“Quem vê cara não vê coração”: Curitiba conta com 322 favelas e mais de 58 mil famílias esperando por uma moradia digna

Morar de forma digna, com acesso a todas as políticas públicas, é um direito básico de todos, independente da classe social, raça ou gênero. No entanto, muitas pessoas enfrentam dificuldades devido ao alto preço do aluguel e ao desemprego, sendo obrigadas a viver em locais precários e inseguros, como embaixo de pontes e viadutos, ou próximas aos rios. A falta de moradia adequada está, muitas vezes, entrelaçada a outros problemas, como a insegurança alimentar e nutricional, acesso precário à água encanada, energia elétrica e saneamento básico, além de outras questões como o acesso aos serviços públicos essenciais, como educação, saúde, cultura e lazer.

Essa realidade de desigualdades com a falta de moradia é sentida na maioria das cidades. Em Curitiba, os dados da “Pesquisa de Necessidades Habitacionais do Paraná 2023”, divulgada pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), revelam um déficit habitacional de 90 mil casas. Além disso, há 322 favelas na capital paranaense, onde vivem 43.461 famílias, e outras 7.400 em 93 loteamentos irregulares. A fila por uma moradia popular da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) conta com 58.781 famílias, a maioria com renda de até dois salários mínimos.

Um exemplo da luta por um lar digno vem das cerca de 300 famílias que vivem na ocupação Vila União, no bairro Tatuquara, desde maio de 2021. A área, que estava abandonada e com dívidas fiscais, pertencia à empresa MDR S.A. Administração e Participação. Atualmente, o futuro dos atuais moradores está na justiça. 

Moradora da Vila União há mais de 2 anos, Claci Postal, ou apenas dona Gla, relata que são muitas as dificuldades enfrentadas na ocupação. “Aqui temos problemas com água e luz,  muitas vezes acaba do nada, e saneamento básico é complicado, não tem. O acesso à saúde e à educação conseguimos, mas vagas para creches está difícil”. Ela finaliza dizendo: “o aluguel é muito caro, então decidi ir para a ocupação. Meu sonho é conquistar minha casa própria, meu cantinho, minha hortinha, ter um lugar seguro para a minha filha, para minha família”.

Apesar das iniciativas da gestão municipal, como a adesão ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do governo federal, e a construção de conjuntos habitacionais com recursos do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS), ainda há muito a ser feito para resolver o déficit habitacional, como garantir a implementação de uma secretaria de habitação em Curitiba, com políticas públicas e orçamentos próprios, garantindo, também, a efetiva regularização fundiária dos lotes ocupados atualmente e a construção de casas.

Em entrevista concedida recentemente ao jornal Brasil de Fato Paraná, a advogada e doutora em políticas públicas Mariana Auler destacou que, historicamente, Curitiba depende principalmente das políticas do governo federal para investir em projetos habitacionais. “A gente tem toda essa trajetória de ficar a reboque das políticas do governo federal. Então, os momentos mais relevantes de produção habitacional popular foram associados ao Banco Nacional da Habitação ou ao programa Minha Casa Minha Vida”. Ela acrescenta que “Curitiba é um município rico, então tem condição de alocar recursos para esse fim”.

Para o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba, o SISMUC, é crucial superar as aparências e enfrentar as desigualdades que persistem nas ruas da cidade, especialmente nos bairros periféricos. “Garantir o direito à cidade para todos passa pela criação de políticas públicas inclusivas e pelo desenvolvimento urbano equitativo em todas as áreas da cidade. Mais do que garantir moradia digna para suprir o déficit habitacional em Curitiba, é preciso assegurar políticas públicas estruturantes, incluindo acesso a serviços de qualidade, como a moradia, saneamento básico, água, educação, saúde, cultura, lazer e transporte”.