“Ganho praticamente a mesma coisa há tempos, mas tá cada vez mais difícil alimentar todo mundo em casa.” A frase é de uma professora do ensino público municipal da capital, entrevistada pela reportagem do Brasil de Fato Paraná, mas poderia ser de qualquer curitibano que vive o drama da inflação dos alimentos e da falta de perspectiva econômica.
Júlia (nome fictício, pois a fonte não quis se identificar), é professora do magistério municipal há mais de 10 anos e mora sozinha com seus três filhos.
Atualmente, o salário de uma professora como ela, em Curitiba, é de 3.225 reais por mês, a metade do que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estabelece como o mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas, que são 6.535 reais. O valor calculado pelo Dieese também é mais de cinco vezes superior ao salário mínimo, hoje em 1.212 reais.
Nesse cenário de aumento da inflação e perda do poder de compra do trabalhador, outro dado desperta a atenção: 250 mil pessoas estão em insegurança alimentar no Paraná, sendo 89 mil em Curitiba, ou seja, não consomem alimentos de forma suficiente em quantidade e qualidade. Os dados são da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Estado do Paraná (Sejuf-PR) e do Cadastro Único (CadUnico).
“Cada vez mais difícil”
Júlia é uma mãe dedicada e mora com os filhos, de 10, 12 e 15 anos. Relata que, apesar de o salário de mais de 3 mil reais para dar aula no ensino fundamental do município aparentemente ser uma boa remuneração, em meio à pandemia e à crise, está cada vez mais difícil comprar itens básicos, alimentar seus filhos e vencer todas as contas.
“Três mil reais hoje não dão pra nada, você consegue pagar as contas e viver no básico do básico, ainda mais para quem tem filhos e vive de aluguel como eu. Está ficando cada vez mais difícil, mesmo com ajuda da pensão das crianças”, relata.
Divorciada, Júlia não esconde o temor de as coisas acabarem piorando em relação à inflação no valor dos alimentos. “Hoje, uma lata de óleo tá 9 reais no supermercado, antes eram 3 reais, tá ficando insustentável, e se as coisas piorarem ainda mais, não sei como vamos nos virar”, lamenta.
Insegurança alimentar
De acordo com os dados do Dieese para o mês de maio, apesar de pequena queda do valor dos alimentos básicos em 14 capitais das 17 em que o departamento realiza a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, para comprar uma cesta básica o trabalhador curitibano gasta cerca de 63% do salário mínimo só com alimento, o equivalente a 129 horas e meia de trabalho.
Na Câmara de Vereadores de Curitiba, na terça, 7, data em que se celebrou o Dia Mundial de Segurança Alimentar, um grupo de parlamentares liderados pela vereadora Professora Josete (PT) debateu o tema e saídas para responder aos problemas cada vez mais crescentes relacionados à fome.
A petista, presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, promoveu protesto no plenário da Câmara com diversos pratos próximos à mesa diretora, onde constavam dados sobre a situação alimentar da cidade e do país.
“São milhares de pessoas que não tomam café diariamente, não almoçam e milhares de crianças que as únicas refeições que fazem são na escola. E quem são elas: na maioria, pessoas pobres e negras, especialmente as mulheres negras, que estão sentindo essa dor da fome em seus corpos”, protestou.
A parlamentar ainda destacou o desmonte de políticas de segurança alimentar e nutricionais durante o governo Bolsonaro como, por exemplo, o esvaziamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e a diminuição do orçamento para esse setor, com reflexos nas administrações estaduais e municipais.
“A política genocida do governo federal tem deixado o povo a sua própria sorte. Com Bolsonaro, passamos de uma nação livre da fome para uma com mais de 20 milhões de pessoas sem ter o que comer e mais da metade da população em situação de insegurança alimentar”, destacou Josete.
Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini