Dona Sena, aposentada como auxiliar de enfermagem, constrói e cuida diariamente de jardins inteligentes no CMEI Nossa Senhora da Luz e na Unidade de Saúde Aurora
No coração da Cidade Industrial de Curitiba, entre as salas e os corredores do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Nossa Senhora da Luz, floresce um jardim que vai além das cores e das formas das plantas. Ele transcende cuidado e carinho, e é a expressão da história de dona Maria Sena, ou simplesmente dona Sena, servidora pública aposentada, de 77 anos. Ela, que é um exemplo de como a experiência e a resiliência podem transformar não apenas um espaço físico, mas também inspirar toda uma comunidade, nasceu em Manaus, em meio à agricultura familiar, e aos 14 anos veio para a capital paranaense em busca de oportunidades de estudo. Enfrentando os desafios do TEA (transtorno do espectro do autismo) e da falta de inclusão, concluiu sua formação como técnica em enfermagem e, em mais de duas décadas de sua vida, se dedicou ao cuidado com o próximo na Unidade de Saúde Aurora, no Novo Mundo.
Em um bate-papo no Centro de Educação Infantil, Dona Sena relata que o despertar para cuidar do jardim nasceu como um poder terapêutico, de refúgio de paz e cura para ela mesma. “Quando meu primeiro marido faleceu e eu entrei numa, não digo depressão, mas uma tristeza profunda, como eu não tomo remédio, o que me levantou foi o jardim”, relembra. Ela acrescenta que esse trabalho não iniciou no CMEI, mas na Unidade de Saúde Aurora, onde trabalhava como servidora pública. “Comecei a formatar aquele jardim em 2003, um ano antes da US ser inaugurada. Então, a fruteira, tudo, eu plantei um ano antes. Lá não tinha um pé de couve, sabe quando a terra é assim pedregulho? Dessa altura de pedregulho, aí eles construíram uma unidade de saúde nova ali. Aí cheguei lá, quase caída na depressão, vi aqueles mil metros, eu disse, tenho que fazer alguma coisinha aqui. Mesmo triste, eu fui formatando, formatando e deu certo!”
Ela segue contanto que, após mais de duas décadas de trabalho voluntário no jardim da US, há pouco mais de um ano, visitou o CMEI Nossa Senhora da Luz e ficou sensibilizada. E, mesmo enfrentando o câncer, percebeu que ali também poderia fazer diferença, pois havia um espaço grande para o cultivo de flores e plantas. No entanto, dona Sena ressalta que não se trata apenas da estética, de plantar e encher de espécies nos locais, mas sim, de planejar o que será cultivado.
“São jardins inteligentes. E, inteligente não é aquele jardim que vem com aquelas florzinhas lá do horto, ao contrário, são aqueles que atraem insetos. Aquelas flores são bonitas, mas não atraem insetos. Não atraem beija-flor, borboleta, joão-de-barro… O que atrai são essas coisas, por exemplo, a hortênsia, antúrio, orquídeas, calateia, columéia… Isso tudo atrai os bichinhos. E, a gente não pode arrancar todas as plantas daninhas, precisamos deixar um pouco para manter a imunidade e a saúde do meio ambiente. Então, o jardim inteligente é aquele que promove saúde para mim, para você, para quem passar por ali. Entendeu?”
Com o conhecimento adquirido ao longo da vida, dona Sena ressalta que ações conjuntas das pessoas e do poder público são essenciais para construir uma cidade mais sustentável e saudável. Ela acredita que essas iniciativas, individuais ou coletivas, como plantar um jardim ou até mesmo separar o lixo que produzimos, fazem uma grande diferença. Mas, precisam ser incentivadas diariamente com políticas públicas.
“O meio ambiente é onde a gente está. Mas, hoje falta incentivo, por exemplo, de agentes multiplicadores. Todo mundo que mora em casa, apartamento, campo ou cidade, deveriam aprender sobre esse cuidado. E, o poder público deveria contribuir nas políticas públicas de incentivo. São muitos melindres na política, mas se politicamente tivesse alguém interessado nesse planejamento de caminhar junto às pessoas, com a saúde, o meio ambiente, certamente teríamos uma Curitiba melhor, que fosse realmente um exemplo para o mundo, né?”
Para concluir, dona Sena destaca que colhe bons frutos do trabalho voluntário realizado por ela, com o apoio de seu atual esposo, Afonso, mas que é preciso continuar. “Os servidores, as crianças, a comunidade, elogiam esses espaços que cuido. Só que muitos precisam de uma aula sobre educação ambiental, para eles se conectarem ao que estou fazendo e se interessarem em se voluntariar também”. Ela finaliza: “eu acho que eu tenho cinco anos bem plenos pra viver ainda, para me movimentar, assim, continuarei fazendo isso, cuidando desses jardins”.