Rumo à 5ª Conferência Nacional de Direitos das Mulheres, trabalhadoras de todo o Brasil têm se mobilizado para construir coletivamente suas pautas. Em Curitiba, nesta sexta-feira (15), mulheres em situação de rua, em toda a sua diversidade, ocuparam o anfiteatro da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da UFPR para realizar a 1ª Conferência Livre para Mulheres em Situação de Rua e suas Diversidades, que teve como lema: “Mais Democracia, Mais Igualdade, Mais Conquistas para Todas”.
O evento foi organizado pelo Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), pelo Centro de Defesa da População em Situação de Rua e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, com a participação de representantes de mulheres em situação de rua de Curitiba, São José dos Pinhais, Londrina e Ponta Grossa, além de entidades sindicais e sociais — entre elas o SISMUC —, Defensoria Pública, administração municipal e parlamentares. No centro do debate esteve a dura realidade enfrentada pelas mulheres em situação de rua, incluindo egressas do sistema prisional e familiares de pessoas privadas de liberdade, revelando como a desigualdade social atinge de forma ainda mais severa a vida das mulheres.
O ambiente da Conferência refletia acolhimento e resistência. Cartazes produzidos por homens atendidos no Centro POP de Curitiba e frases escritas à mão no quadro da UFPR, como “A rua é muito rica”, deram o tom de um espaço coletivo, de luta e de construção política. Os debates giraram em torno dos quatro eixos da Conferência Nacional, moradia, educação, saúde e segurança.
Para Casturina da Silva Berquó, secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos do SISMUC, as falas revelaram não apenas as necessidades urgentes, mas também as falhas da gestão pública no atendimento à população em situação de rua. “Fortaleceram bastante a questão da moradia e da segurança. Também reforçaram a discussão sobre a falta de apoio da gestão e como a gestão trabalha com eles. Desde a FAS até a Guarda Municipal, falaram das agressões, dos espaços onde são mal recebidos, da questão de ter, por exemplo, pessoas que trabalham na FAS, que atendem pessoas em situação de rua, mas sem a devida formação para isso.”
Ao mesmo tempo, Casturina destacou a potência criativa e propositiva das mulheres que participaram da Conferência. “Tiraram uma ideia que achei maravilhosa: muitas delas estão estudando. Propuseram que se abrisse um curso preferencialmente para essas pessoas em situação de rua, para que pudessem se tornar educadores dentro da FAS, trazendo esse outro olhar para a situação.”
Os relatos emocionaram a dirigente sindical, que ressaltou a força e a coragem das participantes. “Na minha visão, por mais que a gente diga que deve se colocar no lugar dessas mulheres, mesmo tentando, nunca vamos chegar lá. A situação delas e o que enfrentam no dia a dia é muito particular. Ao mesmo tempo que é muito triste, é muito bonito ver a luta delas. Impressiona ver o quão fortes essas mulheres são.”
Para além do acolhimento e da escuta, Casturina reforçou que a presença do SISMUC tem um caráter estratégico na construção de políticas públicas inclusivas. “Quero destacar também a importância do SISMUC não apenas em participar desse debate, mas em apoiar. Acho fundamental que o sindicato esteja nessas lutas, porque, afinal de contas, somos sindicato, mas não somos uma ilha. É o Sindicato dos Servidores, estamos aí para servir a população.”
A avaliação positiva também foi compartilhada por Niuceia de Oliveira, coordenadora da Secretaria de Mulheres do SISMUC. Para ela, a Conferência marcou um divisor de águas. “Foi uma conferência belíssima, diria que a mais importante de todas. Construíram um espaço para as mulheres em toda sua diversidade, representando a realidade da situação de rua. A frase compartilhada nesta Conferência ‘a rua é muito rica’ expressa uma potência incrível desta realidade. Foi um movimento legítimo e reconhecido, que merece ser compartilhado com o mundo.”
Niuceia também ressaltou que, na Conferência, a necessidade da efetivação de políticas públicas ficou evidente. “Vale ressaltar a necessidade urgente de construção de políticas públicas de qualidade para atender as mulheres em situação de rua de Curitiba. Fica muito evidente a importância do investimento em ações que contemplem essas mulheres, respeitando suas necessidades, seus sonhos e seu protagonismo. Por isso, é fundamental ouvi-las.”
Além de sua simbologia, o encontro foi também um espaço de deliberação política. As propostas aprovadas serão encaminhadas à 5ª Conferência Nacional de Direitos das Mulheres, em Brasília. “Durante a Conferência foi aprovada uma moção de repúdio à retirada compulsória dos bebês das mulheres que estão em situação de rua, com a necessidade de criação do investimento em política pública que as resgate, atenda, que as respeite, que proporcione a elas as condições de habitação, de resgate de saúde para seguir cuidando dos seus filhos, ficando com elas o direito de optar em seguir cuidando do seu bebê ou de colocar para a adoção”, explicou Niuceia.
Mais do que uma etapa preparatória, a Conferência Livre reafirmou o direito das mulheres em situação de rua de serem protagonistas na luta por políticas públicas que garantam igualdade, democracia e dignidade. “Esses temas serão levados por nós enquanto representantes de Conselhos, como o Conselho de Assistência Social, CMAS, e o CMDM (Conselho Municipal de Direitos da Mulher). Como pauta reivindicatória para que se melhore e se avance nas políticas públicas e no atendimento à mulher em situação de rua, o qual é o estado mais vulnerável socialmente que uma mulher pode passar”, finalizou Niuceia.
A realidade das mulheres em situação de rua
Segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, em março de 2025 Curitiba contabilizava 4.209 pessoas em situação de rua cadastradas. Deste total, 430 são mulheres em vulnerabilidade: a maioria (336) tem entre 30 e 59 anos, mas há também 66 jovens de 18 a 29 anos, 27 idosas acima de 60 anos e 17 adolescentes com menos de 18 anos.