No comando do mundo todo

Se nossas vidas não importam que produzam sem nós

A frase que abre essas reportagem é retirada da mobilização nacional do Dia Internacional das Mulheres de 2017, o qual será marcado por protestos de movimentos feministas e de mulheres em todo o país. As brasileiras também estão apoiando a Greve Internacional de Mulheres (GIM), conhecida ainda como The International Women’s Strike (IWS) ou Paro Internacional de Mujeres (PIM), iniciativa que resultou de ações específicas de movimentos protagonizados por mulheres em países como Argentina, Polônia e mais recentemente nos Estados Unidos, quando intelectuais como Angela Davis e Nancy Fraser, após marcharem contra a posse do presidente norte-americano Donald Trump, realizada em 21 de janeiro, convocaram mulheres para uma greve geral no dia 8 de março.

A greve internacional – uma articulação global de mulheres que mergulharam em um processo organizativo e político – é contra o patriarcado, a violência masculina, a informalização no mercado de trabalho, a desigualdade salarial, a homofobia, transfobia e xenofobia e em defesa dos direitos reprodutivos. A iniciativa tem a adesão de grupos feministas de mais de trinta países e objetiva mobilizar mulheres e apoiadores da sua luta para colaborarem com greves, marchas, bloqueios de estradas e outras formas de manifestações que vão acontecer internacionalmente, de caráter anti-racista, anti-imperialista e, entre outros, anti-neoliberal.Em solo nacional, a pauta prioritária do “8M-Brasil”, como se chama a mobilização no país, é a luta contra a reforma da previdência, que se somará as todas as ações que coloquem fim à violência contra as mulheres e meninas. Também será um dia de denúncias contra o sistema patriarcal e

da Presidência da República e em defesa do “Diretas Já!”, movimento que reivindica eleições presidenciais diretas no Brasil.

Na análise da secretária da mulher trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores- PR, Anacélie Azevedo, a unificação dos movimentos de mulheres e de feministas em torno do “8M-Brasil” ocorre por conta do avanço de uma onda conservadora no campo da política e na sociedade em geral, a qual, segundo ela, transforma-se um dos motivos principais para as mulheres estarem tão bem organizadas e promovendo debates que deem visibilidade as suas pautas. “Com todo esse avanço do conservadorismo, veio uma pauta extremamente avassaladora sobre o direito das mulheres. A reforma da previdência tem um impacto absurdo e direto sobre as mulheres (leia mais na Coluna Mulheres – página 29). Além disso, temos a PEC do teto, que congela recursos públicos por 20 anos. Sabemos que quem mais utiliza os serviços públicos são as mulheres e a PEC vai impactar em diminuição de creches, de vagas ou de horário de creches e isso influi diretamente na rotina de trabalho das mulheres. Outro ponto importante é que as crianças e as pessoas mais velhas são as que mais usam o SUS e quem cuida dessas pessoas geralmente são as mulheres. São vários fatores colocados e eles são muito drásticos para todas as mulheres”, destaca Anacélie.

Para a secretaria da CUT-PR, a conjuntura política brasileira favorece ainda mais a ida das mulheres às ruas. Além de diretamente prejudicadas pelas políticas austeras que vem sendo adotadas pelos governos federal, estadual e municipal, também perdem políticas públicas específicas e voltadas aos direitos das mulheres, conquistadas com grandes lutas nas últimas décadas. “É importante ressaltar que vínhamos avançando em relação às políticas para as mulheres, ou seja, com a implantação de secretarias, delegacias, estrutura jurídica e social de proteção das mulheres, sobretudo no campo dos direitos e para eliminar a violência. Mas quando se fala em diminuir os recursos públicos, muito possivelmente os gestores públicos vão cortar o orçamento destinado às políticas públicas voltadas para as mulheres”, observa.
Feminismo no plural: empoderamento

das mulheres pobres, negras e indígenas. O 8M-Brasil está sendo organizado por movimentos de mulheres trabalhadoras, sindicalistas, bissexuais, transexuais, soropositivas, portadoras de necessidades especiais, refugiadas, imigrantes, negras, camponesas, sem-terra, quilombolas, indígenas e outras tantas oprimidas pelo sistema patriarcal. No entanto, por serem as mulheres negras a maioria da população brasileira, é preciso refletir a participação delas no movimento feminista, uma vez que o feminismo à brasileira vem avançando sobre a realidade das mulheres negras e trazendo as suas pautas para o centro da discussão.

Por muito tempo a identidade da mulher negra foi construída de forma objetificada, tornando-se sujeito silenciado, inferiorizado, subalternizado e que conviveu com as opressões de classe, do racismo e do patriarcado. Entretanto, para a conselheira do Conselho Estadual da Mulher do Paraná, Alaerte Leandro Martins, que também integra o Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para Igualdade de Gênero, a participação das mulheres e as denúncias de racismo têm sido bem maiores, mas esbarra na omissão do Estado.“Desde o início da construção da Marcha das Mulheres Negras Brasileiras, em meados de 2012, e precisamente aqui em Curitiba em novembro daquele mesmo ano, durante o VII Seminário das Mulheres Negras e Saúde, onde foi realizada a primeira oficina nacional da marcha, a pauta das mulheres negras vem sendo a mesma: contra o racismo, a violência e pelo bem viver. É necessário denunciar a violência da qual somos vitimizadas juntos de nossas jovens, famílias e comunidades e denunciar o feminicídio que leva ao assassinato de mulheres negras tanto no espaço doméstico, quanto nas vias públicas. Somos invisibilizadas pelas estatísticas do Estado. O racismo e o sexismo juntos travam a luta diária mais aguerrida contra todas as formas de exclusão e tentativas de dominação”, ressalta.
“Nem uma mulher a menos | Nenhum Direito a menos” – 8 de março em Curitiba e região metropolitana

Mulheres e feministas representantes de diversas entidades de Curitiba e região metropolitana vem se reunindo desde dezembro do ano passado para a organização do ato público do Dia Internacional da Mulher. O ato convocado como “Nem Uma Mulher a Menos | Nenhum Direito a Menos” ocorre por todo o Paraná. Em Curitiba, o ato concentrado para a Praça Santos Andrade, terá seis intervenções em sua marcha.

Os temas ligados à pauta feminista deste ano incluem a Reforma da Previdência e Trabalhista; Educação; Direitos das Mulheres Negras e Indígenas; Estado Laico e Direitos Sexuais e Reprodutivos; Mulheres LBTI (lésbicas, bissexuais, transexuais/travestis e intersex) e Políticas Públicas para Mulheres. O encerramento, na Boca Maldita, conta com a discussão pública sobre Violência Contra a Mulher.
Para a coordenadora de Mulheres do Sismuc, Maria Aparecida Martins Santos, que participou de todos os encontros organizativos, as mulheres sempre foram as protagonistas invisíveis da história, uma vez que grandes atos e revoluções aconteceram devido à participação massiva delas. No entanto, segundo Maria, tanto no passado como no presente, o protagonismo quase nunca aparece. “Nas ocupações dos colégios estaduais ocorridas no ano passado, por exemplo, eram as mulheres que estavam à frente dos movimentos, sendo liderança em quase todas as ocupações que tiveram repercussão nacional e internacional. Entretanto, quem as lideravam não apareceu. Lutamos para todos e ainda convivemos com as duplas e triplas jornadas, mas não nos igualam nos direitos, mas sim dos deveres, nas obrigações”, reflete Maria.
Direitos para mulheres, retomada de terras para as comunidades

A luta das mulheres indígenas também merece uma reflexão neste 8 de março, pois também são vítimas de violências externas, de agressões dentro das próprias comunidades e de descaso no serviço público. Segundo a vice-presidente do Conselho de Mulheres Indígenas (CONAMI), Jovina Renh Ga, a realidade da mulher indígena que vivem nas aldeias é muito diferente das mulheres das cidades, uma vez que são quase invisíveis as indígenas que trabalham em fábricas, empresas, na prestação de serviços em geral ou que atuam junto ao serviço público.

A maioria, segundo Jovina vive do artesanato que produzem por tradição. No entanto, quando os direitos são ameaçados isso afeta todas as mulheres indígenas, estejam elas nas comunidades ou em áreas urbanas. “Sou liderança indígena e represento o Paraná no conselho nacional. A perda de direitos também nos atinge porque também somos usuárias de todos os serviços públicos, pois precisamos de moradia, saúde e educação para todos e para os nossos filhos. É necessária a contratação de indígenas que conhecem e vivem a realidade das comunidades para atuar no serviço público, mas o protagonismo é negado para o nosso povo. Quantos indígenas foram formados nos últimos anos, mas não foram absorvidos pelo mercado de trabalho? Também temos de destacar a importância da demarcação da terra porque as empresas capitalistas e o agronegócio avançam cada vez mais sobre as áreas indígenas”, denuncia Jovina.