De cidade modelo e referência, para a capital com a passagem mais cara do Brasil — Curitiba falha em cumprir sua promessa de eficiência no sistema de transporte coletivo

Ao adentrar nos ônibus abarrotados e nos terminais congestionados, é impossível ignorar a nova realidade que se revela sob Curitiba: a ineficácia do sistema de transporte público. Possuímos a tarifa mais cara entre as capitais do país, custando R$6,00 a viagem.

Como se já não bastasse o valor alto, uma das reclamações constantes dos passageiros é a lotação dos ônibus, que se tornam uma lata de sardinha principalmente nos horários de pico. Além do tempo de espera nos pontos e tubos. Outro problema é a limitação na forma de pagamento nos ônibus convencionais, que agora só aceitam o cartão transporte e cartão por aproximação, extinguindo a função do cobrador que recebia o dinheiro em cédula. Não à toa, o número de usuários vem caindo nos últimos anos, e está pelo menos 26% menor.

A população que utiliza o transporte coletivo notou a piora na qualidade do serviço, mesmo que a Prefeitura de Curitiba continue injetando dinheiro público no setor privado de transporte. Em 2022, por exemplo, foi aprovado o repasse de crédito adicional suplementar de mais de R$ 174 milhões para empresas do transporte coletivo com a justificativa de equilibrar os valores da tarifa social de R$ 5,50 e a técnica, de R$ 6,36. O que vimos, poucos meses depois, foi o aumento da tarifa social para R$6,00. Ou seja, a população pagou o pato duas vezes. 

“Enquanto a Prefeitura continua valorizando o setor privado e retirando dinheiro dos cofres públicos, os problemas enfrentados no transporte, educação, saúde, assistência social e segurança pública, continuam afetando todos os curitibanos”, aponta Juliana Mildemberg, coordenadora geral do SISMUC.

Nova licitação 

Atualmente, são 10 empresas à frente da Rede Integrada de Transporte de Curitiba e, quase todas pertencem a uma mesma família, como foi mapeado pelo jornal Plural. A família Gulin detém 64% das receitas e do transporte de passageiros em Curitiba. 

À época, entidades sindicais se mobilizaram e questionaram a falta de concorrência na licitação. Como informa Sandro Silva, economista do Dieese-PR: “As empresas que já atuavam aqui acabaram se dividindo e elas acabaram dominando e não havia concorrência nenhuma”.

Em 2025 uma nova licitação deve ser feita. Pensando nisso, a Câmara Municipal de Curitiba criou a Frente Parlamentar da Nova Concessão do Transporte, para elaborar os novos editais de licitação. 

Em entrevista ao SISMUC, Laís Leão, arquiteta e urbanista e mestre em Gestão Urbana, aponta os principais pontos que ela acredita que precisam constar na licitação. O ideal seria que o processo licitatório fosse dividido em competências, pois hoje ficam concentradas na mesma empresa. Por exemplo, que a empresa responsável pelo ônibus seja apenas pelo ônibus e, outra empresa responsável pelo terminal seja responsável apenas pela gestão do terminal. 

Outro fator interessante para ser incluído é o da integração temporal, permitindo ao usuário pagar uma passagem e utilizar qualquer ônibus, quantas vezes quiser, por determinado período de tempo. “O que acontece ali na [estação] Eufrasio Corrêa, que você chega com o Santa Cândida/Capão Razo e se precisa pegar o Centenário/Campo Comprido do lado invertido, você tem que pagar uma segunda passagem, né?” Com a integração temporal, o usuário não precisaria ir necessariamente até um terminal ou um ponto conectado para trocar de linha, encurtando o tempo de deslocamento. 

Curitiba enxuga gelo ao invés de propor novas alternativas 

Laís também menciona outras soluções, como uma passagem que possa ser utilizada com desconto, de acordo com uso semanal ou mensal do passageiro, de maneira programada. Curitiba, que se gaba por ser uma “cidade inteligente”, está defasada neste aspecto e não implementa uma tecnologia que já é consolidade em várias cidades do mundo.
É também fundamental estimular os estudos sobre novos modais na cidade, como o metrô, o VLT e VLP (Veículos Leves sob Trilhos e Pneus). Esses veículos oferecem uma série de vantagens, sendo opção atraente em áreas urbanas. Eles reduzem significativamente as emissões de poluentes, são mais ágeis e proporcionam mais conforto e acessibilidade. Além de poder conectar mais rapidamente Curitiba com a Região Metropolitana. 

Questionamos à Laís porque até hoje os projetos para novos modais ainda não saíram do papel. “Isso não aconteceu até hoje por desenhos precários de projeto, as propostas não resolvem os problemas da cidade. Eles acabam tentando substituir o modelo do BRT, quando na verdade eles deveriam ampliar o modelo de transporte, sabe? Não adianta você substituir uma linha de BRT, tem que criar modelos que aumentem a possibilidade de uso”, afirma. 

A região sul de Curitiba é a que possui maior gargalo relacionado ao transporte público,e as pessoas que moram no Pinheirinho, por exemplo, não conseguem acessar o resto da cidade de maneira justa e com um tempo razoável. “Então, por exemplo, o projeto do novo VLT, que está sendo feito ali no Eixo Bloqueirão, ele pretende substituir o BRT. É trocar seis por meia dúzia, você aumenta, você melhora o trânsito ali em alguns pontos, aumenta talvez um pouco da velocidade, aumenta um pouco da capacidade, mas você não resolve o problema de uma maneira mais incisiva”, para Laís, isso é enxugar gelo. 

Ainda na região sul nos deparamos com um “elefante branco”: o terminal Tatuquara, que não se conecta com nenhuma outra região de Curitiba, servindo de convergências apenas com o terminal Pinheirinho e CIC. “Ele é um grande ponto final, em que os ônibus que passam pelas vilas do Tatuquara, o ponto final deles é no terminal. A única integração desses ônibus é no Pinheirinho que já era o ponto final dessas mesmas linhas”, declara Mildemberg.

Dificuldades de acesso para a população periférica

Durante o seminário “Mobilidade Urbana: Histórico e Desafios”, que aconteceu na Câmara de vereadores em abril deste ano, Tainá Andreoli Bittencourt, doutora em Engenharia de Transporte, ressalta que o cenário é ainda mais prejudicial quando fazemos o recorte de raça, classe e gênero. Uma mulher negra, com renda salarial baixa, dispõe de metade ou mais da metade dos seus gastos mensais para se locomover diariamente. “Se essa mulher tem um, dois ou três filhos, teria que comprometer 25%, 50%, 75 % do seu orçamento apenas com o transporte público […], o que indica um não acesso à cidade, uma falta de possibilidade de acesso ao transporte público, e, consequentemente, às diferentes regiões da cidade”.

Tainá reforça ainda que as pessoas da periferia demoram três vezes mais para acessar o mesmo número de oportunidades do que as pessoas que moram no Centro, ou que as pessoas de classe baixa, negra, têm uma dificuldade três vezes maior para acessar o mesmo número de oportunidades que classes altas e brancas.

Tarifa Zero

Diante desse cenário, a proposta de Tarifa Zero no transporte público surge como uma luz no fim do túnel, uma oportunidade de acesso digno e igualitário aos meios de locomoção. Em entrevista concedida ao programa Quarta Sindical da Central Única dos Trabalhadores do Paraná, Sandro Silva, economista do Dieese-PR, elenca os impactos de se estabelecer a tarifa zero. O primeiro impacto seria o aumento da renda disponível, afinal se deixa de gastar com o transporte público e aumenta o consumo em outras áreas. “Impacta diretamente o trânsito da cidade. Possivelmente, a gente terá um trânsito melhor, tendência a reduzir os acidentes, redução dos gastos de saúde, que acaba gerando a questão tanto dos acidentes como a questão da poluição”, completa Sandro.
A Proposta de Emenda à Constituição 25/2023, de autoria da deputada Luiza Erundina (Psol-SP), propõe a criação de um sistema de transporte público universal e gratuito para os brasileiros. O sistema poderá ser financiado a partir das receitas de exploração de estacionamentos públicos e contribuições decorrentes de valorização imobiliária resultante de investimentos públicos em mobilidade.

No âmbito municipal o debate também acontece. A Comissão Especial do Transporte, formada por vereadores e vereadoras, já discute maneiras de viabilizar o subsídio para o valor total da tarifa para os usuários. 

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Por que as calçadas de Curitiba são tão ruins?

Como está o asfaltamento e a manutenção das calçadas na rua da sua casa? Dependendo da região de onde você mora, essa resposta pode variar. Calçadas desniveladas, pedras soltas, buracos e até mesmo a ausência absoluta de calçamento fazem com que os pedestres precisem caminhar com atenção redobrada para não tropeçar e acontecer um acidente. Foi o que aconteceu com Madalena dos Santos, 55 anos. Ao andar pelo Centro, acabou caindo em um paralelepípedo solto e machucou o joelho. “Estava me aproximando do ponto de táxi e não notei que a calçada estava solta. Caí e o taxista me ajudou a levantar. Ele mesmo notou que meu joelho sangrava. Precisei ir ao hospital e levei ponto no machucado”, conta. 

E de quem é a responsabilidade do calçamento?

Esse é um embate no município. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que é uma lei federal, diz que é responsabilidade do poder público viabilizar a acessibilidade urbana — o que inclui calçadas. Porém, as legislações municipais, inclusive a de Curitiba, dizem que é responsabilidade do proprietário a construção, manutenção e conservação. 

Na prática, a Prefeitura faz o calçamento nas áreas de maior fluxo de pessoas, perto de escolas e estações de ônibus, por exemplo. Mas, em torno de áreas mais residenciais e distantes do centro, o mesmo não acontece. 

Laís Leão acredita que isso deveria ser uma prioridade da mobilidade, incentivando que as pessoas façam seu deslocamento a pé. “A atual gestão acredita que asfaltar é muito mais politicamente interessante do que fazer calçada e o orçamento público acaba sendo maior em asfaltamento e, muitas vezes, um asfaltamento repetitivo, nas mesmas ruas”, para ela, isso acaba aprofundando ainda mais as desigualdades em termos de acesso à cidade.

 

Mesmo anunciando a requalificação da malha viária de Curitiba, por meio de asfalto em diversos bairros — 1.052 km de intervenções segundo a Prefeitura, nota-se que elas acontecem somente nas avenidas de grande tráfego. Basta entrar nas ruas paralelas, que saem do perímetro comercial e adentram áreas mais residenciais, para ver que o asfalto parece mais uma colcha de retalhos. Bairros como Boqueirão, CIC e Bairro Alto não recebem o mesmo cuidado quando comparados aos bairros da “região nobre”. Entre os 10 serviços mais demandados no mês de abril/2024 pela Central 156 está o de pavimentação, o que demonstra a necessidade enxergada pelos curitibanos.

O custo médio por quilômetro novo é R$ 1 milhão. E aí, você acha que esse dinheiro está sendo bem investido?