Imagine que o Brasil tem hoje um total de 10.456 candidatos que disputam 513 vagas de deputado federal, número recorde na história das eleições do país desde 1990. Agora imagine que 448 deles são atuais parlamentares da Câmara Federal que buscam a reeleição.
O que fazer diante da dúvida, muitas vezes comum entre eleitores, sobre em quem depositar um voto de confiança no próximo pleito? Para ajudar o eleitorado nessa questão, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) construiu um caminho que pode auxiliar o público nessa escolha, considerando os critérios ideológicos de cada um.
Na plataforma intitulada “Quem foi quem”, a entidade organizou uma série de dados que mostram a forma como os 513 deputados federais e os 81 senadores da atual legislatura se posicionaram diante de votações que dialogam com os interesses dos trabalhadores e da sociedade em geral.
Para isso, os dez técnicos da equipe responsável pela página se basearam no grau de alinhamento dos parlamentares em relação a pautas como o auxílio emergencial de R$ 600, o Auxílio Brasil, o vale-gás para a população de baixa renda, o piso nacional da enfermagem, medidas relacionadas a emprego e renda, matérias que garantem continuidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), entre outras.
O acompanhamento desse tipo de dado é feito pelo Diap desde 1989, quando a entidade divulgou, por exemplo, como cada candidato ao pleito naquele ano havia se posicionado durante a Assembleia Constituinte que vigorou no biênio 1987-1988, durante o qual o país redigiu a atual Constituição Federal.
Ocorre que, até a última eleição, os técnicos sistematizavam os dados em uma publicação impressa, mas, a partir de agora, ela passa a ser virtual, como forma de facilitar a vigilância do eleitor sobre os mandatos ao longo do tempo.
“A ideia de fazer essa versão é de buscar, de forma permanente, disponibilizar pra sociedade qual tem sido o comportamento dos parlamentares nas votações, pra estimular uma maior participação do eleitorado”, afirma o diretor de documentação do Diap, Neuriberg Dias.
Para o dirigente, o material exposto na plataforma ajuda a fortalecer, entre outras coisas, a consciência política do eleitor. Também consolida a memória do eleitorado, considerando que boa parte das pessoas não se recorda dos nomes nos quais votou para o Congresso Nacional no último pleito. Segundo pesquisa Datafolha divulgada no início de agosto, esse percentual ultrapassa a faixa dos 60% da população votante.
“Diante do fato de não se lembrarem, consequentemente, eles não sabem como esse parlamentar lhe representou no Legislativo. Então, a gente busca, através da plataforma, sistematizar as votações e apresentar ela de tal forma que o eleitor possa reavaliar e votar de forma consciente nos parlamentares.”
Para tentar reduzir o grau de subjetividade possível no recorte que norteou o levantamento e para selecionar as pautas de referência a serem consideradas para avaliar deputados e senadores, a equipe se baseou em diferentes critérios. Entre eles estão a importância política, econômica e/ou social do que foi votado, as votações com registro nominal de votos e o grau de disputa entre oposição e governo.
No caso deste último, os técnicos se basearam em placares que registraram um número de votos de oposição em quantidade superior a 20% do total de membros do Congresso Nacional, ou seja, 100 votos de diferença para a Câmara dos Deputados e 17 para o Senado.
Diante desses referenciais, os técnicos identificaram o percentual de concordância das diferentes bancadas da Casa em relação a pautas que se relacionam com o tema dos direitos da classe trabalhadora. Assim, o levantamento quantifica a rivalidade geralmente explícita nos acalorados debates que ganham fôlego nos plenários do Congresso.
A plataforma mostra que as siglas PSOL, PCdoB e Rede são as únicas que tiveram 100% de alinhamento ao tema na atual legislatura (2019-2022), enquanto o partido Novo ficou em último lugar, com 10,14% de concordância. São, ao todo, 129 parlamentares na margem dos 100%.
De tendência conservadora na política e neoliberal na agenda econômica, o PL, maior partido do Congresso e sigla do presidente Jair Bolsonaro, teve apenas 27,9% de alinhamento. As demais legendas apresentaram o seguinte resultado, em ordem decrescente: PT (98,43%), PV (89,63%), PDT (89,56%), PSB (89,1%), Pros (66,87%), Avante (66,67%), Podemos (48,72%), Solidariedade (48,02%), PSD (37,31%), Cidadania (34,79%), PSDB (25,94%), União (25,82%), Republicanos (24,19%), MDB (23,57%), PTB (22,54%), PSC (18,15%), PP (17,77%) e Patriota (12,5%).
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente da República, está no grupo dos parlamentares com maior discordância em relação às matérias consideradas pela plataforma: ele obteve 100% de posições contrárias diante de pautas que atendem a interesses dos trabalhadores. Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-capitão, chegou bem próximo desse patamar, registrando 83,33% de contrariedade a esse universo de matérias.
Em um recorte por estado, o Ceará tem a bancada com o maior grau de concordância em relação a pautas que atendem os trabalhadores, com 43,31%. Já Roraima aparece em último lugar no ranking, com apenas 10,09% de alinhamento.
Ganhos
O sucesso da plataforma tem sido tão grande que o site já recebeu mais de 100 mil acessos de diferentes pontos do país nas últimas semanas, desde quando foi lançada. O resultado é comemorado pelo Fórum das Centrais Sindicais, um dos principais entusiastas da criação da versão digital do “Quem foi quem”.
Para o assessor do fórum, Clemente Ganz Lúcio, a vantagem da plataforma vai além de apenas acompanhar a performance de deputados federais e senadores por parte do eleitorado. “Qualifica também a possibilidade de a sociedade interagir com os parlamentares, que muitas vezes ficam bem distantes da base eleitoral que o colocou lá no Congresso.”
Para Ganz Lúcio, a página também facilita o trabalho de incidência política das centrais sindicais sobre o Poder Legislativo. As entidades exercem uma função política no campo popular e são vistas como mobilizadoras e interlocutoras de peso para o segmento.
“É muito importante a gente acompanhar o posicionamento dos parlamentares em relação aos projetos e, portanto, perceber qual é a tendência, qual é a visão de determinado parlamentar pra estabelecer uma relação [com ele] e apresentar o posicionamento das centrais. Então, é uma ferramenta agora que passa a produzir um subsídio permanente que também ajuda a orientar posição das centrais no Congresso”, encerra o assessor do fórum.
Para consultar os dados da plataforma, basta acessar o endereço https://quemfoiquem.org.br/
Foto:Jefferson Rudy/Agência Senado