Expostos em pleno zoológico

Hamilton é um trabalhador polivalente do serviço público
municipal. Ele entra na sede do sindicato e logo exibe a mão direita com três
dedos perdidos e o braço com uma cicatriz profunda. Há mais de dez anos, servia
comida ao chimpanzé do zoológico municipal de Curitiba quando sofreu um ataque.

Cães do mato, lobo guará e outros animais, quando precisam
ser vacinados ou tratados, devem ser imobilizados pelos polivalentes. Animais
maiores como os felinos recebem tranquilizantes. Animais médios, não. “Tem que
segurar o pescoço, isso é feito escondido para o público não ver”, afirma Elias,
também polivalente.

Dias depois, Hamilton e Elias conduzem a reportagem, em
visita ao parque público, pelo setor de confinamento, que não é visível a quem
visita o passeio. 

Eles mostram que, mesmo na estrutura precária e de madeirite
das jaulas, precisam estar em contato com animais que revelam os dentes, caso
da queixada (tipo de porco do mato selvagem).

Na parte da manhã, ou no meio da tarde, geralmente às
segundas-feiras, os tratadores precisam se confrontar com os bichos, usando um
método que assustaria até mesmo um herói hollywoodiano
da sessão da tarde. Ao lado do risco, impera a desmotivação de uma categoria que
nunca teve um plano de carreira, por exemplo, que bateu na trave na gestão
Fruet.

Dentro do recinto dos felinos, o mais admirado do parque,
entre jaulas de onças e pumas, Hamilton revela, para temor de quem presencia,
como a estrutura das jaulas é envelhecida. Um cadeado separa o rugido da onça
da reportagem. “A população não sabe, acha que tudo fica lindo”, diz.

Ataques de harpia e
desvalorização

Os servidores polivalentes, alocados para a função de
tratadores, guardam cicatrizes de encontros duros e inimagináveis com a garra
da harpia, a mordida da queixada ou mesmo o
ataque de um, aparentemente, inofensivo papagaio.

Tudo isso sem qualquer compensação financeira, a partir de
desigualdade entre os funcionários do zoológico e confusão de cargos e funções.
“Nós é que não somos tratados”, desabafa o tratador.

Os tratadores fazem um serviço pesado e com risco sério à
saúde. Sua demanda é pela atual gratificação de risco somada a uma gratificação
prevista em lei. Porém, atualmente, cada funcionário pode optar apenas por um
dos dois benefícios.

Esta situação já foi resolvida no caso dos servidores públicos dos
cemitérios, pelo fato de que estão em contato com exumação de cadáveres. Porém,
os polivalentes do zoológico mostram que estão em contato com fezes, restos de
animais, expostos também às doenças que os bichos possam contrair. “Queria
aumento de 30% para 40% igual ao veterinário”, exclama Elias.

Elias, Hamilton, Reinaldo, neste caso um é todos os outros. O
servidor atua em cada um dos nove setores de tratamento do zoológico. Como o
quadro de funcionários está envelhecido, são 30 ao todo, se alguém se ausenta por
motivo de doenças, é preciso repor a vaga no improviso. No fundo, todos tiveram
que aprender a ser tratadores.

Um funcionário, que preferiu não se identificar, explica que
os principais gastos hoje com estrutura se referem à alimentação, folha de
pagamento, manutenção do parque e medicação animal. “Não temos efetivo
suficiente”, admite. Os funcionários reforçam a necessidade de o caráter do
parque manter-se público e gratuito. Porém, pedem que haja valorização para os
funcionários.

Exposição a doenças

Outro detalhe pouco conhecido é a exposição à contaminação
por leptospirose. Ratos são comuns em meio à água parada e comida dos animais.
Os polivalentes acabam desenvolvendo as próprias gambiarras para que a água
escoe sem que precisem mexer nela.

Os tratadores estão em contato direto com esse tipo de comida
e fezes. Os equipamentos de proteção individual (EPI) são precários, o que
piora ainda mais à exposição a doenças. “Ficamos uns dois anos com a mesma
botina”, protesta Elias.