Já imaginou sair do seu país de origem e migrar para um novo lugar, com um idioma diferente do seu, culturalmente diferente, sem saber ao certo onde morar, se haverá emprego pra você e uma escola para os seus filhos? Essa é a realidade de milhares de imigrantes que chegam ao Brasil todos os dias.
De acordo com o Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade, Curitiba é a cidade brasileira que mais recebeu venezuelanos nos últimos anos. São pessoas que enfrentam cotidianamente dificuldades como a barreira da língua, a ausência de documentação regularizada, escolaridade válida, falta de acesso ao emprego, além de preconceitos pelo simples fato de serem imigrantes.
Lamentavelmente, as desigualdades de gênero ficam ainda mais evidentes neste contexto. “É observado que os homens deixam o país primeiro, seguidos posteriormente por suas esposas e filhos em busca de reunificação familiar. No entanto, lamentavelmente, esse encontro nem sempre acontece”, compartilhou Isabella Traub, fundadora do Instituto de Políticas Públicas Migratórias (IIPMig), durante uma sessão de Formação para a Assessoria de Direitos Humanos de Curitiba, realizada em 15 de fevereiro e acompanhada pelo SISMUC.
Esse deslocamento de um país para outro normalmente é feito de maneira terrestre, o que envolve muitos riscos para as mulheres e crianças que ficam expostas ao abuso sexual, tráfico de pessoas e outras violências. Quando chegam no local de destino, enfrentam mais dificuldades. “Mulheres imigrantes em situação de vulnerabilidade sofrem do que denomina-se ‘vulnerabilidades sobrepostas’, ou seja, um somatório de vulnerabilidades. Sofrem por serem imigrantes, por serem mulheres, negras, em situação de pobreza, entre outras questões relacionadas às minorias”, aponta Nádia Floriani, Coordenadora Jurídica e de apoio a migrantes e refugiados da Casa Latino americana (CASLA).
Falta de transparência no repasse de dados sobre a população migrante
O contingente de mulheres imigrantes cresceu gradativamente. O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) registrou uma migração feminina 3 vezes maior de 2011 a 2021 no Brasil. No Paraná, existem mais de 120 mil imigrantes, sendo que 40% deles são mulheres, conforme estimativa do Centro Estadual de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Estado do Paraná (CEIM) feita em 2022.
Em Curitiba não há registro do total de migrantes que a cidade recebe. Há apenas os números dos venezuelanos interiorizados (aqueles que chegaram por Roraima), que até o momento somam quase 8 mil. Na prática, sabe-se que o dado está subnotificado.
Essa subnotificação se justifica pois a Polícia Federal, órgão responsável pela identificação e registro de cada migrante que chega ao país, não repassa os dados aos municípios. Além disso, até o momento, a Prefeitura de Curitiba e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos não haviam solicitado esses dados à PF.
“Se o dado não é disponibilizado torna mais difícil pensar em estratégias”, ressalta Traub. A falta de vontade tanto de repassar quanto de buscar informações sobre à população migrante pode ser justificada pelo fato de que ela não tem poder de voto. “Então, muitas vezes não é de interesse dos parlamentares pensarem em políticas públicas para essas pessoas”, ressalta..
Políticas públicas para migrantes em pauta
Nádia Floriani manifesta sua queixa em relação à ausência de políticas públicas específicas para a população imigrante. “Não há políticas públicas direcionadas. Por sorte, os refugiados e migrantes podem utilizar os benefícios dos programas sociais que os brasileiros e brasileiras utilizam.” Ela exemplifica o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. “Porém, seria melhor se houvesse políticas públicas específicas”.
Neste sentido, a bancada do PT na Câmara Municipal, formada por Professora Josete, Giorgia Prates e Angelo Vanhoni protocolou no ano passado um projeto de lei de Política para a População Migrante.
O texto também estipula que a execução da política pública deve ser fundamentada em 11 critérios específicos, abrangendo: variações nos perfis epidemiológicos; características do sistema de saúde do país de origem; diversidade linguística e cultural da comunidade; inclusão da população imigrante e refugiada no mercado de trabalho formal; estímulo ao empreendedorismo; necessidade de aprimoramento dos profissionais da educação para lidar com imigrantes e refugiados e suas particularidades; e promoção da ocupação cultural de espaços públicos.
Emprego e preconceito
As mulheres destacam-se por, em sua maioria, serem as chefes de família. São elas que levam o sustento para o lar. Filhos e outros familiares dependem da renda desta mulher para sobreviver. Muito preconceito, subempregos e renda insuficiente para cuidar de si e da família, este é o cenário apresentado às imigrantes. E aqui, mais uma vez a barreira linguística se torna um problema, pois muitas vezes, a pessoa não consegue se sair bem em uma entrevista de emprego pela falha na comunicação.
Tininha Giro Sa é da Guiné-Bissau e está em Curitiba há 5 anos. Ela conta que não se sentiu bem acolhida no começo, chegou aqui para estudar e já na escola sofreu muito preconceito. “Ninguém queria fazer trabalho ou sair pra lanchar comigo. Com o tempo eles notaram o meu desempenho, aí todos mudaram e queriam formar grupo comigo.” O mesmo se repetiu no mercado de trabalho. Tininha conta que já notou preconceito por ser de outro país e só a contratam quando realmente precisam, por salários muito baixos.
Em uma realidade onde 1 a cada 3 pessoas no mundo são migrantes, já passou da hora do poder público dialogar com essas pessoas. É fundamental entender suas dores, dificuldades e como o país que as recebe pode contribuir para uma integração mais eficaz e inclusiva.
Além disso, é crucial adaptar o atendimento no serviço público para atender às necessidades da população migrante, em especial mulheres e crianças. Isso inclui oferecer serviços de saúde, educação, assistência social e outros de forma acessível, sensível às diferentes culturas e idiomas. Garantir que os migrantes tenham acesso pleno aos serviços públicos é um passo fundamental para promover a inclusão e o bem-estar de todos os membros da comunidade.