horizontais, progressões entre referências e padrões, avanços lineares e por titulação, além da implantação de novos planos de carreira e respectivos enquadramentos.
  • Alterações no Regime Próprio de Previdência Social dos servidores municipais, estabelecendo aumento progressivo das contribuições dos ativos, de 22% em 2017 a 28% em 2023, e dos aposentados, de 11% a 14% no mesmo período.
  • Retirada de R$ 600 milhões do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC) e repasse ao Tesouro Municipal.
  • Criação da previdência complementar obrigatória; a oficialização do CuritibaPrev ocorreu em 2019.
  • Mudança da data-base de 31 de março para 31 de outubro.
  • Restrições na concessão e fruição da licença-prêmio.
  • Pagamento do 13º salário/gratificação natalina apenas de forma proporcional ao tempo de serviço.
  • Desvinculação da taxa de coleta de lixo do IPTU, permitindo cobrança independente, ampliando a arrecadação municipal.
  • Criação da Lei de Responsabilidade Fiscal Municipal, estabelecendo limites rígidos para gastos públicos, como o teto de 3,9% das despesas com pessoal para cargos em comissão e funções gratificadas. Na prática, essas regras reduziram a margem de investimento da Prefeitura em áreas essenciais como saúde, educação e assistência social. 

[…] Todas essas jogadas foram planejadas e executadas pelo Rei Puppi, determinando o movimento dos “peões” e limitando seu avanço. Para a administração, o discurso era de “equilibrar as contas”. Para os servidores, cada jogada estratégica aprofundou o arrocho e precarizou carreiras, consolidando Puppi como arquiteto do Pacotaço.

“Por isso, elaboramos em três meses um conjunto de leis e de medidas que ficou conhecido como o Plano de Recuperação de Curitiba. Entre elas, medidas de ordem previdenciária: Curitiba foi a primeira capital a contar com uma previdência complementar. Estabelecemos mecanismos para pagamento das dívidas. Modificamos a parte tributária do município, os nossos principais impostos. Tivemos alterações também nos planos de carreira que eram muito pesados”, afirmou Puppi ao receber o Troféu de Melhor do Ano durante o 7º Prêmio Gestor Público Paraná, realizado em 2019 pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita do Estado do Paraná (Alep). Reconhecimento obtido às custas das perdas dos servidores públicos.

Receita do município sob comando do Rei

Mesmo sob o argumento de crise, a receita municipal cresceu durante a gestão de Puppi, conforme dados da Prefeitura de Curitiba e da Secretaria de Planejamento, Finanças e Orçamento, via Lei Orçamentária Anual (LOA), 2017–2021:

  • 2017: R$ 8,32 bilhões
  • 2018: R$ 8,78 bilhões
  • 2019: R$ 9,39 bilhões
  • 2020: R$ 9,31 bilhões (queda pontual devido à pandemia da Covid-19, mas ainda assim um valor expressivo. Ou seja, mesmo no ano mais crítico da pandemia, quando houve retração da economia, a arrecadação municipal permaneceu em patamar elevado. É fundamental destacar que quem sustentou a cidade nesse período foram justamente os servidores públicos: profissionais que garantiram o funcionamento dos serviços essenciais, inclusive na saúde e na educação.
  • 2021: R$ 10,28 bilhões 

No total, foram arrecadados R$ 46,1 bilhões — aumento que se deu às custas da população e dos “peões” do serviço público, que continuaram sofrendo arrocho, perdas salariais e congelamento de carreiras. Apesar do crescimento de receitas, os servidores tiveram perdas salariais de 6,34% entre 2017 e 2019, e as carreiras permaneceram congeladas até 2023. No tabuleiro, as torres financeiras avançam, mas os “peões” permanecem parados, sujeitos às decisões do Rei Puppi.

 

Xeque-mate: extinção de carreiras

Em 2020, em plena pandemia, a Prefeitura enviou à Câmara um projeto de lei para extinguir 32 cargos da administração direta e autarquias, totalizando 2.589 vagas — 1.502 desocupadas e 1.087 ocupadas na época. Entre elas estavam cozinheiras, polivalentes e administrativos operacionais.

Embora os cargos tenham sido oficialmente extintos, os servidores foram remanejados para outras funções na educação, saúde, parques e praças, cemitérios, Fundação de Ação Social (FAS) e diversas secretarias, como segurança alimentar e obras e trânsito, mas continuam sofrendo desvalorização salarial e profissional. Todo esse movimento passou pelo Rei Puppi, reafirmando seu controle absoluto do tabuleiro e sua capacidade de decidir quem avança ou permanece parado.

Na mensagem nº70 enviada à Câmara, Greca e Pimentel justificaram:

“O amor à Cidade de Curitiba e aos seus Munícipes […] nos obriga a pensar no seu futuro e não haverá futuro sem que se proteja a responsabilidade fiscal. A supressão de cargos desnecessários e a proteção contra a utilização inadequada dessas vagas legais se inserem nesse contexto.”

E continuaram:

“Mas também não descuidamos de nossos servidores, que muitas das vezes não têm qualquer responsabilidade no fato de que a realidade levou seus cargos à obsolescência […] Para tanto, seus direitos ficam claramente resguardados, permanecendo no exercício de seus cargos até que se desliguem voluntariamente […] E enquanto permanecerem com seu vínculo ativo, continuarão a ser tratados como servidores iguais aos demais, sem discriminação, limitação ou perda de direitos.”

No xadrez de Curitiba, essa justificativa é o movimento do Rei mostrando proteção aos “peões”, enquanto controla totalmente o tabuleiro, decidindo quem avança e quem permanece parado.

 

Rei de volta em cena, jogo continua

Agora, Puppi retorna ao comando das finanças de Curitiba para dar continuidade ao arrocho iniciado em 2017, na gestão Rafael Greca/Eduardo Pimentel, e que segue em 2025 com Eduardo Pimentel/Paulo Martin. O jogo permanece travado para os servidores e para o serviço público, cujas pautas continuam bloqueadas, resultando em perdas não apenas para o funcionalismo, mas também para a população. Entre os principais impactos:

  • Reajuste das professoras de educação infantil: garantido por lei federal, ainda não implementado. A conta de 7,53% está vencida desde janeiro deste ano, sem sinais de movimentação.
  • Valorização das carreiras extintas (cozinheiras, administrativos operacionais, polivalentes e motoristas): promessa feita durante o projeto que extinguiu as carreiras, durante o primeiro mandato de Puppi não foi cumprida. A luta dos servidores é que haja reposição salarial de 20%.
  • Falta de concurso público: promessa de campanha do prefeito, ainda sem andamento.
  • Hora-atividade dos professores de educação infantil: direito previsto em lei, mas negligenciado pela Prefeitura Municipal.
  • Vale-alimentação universal: promessa do prefeito Eduardo Pimentel, mas sem movimentação alguma da Secretaria de Finanças.
  • Fim do desconto de 14% dos aposentados: promessa feita, mas segue parada, nas mãos da Secretaria de Finanças.

Cada uma dessas pautas está congelada sob veto direto do “Rei” do tabuleiro financeiro, que utiliza o argumento do “limite fiscal” do Pacotaço. Nenhuma peça se move sem seu aval.

Além das finanças, Puppi comanda também a pasta de Parcerias e Concessões, a PARS S.A, ampliando privatizações e terceirizações. Em março deste ano, o prefeito Eduardo Pimentel assinou o decreto 991/2025, criando a Secretaria Extraordinária de Parcerias Público-Privadas e Concessões, a PARS S.A. Na ocasião, Puppi destacou:

“Temos condições de propor uma estrutura desse nível após o trabalho de recuperação fiscal realizado nos últimos oito anos […] O objetivo será sempre oferecer à população um serviço de maior qualidade, com menor custo e menos burocracia.”

Apesar do discurso de austeridade ou da Lei de Responsabilidade Fiscal quando se trata do serviço e dos servidores públicos, os investimentos da atual gestão na iniciativa privada seguem em ritmo acelerado. Apenas neste ano, foram destinados R$ 6 milhões como capital inicial para a criação da PARS S.A., empresa municipal de parcerias e concessões, valor que já foi ampliado com um crédito adicional de R$ 3,3 milhões em setembro — totalizando R$ 9,3 milhões. Além disso, a Prefeitura destinará neste ano R$ 49 milhões ao Programa Voucher Educacional “Vale-Creche” e aprovou a criação de 49 cargos de confiança, com impacto superior a R$ 20 milhões até 2027. Somados, os aportes superam R$ 78,3 milhões, decisões de aportes feitas em apenas nove meses.

No tabuleiro de Curitiba, o Rei segue livre para avançar, enquanto os “peões” permanecem sacrificados. Se para a iniciativa privada as portas se abrem com milhões em aportes, para o serviço público o jogo é de estagnação e bloqueio. A partida não terminou, e os servidores seguem em luta, pressionando e mostrando quem é quem no verdadeiro jogo da política curitibana.