Segundo dados do Censo Escolar 2023, a rede municipal de educação em Curitiba contava com mais de 6,7 mil crianças com algum tipo de deficiência em 2022. Apesar dos avanços na legislação e nas políticas públicas, que preveem o direito à inclusão de qualidade nas escolas e estabelecem a necessidade de serviços de apoio especializado, mães, pais e responsáveis afirmam que a capital paranaense tem muito a avançar para garantir a plena inserção nos espaços educacionais e o pleno desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças e adolescentes.
“Para nós, que temos crianças com deficiência, a luta vai além de ter a vaga garantida na escola. Enfrentamos a falta de estrutura nas escolas, a ausência de profissionais capacitados e a constante batalha por respeito e inclusão de fato”, desabafa Rafael, pai de uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista). Já Carla, mãe de uma criança com deficiência visual, relata: “É triste ver meu filho enfrentando barreiras diárias na escola, desde a falta de materiais adaptados à realidade dele até a falta de alguém preparado para acompanhar ele. Precisamos de mais apoio e conscientização”.
Para Juliana Mildemberg, coordenadora do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (SISMUC), é fundamental garantir a presença e a participação plena dessas crianças no ambiente escolar, não apenas para seu desenvolvimento individual, mas também para a quebra de estigmas e preconceitos, fortalecendo os laços de empatia e solidariedade na comunidade. Contudo, o Sindicato destaca que o poder público, incluindo a prefeitura, a secretaria de educação e o DIAEE (Departamento de Inclusão e Atendimento Educacional Especializado), precisam compreender isso e atuar com ações efetivas para garantir a inclusão verdadeira.
“É crescente o número de crianças com deficiência buscando escolas e CMEIs em Curitiba, isso é muito importante. Mas, tristemente, temos a gestão falhando em garantir o acompanhamento especializado e contínuo dessas crianças. Hoje, temos profissionais de apoio, estudando o nível médio ou magistério, que ficam apenas 4 horas em sala. Ou seja, temos um estagiário cuidando das nossas crianças, e não um professor de educação infantil, com formação específica”, afirma o Sindicato.
Ainda segundo o SISMUC, cerca de 70% das crianças matriculadas na rede municipal estão sem tutor. “Temos salas de CMEIs com até sete crianças com deficiência, acompanhadas por apenas um estagiário e 2 professores em uma turma com 32 crianças matriculadas. O ideal seria diminuir o número total de crianças na sala, retirar o estagiário e colocar mais um professor de educação infantil. Isso garantiria a qualidade do acompanhamento e do ensino, com a devida execução de um planejamento adequado para as especificidades de cada criança e, também, estabelecendo e fortalecendo o vínculo entre profissionais e alunos, além da garantia que esse profissional estará o dia todo com a turma e não apenas 4 horas como é hoje com o estagiário”.
Durante uma audiência pública sobre “A necessidade do atendimento educacional especializado”, realizada na Assembleia Legislativa do Paraná em maio de 2023, Flávia Manuella de Almeida, coordenadora do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne) da UFPR, reforçou que o estágio é para aprender algo. Ao contratar um estagiário para o cargo de apoio, ele, na verdade, não estará desenvolvendo sua função de apoiar a criança, pois ambos estarão ali para aprender. Ela exemplificou que uma inclusão mal feita pode gerar dependência, citando o caso de um aluno com dislexia que, “devido ao acompanhamento ineficaz de um tutor, chegou aos 15 anos sem saber ler e escrever, demonstrando a falta de preparo dos profissionais envolvidos”.
Medida paliativa
Em 2023, a gestão Greca sancionou uma lei criando o cargo de Agente de Apoio Educacional. Apresentada como uma forma de melhorar o suporte às crianças com deficiência nas escolas e CMEIs, desde a alimentação, higiene pessoal, descanso, locomoção até a segurança individual e coletiva, a medida levantou diversos questionamentos por parte de entidades e pais, entre eles, a formação exigida e os critérios de contratação.
Durante a aprovação da lei, parlamentares de oposição à gestão Greca apresentaram uma emenda que apontava como critério de formação a pedagogia ou o magistério. No entanto, a proposta foi rejeitada pelos vereadores, ficando estabelecido como critério apenas o que constava no projeto original apresentado pela Prefeitura, o ensino médio. Com a falta de formação e capacitação adequadas para atender aos alunos com deficiência, entidades pautam o risco à qualidade do serviço oferecido, e como isso poderá impactar negativamente no pleno desenvolvimento e inserção da criança no ambiente escolar.
Outro ponto crítico é o formato de contratação, via Processo Seletivo Simplificado (PSS). Indo na contramão do que havia sido anunciado na aprovação da lei, de que seriam realizados concursos públicos para o preenchimento das vagas, a Prefeitura abriu em março deste ano o edital que prevê o preenchimento de apenas 430 vagas para o cargo. O método, além de não resolver o problema, causa outros, como a falta de estabilidade do profissional nos espaços, e, por consequência, a falta de vínculo, conexão, com a criança, uma vez que o contrato por ser temporário, poderá ser encerrado a qualquer momento.
“Essas crianças precisam ter vínculo com o profissional, não podemos ter essa ruptura a qualquer momento. A conexão entre o professor e a criança com deficiência é essencial para o sucesso da inclusão educacional. Além de contribuir para o desenvolvimento emocional e social da criança, essa relação fortalece a autoestima, a motivação para aprender e a integração com os demais alunos. Permite também uma melhor compreensão das necessidades específicas de cada criança, possibilitando ao professor adaptar suas práticas pedagógicas de forma mais eficaz, promovendo assim uma educação inclusiva e de qualidade que respeite a diversidade e proporcione oportunidades de desenvolvimento integral a todos os alunos”, destaca Juliana.
Para Sara, mãe de uma criança com deficiência visual atendida no CMEI, é essencial que a Prefeitura de Curitiba reavalie sua estratégia de contratação e priorize a formação adequada e a estabilidade dos profissionais. “A inclusão do meu filho e de outras crianças exige um compromisso sério e duradouro, que só será possível com profissionais capacitados. O futuro das crianças com deficiência depende de um olhar mais afetuoso para essa realidade”.
Na justiça
Em 2017, a gestão Greca optou por substituir professores de educação infantil por estagiários, inclusive por estudantes de Psicologia e Pedagogia, medida que foi duramente questionada pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP), que argumentou que não se tratava de estágio, mas sim de utilização de mão de obra barata. E, não parou por aí: a partir de denúncias da população, de vereadores de oposição ao Prefeito e órgãos públicos que atuam na área, essa ação desorganizada da Prefeitura resultou em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público, cobrando a necessidade de profissionais qualificados, e não estagiários, para essas funções.
Paralelamente, a Secretaria Municipal de Educação enfrentou diversos processos individuais movidos por pais que buscavam tutores para seus filhos, especialmente em casos de crianças com deficiência, como Síndrome de Down ou Transtorno do Espectro Autista, que requerem um acompanhamento personalizado.
“Fazer a inclusão das crianças com deficiência é ir além da presença na escola; é garantir profissionais capacitados e ferramentas adequadas para todos.”