Legenda da foto: Fachada do Congresso Nacional, em Brasília. Crédito: Antônio Cruz / Agência Brasil
Compreender as atribuições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é fundamental para saber quem cobrar e como acompanhar as decisões que impactam todo o país
No Brasil, os poderes da República são divididos em três: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Poder Legislativo federal é exercido pelo Congresso Nacional, que é bicameral, ou seja, composto por duas Casas Legislativas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
O Congresso tem quatro funções: representativa, orçamentária, fiscalizatória e, a principal, a legislativa, por meio da qual propõe, analisa e aprova leis que impactam diretamente a vida de todos os brasileiros.
Por isso, é fundamental que a sociedade saiba qual o papel do Congresso e como ele funciona.
Representatividade: o Congresso como uma “amostragem do Brasil”?
De acordo com o professor fundador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, doutor em Direito da Regulação e presidente da Comissão de Estudos Institucionais do Supremo Tribunal Federal (STF) da OAB/RJ, Álvaro Palma de Jorge, a Constituição determina que todo o poder emana do povo e ele é exercido através dos seus representantes, por meio do que chamamos de democracia indireta.
O Congresso, em tese, deveria funcionar como uma amostragem do Brasil, com representantes que reflitam a diversidade da população. Contudo, não é isso que ocorre.
“A maioria das pessoas do Brasil não votou em alguém que considerou parecido consigo, provavelmente. Votou em alguém porque, primeiro de tudo, teve acesso e conhecimento de que essa pessoa existia. Só nisso, várias pessoas ficam para trás, por não conseguirem se apresentar como candidaturas viáveis”, afirma a advogada e mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Nahomi Helena.
Ela reforça que a falta de diversidade política é ainda alimentada por um ideal antigo de quem “pode” ocupar cargos públicos. “Esse ideal no imaginário público ainda vai muito para a figura de homens, de pessoas ricas e brancas, que acaba por não representar a população brasileira”, destaca Helena, que também integra a diretoria do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE).
Um exemplo disso é a baixa representatividade feminina na política, que não corresponde à realidade demográfica do Brasil. Segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 51,5% da população. Ainda assim, elas ocupam apenas 18% das cadeiras do Congresso Nacional. Dos 594 parlamentares (sendo 81 senadores e 513 deputados), apenas 107 são mulheres.
Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados é composta por representantes do povo, eleitos por cada estado e Distrito Federal (DF). São 513 deputados federais, com mandato de quatro anos. O número de parlamentares é proporcional à população do estado ou DF, com limite mínimo de oito e máximo de 70. No caso do Paraná, por exemplo, são 30 deputados federais.
Os parlamentares são eleitos pelo sistema proporcional. Primeiro, divide-se o total de votos válidos de um estado pelo número de cadeiras disponíveis, formando o “quociente eleitoral”. Cada partido conquista uma quantidade de cadeiras proporcional ao número de vezes que seus votos alcançam esse quociente. As vagas são então preenchidas pelos candidatos mais votados dentro de cada partido.
“O interesse da Câmara é representar o povo diretamente. Isso faz com que na Câmara nós tenhamos um maior debate de grupos específicos”, afirma a advogada, evidenciando a atuação das bancadas temáticas (como a Bancada da Bala, Evangélica, Ruralista, etc), que pautam o legislativo. “Bancada significa coletivo e coletividade significa força. Dentro do Congresso Nacional, é importante que as coletividades tenham força e que os debates aconteçam em relação às pautas prioritárias para o país e para a população.”
Senado Federal
Ao contrário do que ocorre na Câmara, cada unidade federativa tem o mesmo número de senadores, três. O objetivo é garantir o equilíbrio entre as unidades da Federação. No total, são 81 senadores, com mandato de oito anos.
A eleição para o Senado segue o princípio majoritário, o mesmo adotado para a escolha do presidente da República, governadores e prefeito, por exemplo. Ou seja, o candidato que recebe mais votos é o vencedor.
“A Câmara tem funções mais ligadas ao controle orçamentário e à proposição de leis. O Senado, por sua vez, tem papel importante no julgamento de autoridades e na sabatina de indicados a cargos como embaixadores e ministros do STF”, explica Helena.
Ela destaca ainda que o Senado exerce papel mais direto nos julgamentos políticos, como nos casos de impeachment, além de funcionar como uma Casa revisora, que analisa projetos de lei já aprovados pela Câmara.
Equilíbrio institucional e o papel fiscalizador do Congresso
A comunicação e o equilíbrio entre os três Poderes são fundamentais para a governabilidade em um regime presidencialista, como o Brasil. “Não existe espaço de poder vazio. No momento em que o Legislativo estiver sendo omisso, o Judiciário e o Executivo vão se apropriar desse espaço”, destaca Nahomi Helena.
De acordo com a advogada, o Legislativo detém hoje mais poder do que há uma década, especialmente no que diz respeito à destinação de recursos públicos, como no caso das emendas parlamentares. Essa mudança alterou o equilíbrio institucional no país.
“Antes, o principal trabalho do Congresso era fazer leis e fiscalizar o Executivo, o que gerava um compromisso maior com a estabilidade democrática, com o que estavam fazendo os outros poderes e com a forma como o Brasil estava funcionando. Quando o Congresso começa a deter tamanho poder diante do orçamento, os interesses mudam, porque a maior parte do tempo desses congressistas acaba sendo para pensar na destinação desse orçamento, quem vai receber essas emendas, quais são os projetos do seu estado que mais precisam de recursos”, aponta.
Esse cenário, segundo ela, enfraquece a atuação do Congresso como garantidor da estabilidade institucional. Outro problema é a influência de interesses financeiros poderosos (como bancos e setores do agronegócio) sobre os parlamentares, que dependem de financiamento para suas campanhas. Um exemplo é a Bancada Ruralista. Embora o setor seja vital para a economia, ele é controlado por uma minoria de grandes proprietários de terra, o que faz com que essa bancada represente interesses específicos, e não a população como um todo. Ao longo do tempo, alianças políticas acabam beneficiando esses grupos financeiramente mais fortes, que têm maior visibilidade, capacidade de financiamento e influência sobre as decisões do Congresso.
Por outro lado, para Helena, o parlamento têm reafirmado sua institucionalidade enquanto Poder Legislativo em diversas ocasiões, especialmente em momentos de crise. “O caso do tarifaço do Trump em relação ao Brasil mostrou uma atuação conjunta entre Poder Executivo e Legislativo, inclusive com os presidentes das duas casas manifestando unissonamente pela soberania nacional.”
No entanto, nem sempre essa atuação está alinhada aos interesses da maioria da população. Um exemplo é a tramitação de propostas de justiça tributária e taxação dos super-ricos, que encontra resistência no Congresso.
O professor da FGV concorda com essa visão. Ele explica que, se o Congresso atua de forma equilibrada e responsável, ele assegura previsibilidade ao processo político e estabilidade institucional, evitando excessos e abusos. Desde 1988, exemplifica o docente, o Congresso já instaurou diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que desempenharam papéis importantes na apuração de irregularidades e na proposição de mudanças legislativas.
No entanto, há momentos em que o Congresso atua de forma menos responsável, priorizando interesses que nem sempre parecem estar alinhados com os do país. “Todos os três poderes têm essa característica de poderem influenciar, de alguma forma, tanto nas mudanças constitucionais quanto na estabilidade institucional do país. Qualquer um pode ser um enfermeiro, um bombeiro ou um incendiário, dependendo da postura que toma”, alerta.
Além disso, segundo o especialista, o atual contexto de polarização política tem prejudicado a fiscalização de qualidade. “Hoje em dia, tanto no governo Bolsonaro quanto no do PT, a gente vê muita bagunça, barulho e agressividade sob o fundamento de que aquilo é atividade fiscalizatória e nem sempre isso corresponde a uma atividade fiscalizatória”, avalia.
O professor lembra que em um sistema democrático, o protagonismo de um ou outro Poder pode variar, mas o equilíbrio e a vigilância recíproca são pilares fundamentais da estabilidade constitucional. “Às vezes, você vai ter o protagonismo de um poder mais exacerbado e, em outros momentos, vai ter de outros. Isso é natural, faz parte do sistema democrático, mas o controle mútuo em uma busca de equilíbrio faz parte do permanente papel institucional e constitucional desses órgãos.”
O papel da população: por que acompanhar o Congresso?
A participação da sociedade nas atividades do Congresso Nacional é essencial para a democracia. Em um sistema representativo, deputados e senadores atuam em nome da população, e por isso precisam ser constantemente acompanhados e cobrados por ela.
Segundo o professor da FGV, a presença ativa da população no debate político é fundamental para o bom funcionamento das instituições. A advogada Nahomi Helena concorda e destaca que a imagem pública é um fator decisivo na carreira de qualquer parlamentar. Isso significa que, quanto mais a população fiscaliza e participa, menor é o espaço para desvios e maior é o compromisso com o interesse coletivo.
“Existe o interesse absoluto de qualquer parlamentar na sua imagem e reputação. O parlamentar chega e permanece lá pelo voto popular. O que determina a força de um parlamentar é o seu apoio popular, inevitavelmente. E essa imagem é construída diariamente”, afirma Helena.
Ela também ressalta a importância da transparência como um dos pilares da atuação pública. “Conhecimento é poder. Não à toa a gente tem dentro dos princípios fundamentais do Brasil a transparência. Pessoas públicas precisam agir com transparência em relação aos seus atos, seus gastos, tudo. Transparência é um fundamento justamente para que nós tenhamos este poder de ciência e de fiscalização”, destaca. “Tendo essa consciência, a gente sabe o que reivindicar.”
Nahomi ilustra a importância do conhecimento político com um exemplo cotidiano: “Muitas vezes, vemos cidadãos pedindo asfalto a vereadores, mas essa é uma responsabilidade da Prefeitura, não da Câmara Municipal. No momento que sabemos quem tem o poder de fazer qual coisa, a gente sabe o que pedir, para quem pedir.”
Jorge lembra que até mesmo em processos de nomeação para cargos importantes, como ministros do STF, há espaço para participação cidadã. “Há sempre a possibilidade das pessoas participarem, mandarem perguntas, posicionamentos aos senadores que vão participar daquela escolha.”
De acordo com os especialistas, existem diversas formas de exercer esse controle social sobre deputados e senadores:
- Participar de audiências públicas;
- Utilizar plataformas como o e-Cidadania e o Portal da Câmara para votar em propostas e participar de consultas públicas;
- Entrar em contato diretamente com os parlamentares por e-mail, telefone ou redes sociais;
- Denunciar irregularidades ao Ministério Público ou aos Tribunais de Contas;
- Usar as redes sociais pessoais para ampliar o debate e pressionar politicamente sobre temas de interesse público;
- Apoiar ou propor projetos de iniciativa popular, que exigem 1,5 milhão de assinaturas para tramitar no Congresso.
O SISMUC reforça que não possui nenhum vínculo político-partidário. Nosso compromisso é com a defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, e a valorização do serviço público. Por este motivo, vamos seguir publicando sobre temas que impactam direta ou indiretamente a vida dos servidores públicos.