Como a possível taxação dos Estados Unidos impacta os trabalhadores brasileiros

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

Legenda da foto: Tarifas de 50% impostas por Donald Trump devem afetar o dia a dia de milhares de trabalhadores brasileiros. Crédito: Alan Santos /PR – Agência Brasil

Tarifa anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, trará prejuízos a indústrias de diversos estados, inclusive do Paraná; governo federal tenta negociar

No início deste mês, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma tarifa de 50% aos produtos brasileiros que entrarem no país americano.

Se Trump não recuar, a taxa entrará em vigor na próxima sexta-feira, 1º de agosto, aumentando o nível de incerteza na economia brasileira e afetando o dia a dia de milhares de trabalhadores.

“No caso brasileiro, essa não é uma decisão apenas econômica. É uma decisão política”, avalia o professor João Alfredo Nyegray, doutor em Estratégia e Internacionalização e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). “Isso é evidenciado claramente na carta de Trump ao presidente Lula da Silva, na qual ele menciona, logo no primeiro parágrafo, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.”

Impactos

Os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do Brasil, ficando atrás apenas da China. Somente em 2024, as exportações brasileiras aos EUA, cujos principais produtos são combustíveis, óleos, minerais, ferro, aço, máquinas, aeronaves e café, atingiram mais de US$ 40 bilhões.

“O Brasil é o maior exportador mundial de café, de suco de laranja e de carne. Dificilmente o mercado interno brasileiro conseguiria absorver aquilo que não vai para os Estados Unidos. Mas eles já estão sentindo o efeito. O café lá já subiu 16%, a carne 18%. Então os prejuízos não são apenas nossos”, ressalta Nyegray.

Conforme um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), divulgado em 21 de julho, as tarifas podem resultar em perdas de até R$ 175 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ao longo dos próximos 10 anos. Além disso, elas colocariam em risco mais de 1,3 milhão de postos de trabalho.

Paraná

O Paraná figura entre os estados que devem ser mais afetados caso a medida de Trump passe a vigorar, ao lado de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Aqui, os setores que deverão ser mais prejudicados são os de produtos florestais (madeira, celulose e papel), café, açúcar e pescado. Isso porque, os Estados Unidos não apenas são o segundo maior parceiro comercial do Paraná, como estão entre os principais fornecedores do estado.

Segundo o governo do Paraná, o estado vende, em média, US$ 1,5 bilhão por ano em produtos aos Estados Unidos. Até junho de 2025 foram US$ 735 milhões. Os principais produtos são madeira e carvão vegetal, mas nos últimos quatro anos mais de 90 variedades de produtos paranaenses chegaram ao mercado norte-americano, como máquinas, combustíveis minerais, plástico, alumínio, açúcar, café, adubos, borracha, produtos farmacêuticos, móveis, peixes e óleos vegetais.

“O Paraná é muito intensivo na venda de produtos ligados à agroindústria, papel, celulose e automotivo para os Estados Unidos”, explica o professor da PUCPR. “Se nós não vendemos esses itens para lá, eles não são facilmente enviados para outros lugares, pois é preciso adaptar um produto para vendê-lo ao exterior. Se a gente não vende esses produtos para os Estados Unidos, muitos produtores vão deixar de produzir. No caso do suco de laranja, por exemplo, muitos produtores já falaram que vão deixar as frutas apodrecerem no pé, porque não compensa colher para tentar vender em outro lugar.”

Essa situação, segundo Nyegray, pode gerar um impacto não apenas econômico, mas nos postos de trabalho. “Pode ser que no médio prazo nós tenhamos dificuldades em manter os empregos daqueles que trabalham em setores que destinam seus itens para os Estados Unidos.”

No mesmo sentido, um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) aponta que o Paraná tem superávit de US$ 108,640 milhões na balança comercial com os Estados Unidos. O país americano corresponde a 6,8% das exportações paranaenses, sendo que no ano passado, os produtos mais exportados foram cortiça e madeira, maquinário, café e couro.

Embora as tarifas ainda não tenham entrado em vigor, os efeitos práticos da medida de Trump já estão sendo sentidos no estado. A empresa paranaense BrasPine, que fabrica produtos à base de madeira, deu férias coletivas para 1,5 mil funcionários, mais da metade do total de trabalhadores, na tentativa de salvar empregos. A Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) divulgou uma nota em que alerta sobre as dificuldades impostas pelas tarifas e, à CNN Brasil, afirmou que elas podem causar uma redução na produção da indústria madeireira, impactando o trabalho no setor, que emprega mais de 38 mil pessoas no estado.

Servidores públicos municipais

Na opinião de Nyegray, os servidores públicos podem ser afetados indiretamente caso as tarifas persistam. “Se temos no Brasil uma situação de emprego menor, incerteza econômica, podemos ter problemas nos juros, no crescimento de PIB, o que certamente afeta os servidores públicos, não apenas municipais, na medida em que eventuais progressões de carreira e aumentos de salário, por exemplo, podem ficar travados a partir de uma dificuldade de arrecadação do poder público.”

O professor explica que, embora as exportações não sejam tributadas, as taxas de Trump podem ter reflexo na arrecadação municipal. “Se a gente deixa de vender, deixa de produzir. E se deixa de produzir, o Estado arrecada menos”, destaca Nyegray. “Mesmo que o Paraná e Curitiba tenham as contas públicas mais equilibradas que o governo federal, isso não quer dizer que no médio e longo prazo nós não sejamos impactados.”

Entenda o tarifaço

Por meio de uma carta pública divulgada nas redes sociais em 9 de julho, Donald Trump disse que iria retaliar o Brasil devido ao que chamou de perseguição da Justiça brasileira ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu apoiador e aliado político, que está sendo julgado por tentativa de golpe de Estado.

O presidente americano também falou em preocupações com a liberdade de expressão e com decisões da Justiça brasileira envolvendo plataformas de redes sociais dos EUA, como a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para que fossem retiradas do ar postagens e contas com conteúdos considerados antidemocráticos.

Trump ainda criticou barreiras brasileiras ao comércio e disse que os EUA têm prejuízos econômicos na sua relação com o Brasil. No entanto, dados da Amcham Brasil mostram que a relação comercial entre os dois países segue crescendo e que, ao longo do primeiro semestre deste ano, o superávit comercial dos EUA em relação ao Brasil alcançou US$ 1,7 bilhão, um aumento de cerca de 500% em comparação com o mesmo período de 2024.

“O America First, promessa de campanha de Trump, tem um viés protecionista que se manifesta pela imposição de tarifas, pelo fechamento do país aos estrangeiros. Ele já havia anunciado tarifas em outros contextos para uma série de países”, afirma Nyegray. “Mas o Brasil é um país deficitário em relação ao comércio com os Estados Unidos. Nós compramos mais deles do que vendemos. E é exatamente por isso que tarifar o Brasil não faz sentido do ponto de vista econômico, o que nos mostra o caráter político desse tarifaço.”

Resposta brasileira

O governo brasileiro considerou as tarifas unilaterais de Trump como uma ameaça à soberania nacional e uma tentativa de interferência no Poder Judiciário, uma vez que elas estão condicionadas ao andamento do processo contra Bolsonaro.

Isso levou a uma resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que afirmou que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”. Lula continuou dizendo que “o processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”.

O Brasil chegou a denunciar o tarifaço à Organização Mundial do Comércio (OMC), afirmando que as tarifas estão sendo usadas como ferramenta para pressionar governos e interferir em decisões judiciais.

Mesmo com a retaliação de cunho político – e não apenas econômico – dos EUA, o Brasil segue tentando diálogo e negociações com a administração trumpista. Por outro lado, o governo também está desenvolvendo um plano de contingência em resposta às tarifas. As possibilidades estudadas incluem a criação de um programa de apoio a empresários afetados com a taxação e a quebra de patentes norte-americanas, que permitiria a fabricação pelo Brasil de produtos similares aos desenvolvidos pelos EUA, sem ter que pagar pelos direitos de propriedade.

Essa é uma das preocupações da indústria farmacêutica com uma eventual resposta brasileira ao tarifaço. “O Brasil é o principal mercado farmacêutico da América Latina, com uma participação muito grande de empresas internacionais que estão aqui. Caso o Brasil suspenda os direitos de propriedade intelectual, seria possível tirar licenças de medicamentos, o que abriria espaço para que outros fabricantes brasileiros fizessem itens que hoje a gente traz dos Estados Unidos ou que são fabricados exclusivamente por empresas estadunidenses”, comenta Nyegray. 

A medida é respaldada pela Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada pelo Congresso Nacional em abril, que estabelece critérios de proporcionalidade para a adoção de medidas em resposta a barreiras impostas a produtos e interesses brasileiros.

“O Brasil, hoje, não tem abertura com a Casa Branca, e isso é muito grave, porque essa seria a primeira via: de negociação. A segunda alternativa seria buscar apoio de setores privados norte-americanos que seriam afetados pelas tarifas nos produtos brasileiros, como o da construção civil e o alimentício, que já começaram a sentir os aumentos de preço por lá”, afirma o professor da PUCPR.

Embora este seja um período de instabilidade e incertezas econômicas para os brasileiros, a posição do governo federal é clara: nosso país não aceitará ser subordinado. O respeito à soberania, às instituições e à democracia do Brasil é inegociável.

O SISMUC reforça que não possui nenhum vínculo político-partidário. Nosso compromisso é com a defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, e a valorização do serviço público. Por este motivo, vamos seguir publicando sobre temas que impactam direta ou indiretamente a vida dos servidores públicos. 

*Matéria atualizada em 30 de julho para inclusão de informações adicionais.