Não vejo nada sendo feito para o País superar a crise

Ex-ministro de FHC e ex-PSDB, Luiz Carlos Bresser-Pereira não passa um dia sem fustigar a política tucana. Não bastasse, criou com colegas da academia uma teoria econômica antineoliberal.

Na entrevista a seguir, faz autocrítica do apoio ao ajuste fiscal de 2015, diz ter sido o único da sua classe social a votar em Dilma Rousseff, critica as elites e explica por que decidiu criticar a Operação Lava Jato.

CartaCapital:Como o senhor vê o Brasil sob o governo Temer?

Luiz Carlos Bresser-Pereira:Estamos sob um governo nascido de um golpe parlamentar. Não é democrático. Assumiu a Presidência a partir de um impeachmentabsolutamente sem legitimidade. Falou-se que Dilma Rousseff cometeu estelionato eleitoral, por mudar a política assumida na campanha. Não fez isso, pois não sabia da crise, nem ela nem ninguém.

O Boletim Focus de janeiro previa um crescimento do PIB em 0,5% e caímos 3,8% em 2015. Quem fez um estelionato brutal foi Michel Temer. Eleito duas vezes por uma chapa de centro-esquerda, adotou uma política rigorosamente de direita neoliberal. Mas é o presidente. Como disse Fernando Henrique, é isso que a gente tem aí.

E isso que a gente tem aí tem produzido um desastre. Não toma absolutamente nenhuma iniciativa para acabar com a recessão brutal iniciada em janeiro de 2015. Quem quebrou não foi o governo nem os bancos, mas as empresas, em consequência da taxa de câmbio apreciada entre 2007 e 2014. Começou com a própria Dilma, quando chamou Joaquim Levypara assumir a Fazenda e ele entrou em uma política violenta de ajuste fiscal. Confesso que errei aí porque, inicialmente, apoiei.

CC:Por que apoiou?

LCBP: Estava interessado em preservar Dilma. Vi que a situação era muito ruim, mas não tinha a menor ideia do tamanho da crise e acho que nem Dilma nem Levy tinham ideia. Mas estava errado. Querer recuperar a confiança apenas com um ajuste quando há uma situação objetiva de empresas quebradas é tolice, tanto que só agravou o problema.

E o atual governo continua na mesma toada. O ajuste fiscal é essencialmente de investimentos, o mais fácil de cortar. A taxa de juros foi mantida em um nível altíssimo, não foi criado nenhum sistema especial de crédito para as empresas.

CC:E a PEC 55?

LCBP: Um perfeito absurdo. Com isso, o governo não vai resolver o problema fiscal. Duvido que, no ano que vem, ainda tenha poder para tanto. Está em processo de forte deslegitimação nas elites que o apoiaram se dizendo contra a corrupção.

Na verdade, eram contra a esquerda do PT e o Lula. Isso está óbvio hoje, quando se vê o nível e o padrão do governo que substituiu aquele da Dilma. O padrão moral da gestão dela era muito mais alto.

CC: As elites começaram a retirar seu apoio ao governo?

LCBP:Aquela frase do Fernando Henrique que mencionei antes é bem típica. O Estado de S. Paulo, que cerra fileiras com quem está de acordo e ignora os erros, publicou muitos artigos claramente negativos ao governo. Acho que Temer termina o seu mandato, mas sem poder nenhum.

CC:O Brasil sairá da recessão no próximo ano?

LCBP: Pode ser que saia um pouquinho e muito lentamente. Não vejo nada sendo feito para o País superar a crise.

CC:Como vê o combate à corrupção?

LCBP: A Operação Lava Jato, no início, foi um grande avanço, pois descobriu uma rede criminosa e pôs gente na cadeia. Depois continuou uma caça às bruxas, que são os políticos, em particular Lula, e isso me pareceu absolutamente antidemocrático, desnecessário e um prejuízo muito grande ao País. Não fazer logo os acordos de leniência e possibilitar que as empresas superem essa crise, isso é também inaceitável. Essas empresas são um patrimônio do País e têm sido muito maltratadas.

CC:A política econômica brasileira está na contramão do mundo?

LCBP:A proposta salvadora que os economistas neoliberais inventaram e foi aceita pela sociedade por volta de 1980 morreu. No Brasil, caminhamos no sentido inverso, de aprofundar o neoliberalismo no qual entramos a partir de 1990, com Fernando Collor.

O único momento em que esse neoliberalismo foi desafiado foi quando Dilma, em 2011, baixou os juros. Mas fez isso sem ter os elementos necessários e logo teve de voltar. O desenvolvimentismo malfeito, como nesse caso, é muito ruim, mas o neoliberalismo é ruim por definição.

Os neoliberais não têm a menor condição de promover o desenvolvimento econômico do Brasil. Nunca fizeram isso. Criam crises financeiras sempre, por defenderem altos déficits em conta corrente, que eles dizem que é poupança externa, mas é mais consumo e endividamento, até que o País quebra. Isso aconteceu com FHC muito claramente, a crise de 1998 é desse tipo.

CC:Qual o núcleo de sua proposta de novo desenvolvimentismo?

LCBP:Nasceu do desenvolvimentismo clássico e concentra a atenção nos cinco preços macroeconômicos, ideia inexistente na macroeconomia keynesiana: as taxas de lucro, juros, câmbio, salários e inflação.

Concorda com o pensamento keynesiano na política fiscal e monetária, mas coloca no centro a ideia de que há uma correspondência entre taxa de câmbio e déficit ou superávit em conta corrente e desenvolve uma teoria nova para determinar a taxa de câmbio.

Em termos práticos, a necessidade de uma taxa de câmbio que torne competitivas as empresas industriais é um aspecto fundamental. O obstáculo principal é a doença holandesa, apreciação de longo prazo do câmbio causada pela possibilidade de exportação de commoditiescom uma taxa mais valorizada que aquela necessária à indústria.

Outras causas são as políticas de crescimento com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente, de âncora cambial para combater a inflação e de altas taxas de juro para atrair capitais e combater a inflação. Isso é desastroso para um país em desenvolvimento. O novo desenvolvimentismo propõe a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, e para isso oferece um conjunto de políticas novas.