A epidemia dos pacotaços

A imposição de pacotaços, por meio de votações
atropeladas e sem discussão com os sindicatos de servidores e a sociedade, não
é nenhuma exclusividade do município de Curitiba ou mesmo da sua região
metropolitana, onde tem se estabelecido uma verdadeira queda de braços desigual
e injusta. Nem tão pouco uma exclusividade do Paraná, que apontou o caminho das
pedras ao governo federal, após o “sucesso” do episódio do massacre de 29 de
abril de 2015. 

O episódio demonstrou o quê e como fazer para os governos se
apropriarem dos recursos públicos na cobertura de rombos que têm tudo a ver com
a má gestão da máquina pública para atender a interesses particulares. Essa
constatação, no entanto, não isenta de culpa prefeitos e vereadores que aderem
ensandecidamente a essas medidas escorchantes, como o prefeito Rafael Greca (PMN)
e os governadores Beto Richa (PSDB-PR), Pezão (PMDB-RJ) e José Sartori
(PMDB-RJ).

Enfim, a prática e metodologia orquestradas têm
motivações maiores e é por isso que os “pacotaços” não são fatos isolados ou
localizados apenas; estão se espalhando feito pragas por todo o território
nacional e em uma velocidade impressionante. Eles são as contrapartidas ao
golpe de estado no Brasil. A cronologia a seguir vai fazer com que passe um
filme na cabeça de cada um de nós. Vamos conseguir nos perceber e nos inserir
nesse contexto de retrocessos, de lutas e de resistência.

Cronologia do Pacotaço

29 de abril de 2015 

Sob bombas de gás, spray de pimenta e cassetetes, a Assembleia
Legislativa do Paraná (ALEP) autoriza o governador do Paraná, Beto Richa
(PSDB), a fazer uso dos recursos depositados no Fundo de Previdência dos
Servidores Estaduais para cobrir rombos nas contas do estado. Mais de 50 mil
servidores estaduais em greve viram seus direitos e sua garantia de se
aposentar irem para o espaço. Também viram deputados da base do governo se
esconderem atrás de escolta policial e irem votar dentro de camburões da PM. No
final, segundo informações da APP-Sindicato, a sociedade contou mais de 400
pessoas feridas nesse massacre, que ficou registrado na história como o “29 de
abril”, a exemplo do emblemático episódio de truculência do “30 de agosto”
(1988), contra os professores estaduais no governo de Álvaro Dias (PTN).

20 de junho de 2016 

Ainda na condição de presidente interino, menos de um mês após o
afastamento da presidenta Dilma Rousseff para responder ao processo de
impeachment, o golpista Michel Temer chamou os governadores em Brasília para
discutir a dívida dos estados com a União. Já naquela conversa, ficou dado que
o ônus dessa negociação recairia na conta dos servidores e dos serviços
públicos gradativamente nas três esferas: municipal, estadual e federal.

22 de novembro de 2016 

Mas é o mês de novembro do ano passado que se pode apontar como sendo
o marco inicial dos pacotaços que se espalham pelos estados e cidades
brasileiras. Arquitetados e anunciados como solução para a crise, eles
funcionam, na verdade, como um salvo-conduto para os governos se apropriarem de
recursos públicos que antes não lhes era permitido acessar e camuflam as
prioridades e os valores das administrações com orientação de direita:
elitistas, concentradoras, em favor dos ricos e dos grupos empresariais que
financiam suas campanhas políticas.

Temer convoca novamente governadores, vices e secretários de Fazenda
para pactuarem ajustes com base na PEC da Maldade, aquela que veio para
congelar por 20 anos investimentos sociais e em setores estratégicos para o
desenvolvimento, como saúde e educação. E também impõe limitações rigorosas que
afetam diretamente direitos adquiridos dos servidores, programas sociais e
serviços de atendimento à população. Restringe gastos, sim, mas somente com
trabalhadores e com os setores mais vulneráveis da população.

Março de 2017 

Data-base | Os sindicatos de servidores públicos municipais iniciam as
tratativas com a Prefeitura de Curitiba para a negociação salarial 2017/2018. O
prefeito Rafael Greca (PTN) recusou praticamente todas as reivindicações dos
servidores. Foram 162 “nãos”, ou seja, por 162 vezes a negativa foi pronunciada
nas mesas de negociação com a prefeitura.

8 de março de 2017 

O Dia Internacional da Mulher em Curitiba foi marcado pelo maior
protesto dessa natureza na história da cidade. Os movimentos sociais se uniram
em torno das bandeiras da retomada da democracia e pelo combate às reformas que
desmontam os direitos da classe trabalhadora no País, direitos previdenciários
e sociais, medidas estas que prejudicam mais e primeiramente as mulheres.

15 de março de 2017 

Paralisação nacional histórica contra as reformas trabalhista e
previdenciária do governo de Michel
Temer. Em Curitiba, o ato reuniu mais de 20 mil pessoas. O prefeito Greca, que
havia dito em entrevista que gostaria que os trabalhadores brasileiros fizessem
greve como na Alemanha, ou seja, trabalhando dobrado, ouviu dos servidores
municipais um sonoro recado de descontentamento: “queremos, então, o mesmo
salário e aposentadoria digna conquistada na Alemanha”. A notícia de que não
respeitaria a data base dos municipais também contribuiu para aumentar a
indignação geral.

28 de abril de 2017 

1ª Greve Geral: mais de 40 milhões de pessoas foram às ruas em todo o
País. Em Brasília, a PM-DF reprimiu os protestos até com armamento letal. Um
servidor aposentado de Minas Gerais levou um tiro no rosto e ficou com a bala
alojada entre o maxilar e a nuca. Foi submetido a cirurgia de reconstrução da
face. O Exército foi convocado para sair às ruas também sob ordem de reprimir
os movimentos sociais.

15 de maio de 2017

Carta dos Prefeitos | Os prefeitos de Curitiba e dos outros 29
municípios que integram a região metropolitana assinam documento em que afirmam
que servidores desses municípios só receberão aumento de salário se as
prefeituras tiverem recursos para isso. Sismuc reage. Servidores não descartam
realização de greves, paralisações e ações unificadas. Os Legislativos de
Colombo e Araucária, junto com Curitiba, recebem as primeiras mensagens de
pacotaço para analisar. Por nome fantasia, atendem pelo nome de “medidas de
ajuste”. Em Português apropriado, significam retirada de direitos.

Junho |
Greve dos Municipais 

Beto Richa fez escola | Em junho, a
Polícia Militar, a serviço dos interesses da Prefeitura de Curitiba e da base
governista da Câmara Municipal, reprimiu violentamente os protestos dos
servidores municipais em greve ao longo do mês. Seja em atividades e
manifestações na Câmara Municipal, seja na Ópera de Arame, para onde foi
transferido o espetáculo da votação de cartas marcadas da retirada de direitos
dos trabalhadores e da autorização à Prefeitura para saque de 700 milhões de
reais do Fundo de Previdência dos Servidores (IPMC).

Os vereadores haviam se comprometido a não
votar atropeladamente, em regime de urgência, o pacotaço. Mas não foi o que
aconteceu. Essa traição e a submissão deles aos desmandos do prefeito renderam
prejuízos à credibilidade desses ditos representantes da comunidade. Assim como
em Brasília um Congresso Nacional golpista e que retira direitos dos trabalhadores,
prejudica a população, não representa mais os interesses do povo brasileiro e
não conta com legitimidade popular para definir indiretamente os rumos do País,
pois precisa ser renovado, os vereadores da base de apoio do prefeito Rafael
Greca também amargam a indignação e o descontentamento dos curitibanos.

Julho |
Inconstitucionalidades

A pedido dos cindo sindicatos, o Ministério Público do Paraná (MPPR)
vai analisar as inconstitucionalidades contidas no pacotaço e emitir seu
parecer. O Sismuc tem levado às suas bases e coletivos o debate sobre esses
pontos de conflito na lei do pacotaço e também sobre as medidas judiciais
cabíveis de serem tomadas para reverter o estrago causado pela falta de
transparência, pela intransigência em dialogar e pela truculência em reprimir
gananciosamente da Prefeitura de Curitiba.