Medellin luta todos os dias para superar

Em dezembro, em função da tragédia ocorrida com o avião que transportava
jogadores da Chapecoense, Medellin, cidade do time Atlético Nacional e o povo
colombiano, ganharam evidência pela demonstração de solidariedade e pelo
altruísmo. A mensagem que recebemos de Medellin foi a de que as pessoas e a
vida precisam ser valorizadas. Mais do que isso: priorizadas!

O que poucas pessoas sabem é que esse exemplo de solidariedade tem raízes
mais profundas, pois vem do cultivo de uma consciência social e de cidadania
que associa o desenvolvimento estrutural da cidade aos investimentos e cuidados
com a promoção social e com a inclusão do seu povo. Para desconstruir a imagem de uma pecha
cultural marcada pela violência e pelo narcotráfico – o nome Medellin ainda
remete muitas pessoas e gerações à lembrança do cartel das drogas, homônimo à
cidade, e à figura do traficante Pablo Escobar -, driblar o preconceito e o
enraizamento de fatores que favoreceram essa dominação e elevaram indicadores
de violência urbana e desigualdades, diversas gestões municipais tiveram de não
apenas mudar a linha de intervenção pública, mas também de dar continuidade às
mudanças instituídas, independentemente da alternância no poder.

 Medellin estabeleceu prioridades e a consciência crítica dos desafios a
serem superados até hoje estabeleceram um padrão comportamental na população
local, capaz de intimidar tentativas de retrocesso. São feitos de causar inveja
nos moradores das cidades-pólo e capitais brasileiras, a exemplo de Curitiba.

Pensar soluções

O arquiteto e urbanista Alexandre Pedrozo, integrante do Mobiliza
Curitiba, que é um grupo de entidades e pessoas que lidam com a questão urbana,
chama a atenção para essa referência de intervenção pública na estrutura urbana
com foco na consciência social. Ele lembra que a reconstrução de Medellin contou
com apoio internacional e que a cidade, a partir de um processo de planejamento
liderado pelo arquiteto Gustavo Restrepo, inovou na promoção de concursos
internacionais de projetos de arquitetura e grandes obras que levassem
investimentos aos bairros da periferia. Esses concursos fizeram com que
escritórios e profissionais da arquitetura e urbanismo no mundo todo
discutissem a realidade e apresentassem ideias e propostas de soluções urbanas.

Ergueram-se bibliotecas, centros culturais e praças nos morros da cidade,
que mexeram com a autoestima da população local, ampliaram a resiliência local
e renderam premiações internacionais à Medellin, como a “Cidade Mais Inovadora
do Mundo” (2013) e o “Prêmio Mundial da Transformação Urbana” (2016).

“A cidade está situada num vale. Nos morros, em geral, estão localizadas
as comunidades mais pobres e a parte mais urbanizada até então, se concentrava
na base, onde vivem as famílias com renda mais alta”, comenta Pedrozo. As obras
e edificações foram acompanhadas de intervenções eficazes no transporte
coletivo, como o eixo do BRT, o “Metro Cable”, o “Metro Plus”, a Transvia, aquelas
focadas em baixar a velocidade dos veículos nas vias e também em priorizar em
escala a vida humana, a começar pelo respeito ao pedestre e ao ciclista, bem
como o sistema gratuito de bicicletas ENCICLA. Ainda foram criadas as chamadas
“escaleras electricas” na Comuna 13, que são as primeiras escadas rolantes gratuitas
e de caráter público do país, símbolo desse urbanismo social.

“As obras de intervenção e o desenho urbano por si só não resolvem a
problemática social, a economia e questões históricas estruturais. É preciso ir
além e investir, por exemplo, também em iniciativas habitacionais, que promovam
o acesso à moradia digna”, comenta o arquiteto de Curitiba. E foi justamente o
que Curitiba não fez e não fez na proporção necessária à justiça social. O
modelo que tornou Curitiba reconhecida no final da década de 70 e ao longo dos
anos 80 – fechamento do calçadão da Rua XV para os carros, eixo estrutural das
canaletas exclusivas para os biarticulados, corredor de parques e áreas verdes
em regiões sujeitas a alagamentos, a fim de controlar cheias – não avançou na
inclusão e se tornou elitizado por fechar os olhos ao déficit habitacional e
empurrar a população mais pobres para buscar moradias precárias nas áreas de
risco.

Diminuir distâncias

As mudanças conceituais implantadas na Colômbia colocaram em destaque a América Latina no mundo dos projetos e soluções urbanas. Não seriam novidades aos especialistas e ao senso comum se isso acontecesse em países europeus, mas aqui sim. Medellin virou emblemática nesse sentido.

Mas o arquiteto curitibano chama a atenção para a necessidade de atualizar essas informações e olhar a fundo para tentar ver se as inovações no planejamento urbano e na estrutura da cidade foram acompanhadas de políticas efetivas de proteção social, enfrentamento da violência e investimentos em locais de encontros e de incentivo à convivência, entre outras ações que marcam a presença do estado na periferia. “As pessoas precisam desses locais públicos e das repartições descentralizadas, mais próximas da sua residência para saberem a quem recorrer, onde buscar informações e serviços e como resolver suas demandas cotidianas”, diz Alexandre Pedrozo. “A obra é um marco dessa presença, um sinalizador”, completou.

Orgulho e esperança

A advogada especializada em Direito Administrativo, Luz Eliana Quintero Chalarca, moradora de Medellin, comemora as transformações e melhorias na cidade nos últimos anos, embora saliente que ainda haja muito por fazer. “É preciso ir além. Tocar a individualidade, a família, a escola como eixos articulados”, argumenta. “A Medellin de hoje se orgulha desse rosto amável para mostrar ao mundo: mais tolerante, mais inclusiva e mais respeitosa da vida. Sempre atenta a acolher seus próprios cidadãos e os estrangeiros”, afirma Luz Eliana. Para ela, sua cidade e sua gente “lutam dia a dia para superar seu passado”.