Servidora da FAS, membro do Conselho Municipal de Assistência Social, sofre perseguição e racismo institucional

Elaine Batista, servidora na Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS) e representante do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-PR) no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), está respondendo a um processo administrativo disciplinar, para apurar o envio de mensagens no grupo de WhatsApp do CMAS durante o seu horário de expediente no CRAS Umbará. 

 

Entenda a situação: No dia 10 de janeiro deste ano, policiais militares do Paraná realizaram o despejo forçado de mais de 600 famílias da ocupação Povo Sem Medo, que se abrigavam em um terreno no Campo de Santana.  

  • Durante a operação policial, realizada de maneira irregular, pois estava sem a presença da Defensoria Pública, os conselheiros e as conselheiras do CMAS começaram a buscar informações sobre o que estava acontecendo no local e para onde essas famílias seriam levadas.
  • Um dos canais utilizados para manter essa comunicação, foi o WhatsApp. O Conselho possui um grupo para trocar mensagens referentes às deliberações dos conselheiros — situação normal, afinal, o aplicativo é utilizado também como um canal oficial, além de ajudar a desburocratizar informações.
  • A maior parte dos membros do grupo trocaram mensagens durante todo aquele dia para entender o que estava acontecendo no despejo. Porém, apenas as mensagens de Elaine foram printadas e enviadas ao órgão gestor, solicitando a abertura do processo administrativo contra a servidora — sob a justificativa de uso do WhatsApp durante o seu período de atendimento no CRAS. 

 

Perseguição, assédio moral e racismo: Se vários conselheiros e conselheiras também enviaram mensagem no grupo durante seu expediente, por que apenas a parte das mensagens de Elaine foram levadas para a gestão? 

  • Elaine é uma mulher negra, a única mulher negra que compõe o quadro de conselheiros municipais na assistência social em Curitiba. Exercer esse cargo — durante uma gestão municipal que não tem interesse em enfrentar o racismo e despreza a assistência social, é um compromisso valoroso e de extrema coragem. 

 

  • A servidora diz que não está surpresa com a decisão da gestão, mas sente-se constrangida ao ter que responder o processo administrativo, e reforça que está sofrendo racismo institucional, pois foi a única conselheira a ser chamada pela Procuradoria Geral do Município.
  • “Essa instituição [a Prefeitura] marcou o meu corpo, ao tentar me silenciar. Muitas pessoas me relacionam à Marielle [Franco] na FAS. E, por muito tempo, eu não gostava de ser reconhecida assim. Porque a Marielle morreu. Morreu por falar, por denunciar. Esse processo administrativo é uma maneira de me matar. Existem muitas formas de matar pessoas, silenciando-as é uma delas”, desabafa Elaine.

A ética na prática conselhista: Na manhã de hoje (28), a comunicação do SISMUC esteve presente na reunião do CMAS, o grupo debateu o caso. A vice-presidenta do Conselho, Danielle Dalavechia Santos Chedid Silvestre, fez a leitura do código de ética do CMAS, apontando que levar as mensagens do grupo de WhatsApp, com a intenção de atentar contra um colega, é uma infração ao Código. 

  • O Artigo 9º, que trata das vedações aos conselheiros, diz: Prejudicar deliberadamente a reputação de outros Conselheiros (as), de servidores (as) ou de cidadãos que deles dependam.
  • “Nós não podemos deixar que essa prática de coerção seja concebida. Proponho aqui abrir uma comissão para descobrir quem foi a pessoa que infringiu o código de ética. Nós somos servidoras e me comove ver uma colega, que atua na defesa dos Direitos Humanos, sendo silenciada. Isso quer dizer que seremos amedrontadas, ameaçadas? Devemos ser intolerantes com a intolerância”, declara Daraci Rosa dos Santos, representante do SISMUC no Conselho.
  • Em uma fala emocionada e potente, Elaine relembra sua trajetória. “Eu fui uma criança que participou do Projeto Piá. Foi o serviço público, os servidores públicos que mostraram pra mim que as políticas públicas de fato funcionam. Eu produzo essa instituição [o serviço social] desde que me entendo por gente, foi o serviço social que me oportunizou chegar onde estou agora. E eu acredito na justiça social.”
  • A assistente social confessa que após o ocorrido, pensou em deixar o CMAS, mas lembrou que ela é porta voz de pessoas que têm uma história parecida com a sua. E, que são essas pessoas, as pessoas da comunidade, da periferia, que devem construir as políticas públicas. “Precisamos escutar as pessoas da periferia”, diz. 

Próximos passos: A presidenta do CRESS-PR, Andrea Braga, se colocou à disposição de Elaine para tomar as medidas necessárias para a suspensão do processo administrativo.

  • Por deliberação dos conselheiros e conselheiras presentes em reunião, foi decidido como encaminhamento a instauração de uma comissão de ética para apurar o responsável pelo print das mensagens, a solicitação de retirada do processo por falta de materialidade e uma retratação oficial da FAS. 

 

O SISMUC continuará acompanhando o caso e se coloca irredutivelmente contra a perseguição à servidora, ou a qualquer trabalhador e trabalhadora. A FAS precisa se retratar e arquivar o processo administrativo. 

 

O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas – atuando também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a hierarquia racial. Restringindo especialmente e de forma ativa as opções e oportunidades das mulheres negras no exercício de seus direitos.

 

Fonte: Geledés – Instituto da Mulher Negra