Por que precisamos falar de aborto?

No
dia 29 de novembro a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu
que a pratica do aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. A
decisão foi sobre um caso específico de profissionais que trabalhavam numa
clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ), mas abre espaço para
discussão no Legislativo, na sociedade civil e pode influenciar futuras
decisões judiciais.

De acordo com o Ministério da
Saúde, a interrupção provocada da gravidez é responsável por 15% das mortes
maternas, sendo a quarta causa de mortalidade de mães no país, um dos
procedimentos da saúde feminina que mais lotam os hospitais públicos e
privados. Segundo o IBGE, mais de 8,7
milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um
aborto na vida. Destes, 1,1 milhão de abortos foram provocados.

Conforme o Código Penal, todas
essas brasileiras que abortam intencionalmente deveriam ser presas. A questão
é: acriminalização do aborto não o impede de acontecer e coloca tais
mulheres em perigo de morte, impedindo o poder sobre o destino dos seus corpos.
O aborto não é, enfim, um problema criminal. É um problema de saúde pública.

A criminalização das mulheres que
arriscam suas vidas em procedimentos abortivos revela um recorte de classe
social, já que com condições materiais é possível abortar em clínicas caras e
com medicamentos seguros. As mulheres que não possuem estes meios acabam
abortando em condições precárias ou em clínicas carniceiras, sem estrutura e
atendimento adequado e seguro. São essas mulheres que acabamem
unidades de saúdecomhemorragias, infecções
ou perfurações e ainda passam por procedimentos de sucção do feto, determinando
a curetagem como o procedimento hospitalar mais realizado no país. Ao invés de
receberem apoio psicológico e atendimento adequado, sofrem com o descaso do
poder público, com o preconceito, discriminação social e a criminalização penal.

O direito à
interrupção da gravidez é uma expressão necessária do direito e autonomia da
mulher sobre seu próprio corpo. Uma das características recorrentes de regimes
políticos autoritários é a ênfase dada ao controle do corpo da mulher e sua
valorização apenas enquanto meio de reprodução. É evidente que o aborto não é
uma decisão leviana ou fácil: mas por entender quão difícil esse processo pode
ser para a mulher, a escolha deve ser autônoma e sem condenação social.Talvez haja um dia que, com a disseminação da
educação sexual, o avanço seguro dos métodos contraceptivos que preservem a
saúde feminina, o conhecimento sobre o próprio corpo e o fim dos abusos
sexuais, a interrupção provocada da gravidez não seja necessária, exceto em casos
médicos e excepcionais.

O aborto já é
legalizado em mais de 50 países, nos quais se observa o avanço da medicina
voltada para a saúde feminina e o aumento da qualidade de vida para as
mulheres, inclusive com diminuição dos procedimentos abortivos.