O servidor público que só carrega dor

Especial Ágora – Três placas de titânio na cabeça. Essa é a lembrança física que carrega
o agente penitenciário César Corrêa, 38 anos, agredido no trabalho no dia 4/6,
quando fazia a revista das visitas na Cadeia Pública de Cascavel (CPC). “O cara
chegou fora da hora da visita e queria entrar. Eu não podia permitir. Então,
ele começou a me chamar de tudo que é nome, disse que ia invadir o local e que
só sairia de lá à força. Eu disse que ele estava me desacatando e que poderia
ser preso. Ele continuou. Era um ex preso e tentou invadir. Chamei a polícia pra
reforçar, mas também só tinha um. Nós dois tentamos pegá-lo e, no enfretamento
corporal, ele me acertou”, relata.

Da violência física, Corrêa está se recuperando após a cirurgia no
rosto. Voltou a trabalhar 45 dias após a agressão e seguirá em observação por
mais seis meses. Quanto às marcas psicológicas, essas talvez nunca a passem.
Fazem parte da rotina de trabalho. “O preso quando quer chamar atenção, está
com raiva, descarrega em quem trabalha lá. Eles xingam, ameaçam, jogam urina,
fezes”, conta o servidor.

O agente penitenciário é responsável pormanter a ordem, a disciplina, a custódia e a vigilância de detentos nas
unidades prisionais. Além de revistar as celas e as visitas, são eles que fazem
a movimentação dos presos dentro e fora do presídio: levam os detentos para
tomar sol, receber atendimento médico, assistir aulas, fazer exames fora da
unidade, ir a audiências judiciais etc. Um trabalho que requer alto nível de
atenção e possui um elevado grau de estresse já que vivem sob o risco iminente.

A dura rotina de trabalho do agente
penitenciário fica ainda mais pesada quando ele precisa fazer um trabalho que
deveria ser feito por três. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná
(SESP), em 2013, o estado tinha um déficit de 1.675 agentes penitenciários. De
lá pra cá, o número de presos do sistema penitenciário aumentou de 17 mil para
19 mil, elevando ainda mais essa deficiência. Atualmente, trabalham no estado
3.289 profissionais, muitos dos quais em desvio de função.

Diante de tantas denúncias realizadas
pela categoria, por meio do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná
(SINDARSPEN), em maio e junho, o Ministério Público do Estado realizou
inspeções em três unidades, na Penitenciária Central do Estado (PCE), no
Complexo Médico Penal (CMP) e na Casa de Custódia de Curitiba (CCC). As
inspeções foram realizadas pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Proteção aos Direitos Humanos (COPJDH) do MP. Os relatos dos servidores ao
promotor Régis Sartori só ratificaram aquilo que os 14 volumes de documentos
que o Ministério Público já possuía diziam: os agentes penitenciários trabalham
sob o regime de caos.

A PCE tem cerca de 1.700 presos, tendo
uma equipe de pouco mais de 30 agentes penitenciários por plantão diurno e 20
noturno. Porém, segundo a própria direção da unidade informou ao Ministério
Público, para dar conta da demanda da unidade seriam necessários, no mínimo, 80
agentes na escala diurna e 40 na noturna por plantão. A falta de efetivo obriga
servidores como Amadeu Ferreira Dias, de 57 anos, a trabalharem por 12 horas
seguidas de pé, fazendo sozinho uma tarefa que deveria ser feita por quatro
pessoas.

Já no Complexo Médico Penal, para atender
a demanda, a direção da unidade apontou para o MP a necessidade de, pelo menos,
o dobro de servidores. “Se a gente é agredido por um preso, tem que vir
trabalhar mesmo quebrado. Eu já fui agredido várias vezes aqui e, uma vez, a
minha perna quebrou. Tive que vir de muleta”, conta Laudelino de Andrade, que
trabalha há 27 anos no CMP. Ele sozinho faz a movimentação e a guarda de dois
pavimentos de uma das galerias. Um trabalho que deveria ser feito por quatro
profissionais.

Violação
de direitos

“A Lei de Execução Penal diz que o preso tem que tomar duas horas
de banho de sol por dia. Aqui na PCE, esse direito só é garantido uma vez por
semana porque não existem agentes em quantidade que dê para fazer essa
movimentação de presos em segurança”, relatou um agente da Penitenciária
Central do Estado, que prefere não se identificar. Segundo a direção da
unidade, são movimentados diariamente cerca de 800 presos, levados para
atividades como consultas médicas, banho de sol, escola, transferências etc. No
dia da inspeção do MP à unidade, 31/05, esse procedimento foi feito por um
efetivo de apenas 12 servidores.

A falta de agentes compromete todo o
sistema prisional. Sem profissionais, não podem ser garantidos os direitos
mínimos do preso, que cobra diariamente do agente aquilo que é direito seu e
que o Estado não garante. “Essa pressão se soma à sobrecarga de trabalho do
agente, elevando ainda mais o estresse desse trabalhador, que vai o adoecendo.
Além de tudo, a baixa quantidade de agentes ainda aumenta o risco de rebeliões
na unidade, pois prejudica a prática dos procedimentos de segurança”, avalia
a presidente do Sindicato da categoria, Petruska Sviercoski.

Mobilizações unem a categoria

Os agentes penitenciários do Paraná têm se reunido em uma série de mobilizações para pressionar o governo a aumentar o efetivo. Uma das formas mais rápidas é o pagamento das promoções e progressões atrasadas. Com elas, haveria abertura de vagas na classe de acesso à categoria.



Atualmente, das 4.131 vagas disponíveis na carreira, apenas 3.289 estão ocupadas, segundo dados do Grupo de Recursos Humanos da SESP, órgão ao qual o Departamento Penitenciário do Paraná (DEPEN-PR) está vinculado. Há ainda 842 vagas que poderiam ser abertas, caso houvesse a promoção dos servidores que completaram 10 anos de carreira, conforme determina a legislação ao pessoal do Quadro Próprio do Poder Executivo (QPPE).



Em 2013, foi realizado um concurso público, cujo prazo de validade expira em julho de 2017, após prorrogação de dois anos realizada em 2015. Há 1.200 aprovados para serem chamados.



No último dia 20, mais de 400 agentes engrossaram a manifestação de servidores públicos estaduais na Praça Nossa Senhora Salete, em frente ao Palácio Iguaçu. Vindos de todas as regiões do Estado, eles deixaram claro que não vão recuar na luta e não descartam a possibilidade de uma greve da categoria, caso Beto Richa siga ignorando as reinvindicações da categoria.



Após o ato, o DEPEN-PR informou à imprensa que tem promovido mutirões de saúde para os agentes penitenciários e está desenvolvendo um projeto para oferecer atendimento psicossocial aos servidores. O Sindicato da categoria nega a existência dessas ações. “Basta pergunta se algum agende conhece esses projetos”, retruca Sviercoski.