Recentemente, foram publicados os resultados de um estudo do Instituto Cidades Sustentáveis que mostra as desigualdades sociais entre as capitais brasileiras. A partir dos dados, a Prefeitura de Curitiba divulgou erroneamente que a capital paranaense é a mais igualitária do país. O intuito do estudo é o de entendermos melhor porque vivemos em um dos países mais desiguais do mundo. Apesar de ocupar o primeiro lugar geral, isso não significa que seja a capital mais igualitária.
O estudo também aponta problemas em áreas como desigualdade salarial por gênero, erradicação da desnutrição infantil, acesso à energia elétrica, investimento público em infraestrutura e quantidade de equipamentos esportivos públicos. Embora a cidade tenha indicadores relativamente positivos em comparação com outras capitais, problemas urbanos são evidentes, especialmente em bairros fora da rota turística. A configuração como Curitiba foi construída, reforça os estereótipos das hierarquias sociais e da supremacia de determinada parte da população em detrimento de outra (como é o caso da população em situação de rua).
Um relatório publicado em 2020 pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) indica que Curitiba está entre as cidades latino-americanas com níveis mais elevados de desigualdade de renda.
O estudo realizado por Tainá Bittencourt, engenheira civil e doutora em Engenharia de Transporte, corrobora com o relatório da ONU. Em sua pesquisa, Tainá constatou que maior a concentração de pessoas de classe alta branca está na região Central, onde estão as oportunidades de emprego e perto de onde estão as melhores condições de transporte público coletivo. Já as pessoas negras e com menor renda salarial estão nas periferias urbanas. Normalmente são essas as regiões que têm as piores condições de serviços ou de infraestrutura urbana. E também são as que recebem menos investimentos públicos.
A partir de dados da Secretaria Municipal de Obras Pública, o estudo da engenheira mostra que o Caximba (bairro da região sul), recebe anualmente uma média de R$ 20,00 por habitante para obras de infraestrutura. Já o Batel, recebe no mesmo período e para os mesmos investimentos, cerca de R$205,00 por habitante. A realocação das verbas públicas contribuem para a desigualdade social.
População em situação de rua
Organizações da sociedade civil comprometidas com a População em Situação de Rua (PSR) estimam que existam mais de 6 mil PSR em Curitiba atualmente. No entanto, o número não é oficial, pois nunca houve um censo para obter o levantamento — ao contrário de cidades como São Paulo e Belo Horizonte que já o fizeram.
Para a assistente social, Antonia Liliane Rodrigues, servidora pública da FAS há 12 anos e membro da direção do SISMUC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba) e do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), é preciso pensar em diretrizes que tornem essa cidade realmente acolhedora e humanizada. Para ela, a questão da moradia é o primeiro direito. “Você tem que [ter onde] morar, depois você organiza o resto. A FAS não tem essa prerrogativa de ofertar moradia, nossa prerrogativa é outra. Mas, nós precisamos dialogar com a política pública da habitação no município. Esse jeito de tratar a população em situação de rua, Curitiba nunca encarou o problema de frente, sempre colocou embaixo do tapete. Nós temos pessoas em situação de rua e precisamos atendê-las com qualidade, com servidores concursados e com orçamento para assistência social”.
Assistência social em colapso
No final do ano passado, a gestão municipal sancionou a Lei Orçamentária Anual (LOA), definindo que o município teria R$ 12,9 bilhões de orçamento para 2024. Deste valor, apenas 2,36% foi destinado à assistência social. Na consulta pública para a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2024, realizada no 2º semestre do ano passado, foi a primeira vez que a assistência social apareceu entre as três áreas mais votadas, saindo da 5ª para a 2ª posição, com 23,5% dos votos. Isso demonstra como a população curitibana encara como prioritário investir nesta política pública.
A gestão Greca/Pimentel e da Fundação de Ação Social (FAS), presidida por Maria Alice Erthal, historicamente tem se mostrado frágil técnica e politicamente. Diversas entidades, inclusive aquelas que formam o Conselho Municipal, apontam que isso impacta diretamente no processo de trabalho dos servidores e das servidoras que atuam na assistência social, pois não há condições adequadas de trabalho e servidores suficientes na maioria das suas unidades.
Por conta disso, os órgãos afirmam que os serviços ofertados à população também são precarizados, incidindo numa oferta desqualificada. Mediante visitas a alguns locais e denúncias recebidas, o SISMUC constatou a adoção de práticas e ações que violam os direitos das pessoas em vulnerabilidade e de grupos minoritários nesses espaços, que deveriam ser de proteção integral, responsabilidade primeira do município. Além disso, adota espaços completamente fora das normas operacionais vigentes para acolhimento dos usuários.
CRAS e CREAS com funções reduzidas pela Prefeitura
De acordo com Daraci Rosa, assistente social e vice-presidenta do CMAS, desde 2019 existe a reivindicação para que os Centros de Referência Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados (CREAS) retomem a sua função original de proteção, de prevenção e de colaborar para a superação dos riscos sociais, por meio de um efetivo acompanhamento familiar, individual e coletivo, dentre outras prerrogativas que lhes cabem.
Isso não vem acontecendo por falta de vontade dos/as trabalhadores/as, mas sim pelas intensas demandas que chegam de outros órgãos como o Ministério Público, Judiciário ou Conselho Tutelar. “O CREAS virou um puxadinho, um braço do Ministério Público. Eu canso de pegar situação assim, que acaba indo para o CRAS também, que a família foi atendida uma vez, há um ano atrás pelo CREAS, com uma situação de risco e violência bem complexa, mas que a equipe não conseguiu fazer o acompanhamento por pura falta de condições, principalmente, de RH. E isso é muito grave, porque as unidades, nem o CRAS, nem os CREAS estão cumprindo a sua função, devido a um abandono e desmonte absoluto dessas unidades por parte da gestão”, .
Isso também se deve ao fato de que a FAS tem priorizado o atendimento à população de alta complexidade (as que vão para abrigos e acolhimentos diversos) e, como não há servidores o suficiente, retira os recursos humanos, principalmente dos CRAS, para esses atendimentos.
O que vem acontecendo, é que os Centros, bem como as equipes, estão sobrecarregados e segundo Daraci, a situação se deve a vários fatores, mas o principal deles é, que há somente 10 CREAS em Curitiba, um por regional. “Nas regionais com mais de 200 mil habitantes, na avaliação dos/as trabalhadores/as, deveria ter pelo menos mais um CREAS”. A conselheira completa que, para a quantidade de bairros, vilas e demandas que existem, além de ter mais CREAS, as equipes deveriam ser pelo menos o dobro maior do que são hoje. Em 2019 houve o fechamento de 6 CRAS, a promessa era de que as equipes das unidades fechadas iriam reforçar as equipes de outros da região. Isso não aconteceu.
É preciso reforçar que nenhuma questão é isolada e os problemas urbanos devem ser observados em conjunto, criando-se políticas públicas que atuem de maneira colaborativa, possibilitando transformações estruturais e duradouras. A política de assistência social precisa realmente ser efetivada em Curitiba, por meio de uma Secretaria especializada -e não por uma Fundação- e pela regulamentação do Sistema Único de Assistência Social (já regulamentado em outros municípios do Paraná).