“Sem o profissional auxiliando o aluno que necessita de atendimento especializado, a inclusão se torna uma mentira”

Foto: Valdir Amaral – Assembleia Legislativa do Paraná

Na tarde de ontem, estivemos na audiência pública para debater a necessidade de Atendimento Educacional Especializado (AEE),por proposição da deputada Ana Julia Ribeiro e  da vereadora, Professora Josete. 

A inclusão e o desenvolvimento da criança com deficiência durante toda sua vida dentro de um Centro de Educação Infantil e das escolas depende fundamentalmente da estimulação precoce e do incentivo à educação. A Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aponta que “Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.”

  • Porém, a Prefeitura de Curitiba não cumpre o que diz a LDB, pois mesmo com mais de 1,2 mil crianças com deficiência nos CMEIs de Curitiba, há apenas 880 tutores — sendo todos ainda estagiários de pedagogia, sem a formação para um atendendimento um de qualidade. O tutor é a ponte para supervisionar adequadamente, garantindo que a criança e o aluno tenham um maior estímulo às atividades motoras e psíquicas. “Nós precisamos garantir um atendimento com qualidade, com a formação desses profissionais. Essa não é a função de estágiário. Quando a criança tá formando o vínculo e o estudante tá começando a contribuir pra evolução da criança, acaba o estágio e a criança perde o vínculo”, expõe Professora Josete. 

 

Flávia Manuella de Almeida, coordenadora do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas, reforça que o estágio é para aprender algo. Ao contratar um estagiário para o cargo de apoio, ele na verdade não estará desenvolvendo a sua função de apoiar a criança, pois ambos estarão ali para aprender.

  • É neste momento da educação básica, a educação infantil, que as crianças enfrentam um problema sério com o DIAEE (Departamento de Inclusão e Atendimento Educacional Especializado). Há uma imensa dificuldade da gestão municipal e estadual entenderem a importância do atendimento educacional especializado. “Esse Departamento chega nas nossas unidades e fica 20 ou 30 minutos e faz um relatório dizendo que aquela criança não precisa de atendimento [especializado]. Eu gostaria muito que alguém do DIAEE estivesse aqui para nos ouvir. Porque quando nós, professoras de educação infantil, relatamos a necessidade do DIAEE para fazer o relatório de uma criança, leva bastante tempo pra esse profissional chegar. Ele precisa ir acompanhar mais vezes, ficar o dia todo, ver o comportamento da criança no refeitório”, apontou Loide Ostrufka, dirigente do SISMUC.

    Ela complementa fazendo a comparação da realidade atual dentro das unidades: “Antigamente, o cenário era de 1 criança com autismo em todo o CMEI. Hoje, há salas com 32 crianças, sendo 3 ou 4 com autismo. Vocês conseguem vislumbrar o horário de sono com 1 professora atendendo?”

  • Rafael Salete, pai de duas crianças que necessitam de atendimento especializado, afirma que a ‘Curitiba da inclusão é a que tem mais de 2.000 crianças na fila de espera pra atendimento com neuropediatra e onde o sistema não funciona. “Eu sou pai de duas crianças, sendo uma de 10 anos, autista e outra de 2 anos que tá na posição número 2.037 na fila de neuropediatria do SUS. Então, com muita sorte, minha filha daqui uns 3 anos vai conseguir ter uma consulta com a neuro, que vai encaminhar pro ambulatório Encantar [centro de especialidade da Prefeitura], em que ela vai ficar mais 5 anos na fila de espera. E, se eu conseguir uma vaga, ela terá o atendimento de 30 minutos a cada 15 dias, como é de praxe hoje acontecer.

  • A Prefeitura de Curitiba não entende a necessidade de um professor especializado em inclusão de crianças com deficiência. Quando ainda era presidente da União de Pais pelo Autismo, Rafael ouviu do DIAEE “para que nós vamos colocar professor com formação pra fazer higiene, pra limpar a bunda de aluno? — foi essa a expressão que usaram comigo. Enquanto todos nós que lutamos pela inclusão não nos unirmos, a Prefeitura vai continuar com essa política que faz com que crianças não sejam alfabetizadas quando já estão no ensino médio.”, relata.

  • Por causa de uma inclusão mal feita, um aluno não consegue ir e voltar para casa de ônibus. Flávia traz o exemplo de um aluno com dislexia que tinha o acompanhamento de um tutor, porém, feito de maneira ineficaz, que causou a dependência, pois aos 15 anos de idade ele não sabia nem ler e escrever. O tutor apenas lia e escrevia tudo o que o aluno precisava para entender os conteúdos em sala de aula e passar de ano. “Mas, ele não vai ficar pra sempre na escola, com um profissional de apoio. Ele vai se tornar um adulto, um profissional”.

  • Ao meu filho, foi negada a convivência com os colegas dele. Ele foi obrigado a passar por 11 escolas, aos 15 anos de idade, em que a média de permanência foi de 1 ano em cada. Por isso, minha luta por uma educação inclusiva teve que acontecer quando o Enzo chegou, em 2005”, relata Luciana Milcarek, fundadora da Associação Paranaense da Síndrome de Williams e mãe do Enzo, que possui a Síndrome de Williams e o transtorno do espectro autista (TEA).

  • A burocracia passa por cima do atendimento humanizado que as crianças com deficiência precisam receber. Luciana conta que sua experiência com o AEE na rede estadual de ensino se resume em processos equivocados, demora no atendimento, entre outros problemas. não havia evidências pedagógicas para comprovação da necessidade de atendimento, de acordo com a normativa 01 de 2016 (normativa da Secretaria de Educação do Paraná que indica que o profissional de apoio é apenas para alunos com TEA. Todos os laudos e relatórios que Luciana tem do seu filho não foram suficientes. Desde os 2 anos, o neurologista do Enzo já havia diagnosticado o autismo. Mas, como a Síndrome de Williams é o diagnóstico principal, e é mais raro, o TEA não era colocado no relatório para que ele tivesse o profissional de apoio. “Eu me pergunto se o aluno com deficiência somente tem direito a um profissional de apoio porque a lei prevê para eles? Não. A lei brasileira de inclusão garante a oferta de profissionais de apoio para estudantes com deficiência, matriculados em qualquer nível ou modalidades de escolas públicas. Eles têm direito porque cada aluno é único.”

O encaminhamento proposto durante a audiência foi o de criação de um grupo de trabalho com entidades sindicais, representantes da sociedade civil com deficiência e representantes da academia que lutam para que o Atendimento Educacional Especializado seja efetivado nas escolas e CMEIs, com a contratação urgente de profissionais especializados.