Educação domiciliar não é para a classe trabalhadora!

O projeto de lei que promove o
ensino domiciliar tramita no Congresso Nacional e causa estranheza desde o
início. A proposta está vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos e não ao Ministério da Educação, órgão responsável pelo
currículo do ensino básico e demais regulamentações da área educacional.

A medida altera a Lei nº 8.069/90, que dispõe
sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei nº 9.394/96, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. De acordo com
o governo, o projeto pretende trazer os requisitos mínimos que os pais ou
responsáveis legais deverão cumprir para exercer
a educação domiciliar desde o ensino fundamental até o último
ano do ensino médio.

Na maioria das unidades escolares
Brasil afora, faltam contratações e livros didáticos, a estrutura é precária e
enfrentamos graves problemas de evasão escolar e analfabetismo funcional.
Sabemos desses problemas e nossa luta é para que eles sejam resolvidos.
Entretanto, ao invés de se preocupar em melhorar a educação pública, o governo
se dedica à regulamentação de um modelo de ensino que não atende a classe
trabalhadora e a maioria dos brasileiros.

Qual é o papel da escola?

Por mais precários que possam ser
muitos equipamentos de ensino, as escolas são um importante espaço para
socialização e vivência da diversidade existente na sociedade, em todos os seus
âmbitos. É ali que a criança aprende a conviver em grupo, colaborar, respeitar
o outro e se responsabilizar com tarefas e atividades.

Com o ensino domiciliar, o
contato das crianças será restrito à família, distanciando-as de outras vivências
e experiências que o contato com outras famílias e outros profissionais
permite. Para além da interação e socialização, que abrange a todos, para uma
parcela significativa das crianças que frequentam a rede pública de ensino, a
escola é o único lugar que permite à criança acessar determinados produtos
culturais, como livros, filmes, bibliotecas, museus, parques, apresentações de
teatro, dança, cinema, e o conhecimento científico de forma geral. Sem a
escola, o processo de formação da criança fica comprometido.

As condições econômicas e
culturais de muitas das famílias trabalhadoras não as permitem o acesso a esses
elementos que, com muito esforço, conseguimos fazer chegar às crianças na
escola. Outro grave problema que o governo parece desconsiderar: hoje, a escola
também é um espaço de segurança, alimentar e física, das crianças. Para uma
parcela dos alunos, a escola é o lugar privilegiado para se alimentar, seja
pelo problema da quantidade ou da qualidade do alimento disponível em suas
casas.

Mesmo com problemas, a merenda
escolar representa a principal refeição do dia. Além disso, são frequentes os
casos de violência doméstica que a escola consegue detectar e ajudar a
combater. Para essas crianças, a escola funciona como um local mais seguro que a
própria casa.

O que se
espera dos governos são políticas inclusivas, que promovam a socialização e o
investimento nos

espaços públicos de ensino para formação de cidadãos. Como
pais que trabalham fora e percorrem longas distâncias entre a casa e o trabalho
irão lidar com o ensino domiciliar? E as mães e pais com mais de um emprego,
que trabalham à noite e aos finais de semana? Em que dia da semana vão ensinar
seus filhos?
Questões do ensino domiciliar para refletir

O elemento mais preocupante e controverso do ensino domiciliar é a intervenção pedagógica que se pretende que seja feita pela família. O processo de formação e profissionalização dos trabalhadores da educação que hoje estão na escola, em especial os professores, é feito ao longo de muitos anos de estudo, tanto para capacitar no sentido da aquisição de conteúdos quanto no trato pedagógico, na didática necessária para ensinar. A retirada desses profissionais da rotina de formação das crianças e adolescentes é um retrocesso bastante grande e um desmerecimento de séculos de desenvolvimento dos métodos pedagógicos e do conhecimento científico.