Desigualdade salarial sofrida por mulheres negras escancara impactos do racismo e do machismo no Brasil

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Em julho, foi lembrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho. No Brasil, a data também homenageia Tereza de Benguela, líder quilombola que se tornou símbolo da resistência negra. O mês foi marcado por reflexões importantes sobre as múltiplas violências enfrentadas por essas mulheres, que seguem em luta por visibilidade, justiça social, equidade de oportunidades e respeito. Mas a pauta não pode se limitar ao calendário: é urgente seguir denunciando e combatendo desigualdades todos os dias. Entre elas, a desigualdade salarial se destaca como uma das expressões mais cruéis da interseção entre racismo, machismo e desigualdade social.

No mercado de trabalho, as mulheres negras convivem com a precarização, a informalidade, os subempregos e os baixos salários — reflexos de estruturas históricas que sustentam a exclusão racial e de gênero no Brasil e em toda a América Latina.

Essas desigualdades não são apenas estatísticas: elas têm cor, gênero e classe. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE, 2024), a população negra representa 56,7% do total de brasileiros. Entre os trabalhadores informais e os desempregados, essa maioria é ainda mais expressiva. As mulheres negras, em particular, continuam no topo da pirâmide da desigualdade: são maioria entre as ocupações de menor remuneração e com baixa proteção trabalhista.

No Paraná, os dados evidenciam essa exclusão histórica. O rendimento médio mensal, por recorte de raça e gênero, é:

  • R$ 2.154 para mulheres negras
  • R$ 3.225 para mulheres não negras
  • R$ 2.847 para homens negros
  • R$ 4.210 para homens brancos

 

A diferença mais acentuada ocorre entre mulheres negras e homens brancos: uma defasagem de R$ 2.056 — praticamente o valor de um salário mínimo. Em comparação às mulheres não negras, o déficit salarial é de R$ 1.071.

Segundo o relatório “A Distância que nos Une – Um Retrato das Desigualdades Brasileiras”, da ONG britânica Oxfam, se a tendência dos últimos 20 anos for mantida, a equiparação salarial entre negros e brancos no Brasil só será alcançada em 2089 — 200 anos após a abolição da escravidão.

 

Estudo acadêmico reforça os impactos da desigualdade salarial

A desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho também foi tema de um recente levantamento realizado por estudantes do curso de Psicologia do Centro Universitário UniDom Bosco. A pesquisa, feita por seis acadêmicos da instituição, evidencia os múltiplos desafios enfrentados pelas mulheres para alcançar a equidade salarial — desde a jornada tripla de trabalho até os efeitos emocionais decorrentes da desvalorização profissional. O conteúdo levantado pode ser conferido abaixo.

Políticas públicas e compromisso com a equidade

Para enfrentar esse abismo, é fundamental que o poder público e a sociedade compreendam que igualdade não é tratar todos da mesma forma, mas sim de forma justa. Isso exige políticas afirmativas e reparadoras.

Um passo importante foi dado com a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023), que determina que mulheres e homens recebam salários iguais para funções de igual valor. A norma representa um avanço, mas sua eficácia depende de fiscalização rigorosa, pressão social e comprometimento das empresas e sindicatos.

Em junho, a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, esteve em Curitiba durante uma atividade promovida pela Frente Feminista de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral, em parceria com o Centro + Cidadania + LGBTQIA+. Em sua fala, destacou a importância da mobilização coletiva para garantir que a lei não fique no papel:

“É muito importante que os sindicatos, as entidades, os movimentos sociais pensem em estratégias de como cobrar a implementação. Eu pedi para falar com o Mauro [ministro da Indústria e Comércio], porque ele tem que pôr as mulheres na agenda e dizer para as indústrias e para o comércio que agora é lei. Eles têm que cumprir.”

Em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, a jornalista Juliana Gonçalves reforçou que a situação das mulheres negras só não é mais grave graças à organização política dos movimentos negros. “Essa conjuntura só não está pior porque tem a luta da organização social das pessoas negras, que pressiona o governo e as empresas privadas.” Segundo ela, medidas como a Lei da Igualdade Salarial, a PEC das Domésticas e a ampliação das cotas raciais são avanços, mas ainda “incipientes para o tamanho do problema histórico”.

 

Caminhos para transformação

Para o SISMUC, garantir condições dignas de trabalho e renda para mulheres negras é essencial para promover autonomia econômica, qualidade de vida e superação das violências. Políticas públicas como expansão de escolas e CMEIs, acesso à moradia, transporte público de qualidade, formação profissional, cotas no setor privado e fortalecimento da economia solidária são fundamentais para romper o ciclo de exclusão. “Que possamos reafirmar diariamente: não há democracia com racismo, não há igualdade com desigualdade salarial, e não há justiça social sem o protagonismo das mulheres negras.”