Trabalhe e não se aposente

O
representante da ONG Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD), Marcelo
Gonçalves Marcelino, concedeu entrevista a Ágora
sobre as reformas da Previdência, Trabalhista, Sindical e Fiscal em curso no
Brasil. A PEC 287/2016, proposta pelo presidente não eleito Michel Temer, prevê
que os brasileiros devem trabalhar 49 anos para conseguir aposentadoria
integral. Também mantém intacta a previdência dos militares, que representa
quase metade do bolo, além de não alterar as isenções. Nesta entrevista, Marcelino,
que é economista e cientista social, tais políticas têm o objetivo de
desconstruir o estado nacional e dar continuidade ao projeto neoliberal
iniciado nos anos de 1990.

Ágora: Qual a importância da discussão
sobre a dívida pública brasileira?

Marcelino Gonçalves:A ideia de uma auditoria da dívida
pública começou a ser incorporada nos debates da Assembleia Nacional
Constituinte de 1987. Já no processo de democratização do país se percebia a
necessidade de fazer uma auditoria, principalmente, por conta da explosão
da dívida externa do Brasil ocorrida no final dos anos de 1970 e anos de 1980.
Quando a proposta da auditoria é colocada na Constituição Federal de 1988, a
sociedade civil organizada passa a verificar melhor o processo de endividamento
do país. No entanto, todo movimento nessa direção de fazer a auditoria sempre
foi barrado. O que fazemos hoje é pressão para que ocorra o cumprimento do
artigo 26 da Constituição Federal e o debate que colocamos junto à sociedade é
no sentido de procurar saber quem são os donos dessa dívida pública, porque a
partir disso, de termos o conhecimento de quem está por trás desses processos
fraudulentos, podemos ter maior interferência em relação ao entendimento do que
são os gastos públicos do país e compreender porque há um favorecimento do
capital privado nesse processo. Na auditoria realizada no Equador, por exemplo,
houve uma redução de 70% da dívida, porque foram descobertos absurdos
relacionados a acordos, esquemas e fraudes na dívida pública daquele país.
Então, a nossa proposta é traçar um panorama, fazendo um diagnóstico geral da
dívida no Brasil para que a sociedade não seja penalizada. Após este passo
podemos fazer pressão política, debater com a sociedade civil organizada –
instituições públicas e também privadas, e cobrar transparência, impedindo
assim que o endividamento público seja realizado para desviar recursos, e para
deixar o país subordinado ao capital financeiro.

Ágora: Qual a relação entre a crise
internacional e as atuais políticas impostas pelo governo federal?

Essas
políticas, essas medidas provisórias que estão em curso são todas com intenção
de dar continuidade ao que foi interrompido durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, ou seja, a é para dar prosseguimento a tudo
que é defendido pela classe dominante e que não foi colocado na sua
integralidade nos anos de 1990. Quando o governo do PT chegou ao poder no
início dos anos de 2000 houve um avanço nas políticas sociais, mas também não
cessaram as políticas neoliberais como um todo, devido a uma colisão com a
direita para chegar ao poder, mas houve um salto absurdamente grande, com
alguns avanços políticos importantes. Os movimentos sociais, os movimentos
formados por minorias sociais que não tinham espaço e voz ativa passou a ter as
suas demandas ouvidas. No entanto, sabemos que a classe dominante não quer
que esse debate seja colocado em prática, porque esse grupo tem os seus
interesses e interrompe qualquer movimento que vai na direção de uma progressão
social, de efetivação de políticas públicas inclusivas e que reduzam a
desigualdade social. O que vemos é que, agravado pela crise internacional, há
uma tentativa de desmonte na estrutura do projeto que foi construído pelos
governos do PT. O que querem de volta – e através de um golpe de “estado
branco” – é a retomada do poder com a intenção de desconstruir essas
políticas sociais. A famigerada PEC 55, que está tramitando no Senado
Federal, a reforma do ensino médio (Medida Provisória 746), além de outras
políticas conservadoras estão afrontando a classe trabalhadora e as minorias
sociais – que são a maioria da população. A tendência daqui pra frente,
com esse modelo de governo de transição adotado até a eleição de 2018, é o
desmonte do Estado.

Ágora: Qual a importância dos sindicatos
para reverter esse processo?

Tudo isso
que está sendo pensado pela classe dominante vai impactar diretamente na
organização dos trabalhadores. Os sindicatos são espaços de discussão, mediação
e organização democrática da classe trabalhadora e tem maior capacidade de
ampliar a pressão da sociedade para reverter mudanças que prejudicam a vida da
população e com a classe trabalhadora. O que está sendo propagado por
meio da mídia é que as reformas são necessárias para o tal do ajuste da
economia, mas isso é uma falácia transmitida pela opinião pública.
Sabemos que os sindicatos poderão ser penalizados porque atrapalham e
incomodam. Mas o grande papel dos trabalhadores organizados é justamente mediar
e construir o debate progressista. Fortalecer os sindicatos é imprescindível
para fazer com que eles consigam aperfeiçoar os mecanismos de gestão de
intermediação com a classe trabalhadora e negociação com o estado.

“Assim, quase todo o Orçamento Geral da União no Brasil é para pagamento dos juros da dívida pública, o que corresponde a cerca de 47% do orçamento. Acima dos gastos com educação e saúde, que ficam entre 4 e 5%”