E o dia 14 de maio continua

Os manuais de história do Brasil
registram que a princesa Isabel assinou uma lei de ouro, determinando o fim da
escravidão criminosa no Brasil. Esta data carrega a complexa contradição das
relações raciais no país. Há quem diga que “foi a princesa Isabel que deu a
liberdade aos negros, e estes, agradecidos, devem, neste dia, comemorar a
liberdade!” Opondo-se a esta ideia, surgiu a vigorosa obra do sociólogo e
historiador negro Clóvis Moura, provando que o negro não ficou inerte na
história.

Moura analisou a resistência dos
escravizados, recusando-se a fazer pesquisas seguindo as diretrizes do famoso
sociólogo Gilberto Freyre. Este, argumentava que teria havido uma convivência
pacífica e de colaboração entre a gente negra escravizada e a gente branca
escravista e proprietária de terras. 

Moura demonstrou, então, que houve uma
oposição permanente à vida escravizada. Lançaram mão de boicotes, suicídios,
infanticídios, banzo. Incendiaram lavouras e propriedades, envenenaram
senhores, fugiram, fundaram irmandades religiosas e organizações quilombolas,
dentre outras. O quilombo de Palmares e os do Campo Grande, do Ambrósio e do
Jabaquara, cada qual com dezenas de milhares de habitantes, exemplificam esta
luta de séculos. O povo negro defendeu a própria liberdade através da
desobediência à ordem escravista.

Portanto, os fatos deixam evidente que
é impossível dar liberdade a alguém, porque a liberdade é o que define o ser
humano. Assim sendo, a lei assinada por Isabel obrigava os proprietários
escravistas a deixarem de usurpar o direito da gente negra exercer a própria
liberdade.

É necessário lembrar que a lei de
Isabel não mexeu nas consequências dos séculos de escravidão criminosa. Por
isso, o dia 14 de maio manteve o povo negro nas piores condições de vida no
império decadente e, posteriormente, na república emergente. Ainda hoje, o povo
negro ocupa os níveis mais baixos das pesquisas do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH). Nos dias atuais, cresce o genocídio do povo negro, especialmente,
por meio da ação das polícias e do narcotráfico que ceifam milhares de vidas de
jovens negros(as) a cada ano. A partir de 2017, se os planos do governo
ilegítimo de Temer e seu congresso golpista forem implementados, a classe
trabalhadora viverá os piores dias dos últimos cem anos. E, no meio desta gente
oprimida, o povo negro estará condenado a enfrentar uma aterrorizante
aceleração do genocídio. Se hoje matam sobretudo a juventude negra, com as
novas medidas governamentais, matarão também os idosos, nas filas de hospitais
e postos de saúde, por falta de profissionais e recursos específicos. Isto sem
falar nos danos que o povo negro sofrerá caso se consolidem as reformas
trabalhista e da previdência que os golpistas estão formulando.


para brancos

Assim sendo, qualquer comemoração de
libertação que ocorreu em 13 de maio terá uma forte dosagem de mentira, afinal,
as autoridades e as elites brasileiras têm demonstrado fortemente que querem um
Brasil branco. Algumas décadas atrás, as elites sonhavam em imitar a França;
atualmente, desejam imitar o lado branco dos EUA. Negros, as elites não querem.

Na década de 1970, o pesquisador, poeta
e historiador gaúcho, Oliveira Silveira, um dos fundadores do Grupo Palmares no
Rio Grande do Sul, mobilizava a gente negra para participar de atos públicos em
20 de novembro. Homenageavam à experiência libertária do Quilombo de Palmares e
seu principal condutor, Zumbi. Em 1978, assumindo aquela luta iniciada no RS, o
congresso nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), proclamou: “Nós, negros
brasileiros, orgulhosos por descendermos de Zumbi, líder da República Negra de
Palmares, que existiu no Estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o
domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para
declarar a todo o povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de
novembro – Dia Nacional da Consciência Negra! Dia da morte do grande líder
negro nacional, Zumbi, responsável pela primeira e única tentativa brasileira
de estabelecer uma sociedade democrática”.

Em consequência do aspecto questionável
do 13 de maio, os movimentos negros brasileiros, nas últimas décadas
priorizaram o dia 20 de novembro, conforme o manifesto do MNU. E serve para quê
o 13 de maio?

– As autoridades e as elites costumam
fazer dele um momento de cínica louvação da “generosidade” da classe política
dirigente.

– Os movimentos negros, denunciam o
racismo estrutural da sociedade brasileira.